[ANPPOM-Lista] MEC usará IDH, nota de curso e área prioritária para conceder bolsas de pós

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Sáb Ago 17 14:01:00 -03 2019


Sistema planejado pela gestão Bolsonaro deve focar em programas de Saúde e
Engenharias, não em Humanas, e doutorado terá preferência em relação ao
mestrado

Renata Agostini, Lígia Formenti e Isabela Palhares, O Estado de S.Paulo
17 de agosto de 2019 | 12h00

BRASÍLIA - O governo federal vai mudar o critério de concessão de bolsas de
mestrado e doutorado no País. O novo sistema de escolha levará em conta o
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios onde as faculdades
estão localizadas, o teor das pesquisas e a nota obtida pelos cursos nos
últimos anos. Terão prioridade aquelas que se encaixarem em áreas
consideradas estratégicas pela gestão Jair Bolsonaro, como cursos de Saúde
e Engenharias. Bolsas de doutorado terão preferência em relação às de
mestrado.

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A definição de quais faculdades receberão dinheiro para bolsas de pós
caberá a um algoritmo. Cada um dos quatro quesitos terá um peso específico.
Ministro da Educação, Abraham Weintraub afirmou que a distribuição de verba
às universidades seguirá “critérios técnicos”.

“Quem faz trabalho sério receberá. Quem não faz e não prestar contas vai
receber menos”, disse ao Estado.

O novo sistema de distribuição será anunciado oficialmente no próximo mês,
mas as principais linhas foram antecipadas à reportagem pelo presidente da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
Anderson Correia. Vinculada ao MEC, a Capes é a principal financiadora de
pesquisas de pós do País.

Para Correia, a inclusão do IDH no cálculo é importante, já que a Capes tem
função social, de desenvolvimento das regiões.

“Você não pode dar o mesmo tratamento a um curso em São Paulo e outro em
Altamira, no Pará.” Um peso maior para unidades instaladas em regiões mais
pobres seria um mecanismo de tentar reduzir as desigualdades, ponderou ele.

Nos outros três aspectos que vão compor o sistema, o foco é investir em
quem pode trazer melhores resultados. A ideia é que cursos que receberam
notas muito baixas por vários anos não voltem a ter bolsas - esses cursos
foram os primeiros penalizados este ano, quando o MEC suspendeu bolsas para
cortar gastos. Hoje, a Capes avalia os cursos em conceitos de 1 a 7.
Programas com avaliação 1 e 2 têm autorizações de funcionamento canceladas.

A opção em concentrar esforços no doutorado, diz ele, mira maior impacto
científico. “O mestrado dificilmente gera descoberta que chame a atenção
internacional.”

As áreas estratégicas ainda estão sendo definidas, mas Correia sinalizou
que cursos como Medicina, Odontologia, Engenharias e Computação devem estar
no grupo considerado prioritário. Já as pesquisas do que ele classifica
como de “humanas puras” serão menos beneficiadas. Nesse grupo, estão
Filosofia e Ciências Sociais. “Priorizar uma área não é matar outra.”

A gestão Bolsonaro já havia dado sinais de que o investimento em Humanas
deixaria de ser prioridade, o que desencadeou críticas da comunidade
científica. Em abril, a Associação Brasileira de Antropologia, a Sociedade
Brasileira de Sociologia, a Associação Brasileira de Ciência Política e a
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, em
comunicado conjunto, afirmaram que as declarações indicavam desconhecimento
sobre a ciência.

Verba bloqueada

Os novos critérios para distribuir bolsas devem ser aplicados já este ano.
Weintraub acredita que parte dos recursos bloqueados começará a ser
liberado no mês que vem e, até o fim do ano, de 80% a 90% do previsto no
orçamento esteja disponível para a pasta. A Capes teve R$ 300 milhões de um
orçamento de R$ 4,25 bilhões bloqueados. Com isso, 6.198 bolsas foram
canceladas.

Segundo ele, bolsas ociosas vinculadas a cursos de baixo desempenho
continuarão congeladas. Mas, se tiveram boa nota ou estiverem em área
prioritária, o recurso será liberado.

Reajuste nas bolsas de doutorado

A Capes diz que, se o cenário fiscal dos próximos anos permitir, quer
ampliar o valor da bolsa de doutorado, cuja média é de R$ 2,2 mil mensais -
valor considerado baixo pelo governo e insuficiente para atrair talentos.

Especialistas veem riscos de filtro ideológico do governo; atenção menor a
cursos de Humanas preocupa educador

Especialistas temem que a inclusão de novos critérios leve a uma “escolha
ideológica” na distribuição de bolsas. Para eles, o País já tem sistema de
avaliação da pós-graduação robusto, baseado na qualidade dos cursos.

“É importante que nenhuma área seja deixada de fora. Uma preocupação seria
com a desassistência às Humanas, que em outros momentos também já foram
excluídas, como no programa Ciências sem Fronteiras (criado na gestão Dilma
Rousseff, que financiava intercâmbios no exterior). É perigoso que haja
direcionamento ideológico”, alerta Simon Schwartzman, da Comissão Nacional
de Avaliação da Educação Superior (Conaes).

Especialistas também questionam o uso do Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) como critério, já que a maioria das pós estão em áreas em que o
indicador é mais alto. “Regiões com IDH muito baixo não têm programas de
doutorado”, afirma João Cardoso Palma Filho, professor da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) e ex-presidente da Câmara de Educação Superior do
Conselho Estadual de Educação de São Paulo.

E, para ele, se querem priorizar a bolsa para o doutorado, seria preciso
mudar a estrutura de pós no País, que exige passagem pelo mestrado. Como o
Estado revelou em junho, a Universidade de São Paulo (USP) propôs à Capes
um novo modelo de pós-graduação, integrando o mestrado ao doutorado, o que
reduziria o tempo total de titulação de seis para cinco anos. A meta do
Plano Nacional de Educação é de formar, até 2024, um total 25 mil doutores
por ano no País. Em 2016, esse número foi de cerca de 20,6 mil.

Como funcionam as bolsas de mestrados e doutorados da Capes

Distribuição

Bolsas de mestrados e doutorados são distribuídas pela Capes aos cursos de
pós-graduação stricto sensu com avaliação igual ou superior a 3. A
avaliação da Capes, quadrienal, dá nota de 1 a 7 aos programas. Cursos com
notas 1 e 2 têm canceladas as autorizações de funcionamento.

Seleção

Hoje, as bolsas são distribuídas às instituições de ensino, que repassam
aos alunos por meio de processo seletivo. Os cursos são os únicos
responsáveis pela seleção e pela concessão de bolsas aos candidatos que
atendam aos requisitos.

Valores das bolsas

Os valores pagos pela Capes variam de R$ 1,5 mil (mestrado) a R$ 2,2 mil
(doutorado). A Capes diz que, se houver folga fiscal nos próximos anos,
quer reajustar o valor do auxílio, considerado baixo por especialistas.

Proposta de mudança

A Capes pretende levar em conta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
das cidades onde estão as faculdades e o teor das pesquisas para dar
bolsas. Também quer priorizar áreas estratégicas na visão do governo, como
Engenharia, e não Filosofia e Sociologia. Especialistas temem
direcionamento ideológico.

https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,mec-usara-idh-nota-de-curso-e-area-prioritaria-para-conceder-bolsas-de-pos,70002971476

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carlos palombini, ph.d. (dunelm)
professor de musicologia ufmg
professor permanente ppgm-unirio


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