[ANPPOM-L] lucro cultural

Alexandre Negreiros alexandrenegreiros em yahoo.com.br
Sex Jun 15 02:20:08 BRT 2007


Prezados,

Sem querer me meter, já me metendo, vigorava o artigo 93 da lei 5988,  
de 1973

Art 93. A utilização, por qualquer forma ou processo que não seja  
livre, das obras intelectuais pertencentes ao domínio público depende  
de autorização do Conselho Nacional de Direito Autoral.
Parágrafo único. Se a utilização visar a lucro, deverá ser recolhida  
ao Conselho Nacional de Direito Autoral importância correspondente a  
cinquenta por cento da que caberia ao autor da obra, salvo se se  
destinar a fins didáticos, caso em que essa percentagem se reduzirá a  
dez por cento.


E também os artigos que regiam o Fundo:

Art 117. Ao Conselho [Nacional de Direito Autoral], além de outras  
atribuições que o Poder Executivo, mediante decreto, poderá outorgar- 
lhe, incumbe: [...]
VI - gerir o Fundo de Direito Autoral, aplicando-lhe os recursos  
segundo as normas que estabelecer, deduzidos, para a manutenção do  
Conselho, no máximo, vinte por cento, anualmente; [...]

Art 119. O Fundo de Direito Autoral tem por finalidade:
I - estimular a criação de obras intelectuais, inclusive mediante  
instituição de prêmios e de bolsas de estudo e de pesquisa;
II - auxiliar órgãos de assistência social das associações e  
sindicatos de autores, intérpretes ou executantes;
III - publicar obras de autores novos mediante convênio com órgãos  
públicos ou editora privada;
IV - custear as despesas do Conselho Nacional de Direito Autoral;
V - Custear o funcionamento do Museu do Conselho Nacional do Direito  
Autoral.

Art 120. Integrarão o Fundo de Direito Autoral:
I - o produto da autorização para a utilização de obras pertencentes  
ao domínio público;
II - doações de pessoas físicas ou jurídicas nacionais ou estrangeiras;
III - o produto das multas impostas pelo Conselho Nacional de Direito  
Autoral;
IV - as quantias que, distribuídas pelo Escritório Central de  
Arrecadação e Distribuição às associações, não forem reclamadas por  
seus associados, decorrido o prazo de cinco anos;
V - recursos oriundos de outras fontes.

Pelos testemunhos, o fundo era mesmo ótimo, mas não ia exclusivamente  
para projetos de música erudita, embora talvez houvesse alguma  
prioridade. Ouvi o próprio Antônio Adolfo, querido professor,  
declarar já ter sido financiado por esses recursos. Coisa parecida  
existe em muitos países, sendo um deles os Estados Unidos, cujas  
sociedades arrecadam uma fortuna com essa cobrança, que tem destino  
social parecido com o que já tivemos aqui.

Se o fundo acabou junto com essa cobrança, não era ele sua principal  
fonte, e sim o previsto no ítem IV do artigo 120: as verbas não  
reclamadas, ou o famoso "crédito retido". Ao "liberar" as obras em  
domínio público, a divisão dos principais bolos, ou rubricas,  
passaram simplesmente a desconsiderá-las (dividíamos por 10, agora  
vamos dividir por 8), fazendo na prática sobrar mais dinheiro para as  
demais obras e, consequentemente, aumentar o bolo referente aos  
editores "tubarões" que você citou, que as representam por módicos 25  
a 30% sobre todos os ganhos, lifetime. Por isso foram lá pedir isso,  
e deixar de cobrar as taxas por gravações eruditas, ou nos eventos  
eruditos, não tinha tanto peso, serviu só pra jogarem para a platéia.

O CNDA durou um pouco mais. Sua história começa a se encerrar na  
Constituição de 1988, que retira-lhe os poderes (que lhe permitiram  
duas intervenções no ECAD e outras em sociedades) ao buscar, no  
inciso XVIII do artigo 5º, proteger os partidos políticos de  
possíveis recaídas autoritárias.

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de  
cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência  
estatal em seu funcionamento;

Após o brusco esvaziamento, cambaleou até que o Collor decretou, em  
1991, o fim de todos os Conselhos que haviam no governo, "esquecendo- 
se" de incluir no decreto o CNDA que, então, caiu numa espécie de  
limbo jurídico: já não tinha sede, funcionários ou atribuição  
oficial, e o atual coordenador da Gerência de Direitos Autorais do  
MinC, Otávio Afonso, contou em dezembro último como salvou parte da  
biblioteca que seria jogada no lixo com o último despejo. Enfim, o  
CNDA foi sumindo e, sumiu. Em 1995, houve a bombástica CPI do ECAD,  
que fez renascer o projeto do José Genoíno de reformulação da lei  
autoral que, sob forte lobby dos atuais gestores do ECAD, o  
redesenharam para que fosse aprovado tal como hoje é a lei 9610, de  
1998. Nessa ocasião, havia a previsão para um "novo" CNDA que,  
contudo, não agradava aos grupos ainda hoje controlam o sistema, e a  
pressão foi grande para que os ventos do neoliberalismo  
implementassem a "gestão privada" desses direitos. As multas perderam  
sua destinção (e passaram a também incorporar o patriomônio do órgão,  
por mera analogia)

Desde 2001, uma artimanha contábil (a "reserva técnica") reduziu os  
valores desse crédito retido, e seus saldos passaram, desde 2004, a  
serem usados para cobrir o passivo operacional do ECAD, que nesse  
primeiro momento redirecionou 1,4 milhão para não registrar no  
balanço um prejuízo de 900 mil reais. Houve alguns protestos, mas em  
2005 e 2006, passaram a fazer isso sem cerimônia, e créditos retidos  
passaram a compor uma espécie de "fundo extra" para cobrir as  
trapalhadas administrativas do órgão.

Bem, essa é uma das pontas do imenso iceberg e, sem um novo CNDA,  
afundaremos em fossas escuras e geladas, até encontrarmos o Fundo  
(com trocadilho) que já sucumbiu faz tempo.

Abçs!
Alex



On Jun 15, 2007, at 12:11 AM, Jorge Antunes wrote:

> Querida Sandra e não menos querido Palombini:
> Vocês me fazem lembrar de tema muito bom para discussão.
> Talvez vocês não saibam, mas, no Brasil, obras de domínio público  
> também recolhiam direitos até 1984.
> Isto é, todo organizador de espetáculo que programava música de  
> domínio público tinha que pagar uma taxa.
> Essa taxa ia diretamente para o CNDA (Conselho Nacional de Direito  
> Autoral).
> O CNDA, com as taxas, formava um fundo que era destinado  
> exclusivamente a apoiar projetos na área de música erudita brasileira.
> Isso funcionava muito bem.
> Com dinheiro daquele fundo o Sindicato dos Músicos do Rio de  
> Janeiro publicou novas edições dos livros de Harmonia e Contraponto  
> do Paulo Silva.
> Em 1982 eu era presidente da Ordem dos Músicos, seção DF, e  
> conseguimos verba do fundo para organizar festival competitivo de  
> música, cujo júri era integrado, entre outros, de Rogerio Duprat e  
> Aylton Escobar.
> Em 1983 uma comissão de tubarões da música (Vitale, Ricordi,  
> Mangioni, Rádios, EMI etc) foram ao Presidente Figueiredo pedir  
> para acabar com aquelas taxas.
> O lobby funcionou. O regime militar liberou totalmente as obras de  
> domínio público. Em seguida deram fim ao Fundo e ao CNDA.
> Abraços,
> Jorge Antunes
>
>
>
> Sandra Reis wrote:
>> Realmente, não entendeu nada, Palombini. O que eu quis dizer foi:  
>> por não conseguirmos o patrocínio para pagar os direitos autorais  
>> de obras brasileiras, vamos gravar  obras consagradas de domínio  
>> público estrangeiras  para realizar o disco souvenir do I Concurso  
>> Nacional de Piano Cidade de Belo Horizonte com os três vencedores.
>>
>> É lamentável pois isto vai prejudicar o nosso objetivo primordial:  
>> realizar  a difusão da música erudita nacional no Brasil e no  
>> exterior.
>>
>> Sandra.
>>
>>
>>
>> From:  carlos palombini <palombini em terra.com.br>
>> To:  anppom-l em iar.unicamp.br
>> Subject:  [ANPPOM-L] lucro cultural
>> Date:  Thu, 14 Jun 2007 18:03:22 -0300
>> >
>> > >  Obtivemos apoio de entidades ligadas à UFMG até a gravação da  
>> matriz
>> > > e o apoio principal para a realização de 3000 Cds ainda  não  
>> veio e
>> > > talvez nem venha. A matriz tem de  ser gravada no dia 1 de  
>> julho  por
>> > > que os pianistas estão com a passagem comprada para um  
>> concerto no dia
>> > > 30 de junho. Se não  pudermos pagar os direitos autorais que  
>> estão
>> > > sendo exigidos (Ex.: Cr$ 3000 por uma das peças), vamos ter de
>> > > substituir a gravação das obras brasileiras  por obras  
>> estrangeiras de
>> > > domínio público. Desta forma, os nossos objetivos de difusão  
>> da música
>> > > erudita brasileira vão ser prejudicados. Todos os organizadores e
>> > > pianistas estão empenhados no projeto com o mesmo objetivo sem
>> > > qualquer ganho econômico,  a não ser o lucro cultural.
>> > >
>> > > Percebe o que está ocorrendo neste exemplo?
>> > >
>> >Se entendi bem, determinado autor ou determinada autora prefere não
>> >abrir mão de 3000 reais em prol do lucro cultural. É um direito  
>> que a
>> >legislação lhe assegura e que ele ou ela quer ver respeitado. Ou não
>> >entendi nada?
>> >
>> >--
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