[ANPPOM-L] Re: brasileiro vc norte-americano (era Choro)
Hermilson Garcia do Nascimento
nascimento em fafcs.ufu.br
Qui Mar 15 16:31:15 BRT 2007
Prezado Palombini,
Que belo exemplo nos da sua participação nesta lista, aqui expondo as suas
idéias sempre com brilhantismo e isenção, noticiando toda sorte de eventos,
publicações etc.
Seu crédito é indiscutível!
Essa questão do anti-americanismo é bastante curiosa mesmo, mas o espaço
acadêmico reservado para discussões desse tipo ainda não gerou frutos
suficientes para evitar recorrências, excessos, grosserias. O assunto ganha
ainda maior vulto no plano mais informal, na roda de choro, no discurso dos
músicos. Não concordo com isso. Na mensagem anterior apenas alertei para o
fato de que sendo um jazzista de formação Korman possa eventualmente
transparecer uma visão que parta de sua experiência com o jazz, mesmo que
essa noção tenha um sentido bem mais amplo do que o que aqui ganha,
comumente muito mais centrado nas referências do repertório mainstream do
que nos traços vivos do próprio gênero.
De qualquer maneira sinto-me imensamente contemplado em ler contribuições
como esta que ora respeitosamente comento, pois aprendo sempre com elas.
Acrescento que para nós, que estamos chegando agora, o importante é ler cada
vez mais mensagens assim, sobretudo as dos signatários mais talentosos e
experientes da lista.
Grato a todos.
suadações acadêmicas
carlos palombini escreveu:
>
> A relação entre gêneros brasileiros e norte-americanos é interessante,
> entre outras coisas porque a música (negra) norte-americana também tem
> raízes (desculpem a palavra) na cultura iorubá. No caso do choro, é clara
> a analogia entre a famosa foto de 1922 dos (7) Batutas (reproduzida em
> _Brasil Rito e Ritmo_, Rio de Janeiro, Aprazível Edições, pp 55 e 56) e
> fotos de grupos de Dixieland (desculpem, não consigo achar a referência).
> Isto não prova a influência musical, mas indica que, na época, era
> possível estabelecer uma analogia. Parece que as histórias da música
> popular brasileira desejem ignorar o que vem dos Estados Unidos por
> anti-brasileiro. Acho que, desde Paul Gilroy, isto não seja possível. Na
> apresentação de um trabalho sobre choro, um aluno se enche de orgulho para
> dizer que o choro nasceu antes do jazz. Ao mesmo tempo, encontram-se erros
> crassos em literaturas que não podem deixar de ignorar a música
> norte-americana, como a literatura sobre funk carioca. Por exemplo: Que o
> funk nasceu no Bronx! (O hip-hop, do qual o funk carioca descende, nasceu
> no Bronx, mas não o funk de James Brown, Jorge Clinton etc e evidentemente
> o funk carioca tampouco, a não ser no sentido figurado). Que a disco music
> é branca! (Pode ser no Brasil, onde chegou tarde, mas também o rock chegou
> ao Brasil nas vozes de Nora Ney e Cauby Peixoto [juro!], que podem nem ser
> tão brancos assim, mas fazem parte de um universo com um etos muito
> distinto do do r&b). Que a house é um tipo de funk! (Escrito por Hermano
> Vianna, não consigo explicar isso, ainda que a house possa ser bem
> funkeada). Este anti-americanismo encontra-se até entre praticantes
> brasileiro do hip-hop. Outro dia, num café, uma amiga minha perguntou a um
> deles se ele era rapper ou MC. Ele disse que rapper era coisa de
> americano, que ele era poeta!
>
> Liliana Bollos escreveu:
>>
>> Caro Sandroni, a propósito de seu email sobre improvisação no choro,
>> acabei lendo o trabalho de Clifford Korman, que lhe foi sugerido, também
>> pela minha área de interesse. Realmente há poucos trabalhos sobre
>> improvisação em geral, há muitos trabalhos historiográficos, mas sem
>> análise musical, tornam-se vagos.
>>
>> Sobre o que li hoje, antes de haver influência do jazz, o choro vem das
>> danças de salão da época de D.João, que já li em muitos livros, sobretudo
>> da polca européia, depois amaxixada. O próprio ragtime americano tb.
>> influenciou-se da mesma fonte, assim como da forma de 3 partes AABBACCA.
>>
>> O que acho que devemos separar bem é "qual é o jazz a que o choro se
>> relaciona!". Não dá para falar em jazz - bebop e cool jazz, que são esses
>> nomes que aqui o pessoal sempre fala. Quando se fala em bossa nova, tudo
>> bem, mas com o choro, é bem no começo. O ragtime era uma música escrita
>> como os tangos brasileiros de Ernesto Nazareth. A improvisação no choro
>> apareceu com as rodas, principalmente anos 20. Já ouvi gravação com
>> Pixinguinha (8 Batutas) improvisando ao mesmo tempo que outro sopro
>> solava a melodia, acho que era “Um a zero”. Outro exemplo é do Jacob do
>> Bandolim (Choro assanhado).
>>
>> As improvisações eram sempre em cima da harmonia, do acorde, baseado na
>> melodia, que foi a base do começo da improvisação. No jazz, década de
>> 1920 foi a dixieland, apesar que ser chamada de jazz de branco, é que se
>> impôs de um lado e do outro o New Orleans com improvisações coletivas,
>> melódicas, variações da melodia, principalmente o clarinete. Só mais
>> tarde, anos 40, com o bebop de Charlie Parker, Dizzy Gillespie, T. Monk e
>> Bud Powell, é que a improvisação se tornou mais solta da melodia, com
>> padrões harmônicos baseados em determinadas escalas previamente
>> estabelecidas, estudadas, assimiladas.
>>
>> A base da improvisação do choro, assim como no início dos standards de
>> jazz (até o swing, anos 30) é a melodia (com variações). O choro não fez
>> uso da escala de blues, que foi outra base importante para a evolução da
>> harmonia no jazz.
>>
>> Termino com 2 exemplos bem brasileiros: Há uma peça incrivelmente bela de
>> Nazareth intitulada “Improviso”, formalmente escrita. Também li (não sei
>> onde) que o flautista Joaquim da Silva Callado tocou um “desafio” com um
>> flautista famoso de sua época em que fizeram muitas variações, e o
>> Callado venceu o outro. E isso foi bem antes da grande influência do jazz
>> sobre nós, que foi na década de 30 – época de ouro. Peço que desculpe,
>> caso este email não for bem recebido.
>>
>> Um abraço,
>>
>> Liliana Bollos
>>
>
HERMILSON G. NASCIMENTO
Professor Assistente
Universidade Federal de Uberlândia
nascimento em fafcs.ufu.br
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