Prezado Antunes,<br><br>Obrigado pelo tom cordial e pela disposição a debater revelados em sua mensagem. Tentarei seguir o seu exemplo, embora infelizmente não possa me alongar muito.<br>Talvez uma parte da discordância tenha a ver com o uso da palavra "compreender". O que seria "compreender" as polifonias vocais do Pacífico? Mensagens prévias de Sílvio e Eduardo Luedy já apontaram na direção que considero apropriada.
<br>Você, com sua formação contrapontística e musical, certamente "compreende" de alguma maneira aquelas polifonias. A maneira como você as compreende pode tê-lo ajudado a escrever o seu livro mencionado, e pode ajudá-lo em outras coisas eventualmente.
<br>Mas você próprio reconhece que a compreensão que tem, se deve em parte também à leitura de livros de etnomusicólogos sobre aquelas culturas musicais. Ora, estes livros não são livros de contraponto, são livros sobre culturas, sobre sistemas simbólicos. Sistemas dentro dos quais, exclusivamente, a música, inclusive no que se refere às estruturas sonoras, pode ser "compreendida", pelo menos da maneira que os etnomusicólogos entendem o verbo "compreender". A referência mais imediata é Blacking, já mencionado aqui duas ou três vezes. Mas a gente pode pensar no Clifford Geertz também - "A arte como sistema simbólico", em \O Saber Local - novos ensaios de Antropologia Interpretativa\.
<br>Sim, Zemp usa a palavra contraponto, mas eu seria capaz de jurar que ele não domina contraponto florido a oito vozes, que eu saiba ele era jazzista antes de ser etnomusicólogo, como tampouco o Lortat-Jacob, ou o Beaudet, que foi o meu orientador.
<br>Você é um compositor que estuda a diversidade musical do mundo com objetivos diferentes daqueles que estão dedicados a compreender o que significam estas diversas músicas para as pessoas que as fazem. Estes, incluindo os etnomusicólogos que você cita - integrantes da tal "torcida do Flamengo" a que me referi -  não subscreveriam aquelas duas frases suas que citei no meu primeiro email. O tipo de "compreensão" que eles proporcionam serve a objetivos diferentes, mas é também na minha opinião mais rica, mais nuançada, mais - vá lá - compreensiva (também  no sentido do inglês "comprehensive").
<br>Não excluo que você possa ter feito um excelente uso das polifonias vocais do mundo no seu livro, ao contrário. Minha discordância se relaciona à idéia de que proficiência em música de tradição ocidental capacite a "compreender   outras tradições musicais" (num sentido diferente de "usá-las para fins indiferentes a seus significados contextuais"), no mesmo gesto considerando-as "menos complexas".
<br>Espero ter ajudado a deixar mais claro meu ponto de vista. Em todo caso, acho que não vou poder dar muito mais que estes dez centavos nos próximos dias.<br>Abraços,<br>Carlos<br><br><br><div><span class="gmail_quote">
On 10/14/07, <b class="gmail_sendername">Jorge Antunes</b> <<a href="mailto:antunes@unb.br">antunes@unb.br</a>> wrote:</span><blockquote class="gmail_quote" style="border-left: 1px solid rgb(204, 204, 204); margin: 0pt 0pt 0pt 0.8ex; padding-left: 1ex;">


Prezado Carlos Sandroni:
<p>Você afirma que o domínio do contraponto europeu não
capacita a compreender as polifonias vocais do Pacífico.
<br>Essa afirmação é interessante, porque bombástica
para mim.
<br>Não me considero dono da verdade e, assim, gostaria de me fazer
todo ouvidos, para que você me convença acerca dessa sua convicção.
<br>Talvez isso seja possível, se você me der exemplos concretos.
Você poderia citar nomes de pessoas que dominam o contraponto "europeu"
e que, apesar de possuirem esse domínio, não estão
capacitadas para compreender as polifonias vocais do Pacífico.
</p><p>Eu, de minha parte, tenho exemplos que demostram justamente o contrário.
<br>Para escrever meu mais recente livro, intitulado Sons Novos para a
Voz, passei dois anos, de setembro de 2005 a agosto de 2007, estudando
todas as manifestações musicais do mundo, produzidas com
o aparelho fonador.
<br>Estudei todos os trabalhos de Hugo Zemp, Trân Quang Hai, Jean-Michel
Beaudet, Jacques Bouët, Gilles Léothaud e Bernard Lortat-Jacob,
sobre as práticas vocais contrapontísticas de Taiwan, Georgia,
Albania, Itália, Ilhas Solomon, República da África
Central (Pigmeus e Banda Linda), Etiópia e Indonésia.
<br>O estudo abordou as construções mais complexas, desde
os cantos a duas vozes de Malita (Ilhas Solomon), passando pela polifonia
a três vozes de Tai-Tung, no Taiwan, até as polifonias a doze
vozes dos portuários de Gênova, na Itália (o canto
trallallero) e as canções himarioçe, no estilo Himara,
cantadas em Vlorë no sul da Albânia, que também são
a 12 vozes.
<br>Para compreender essas polifonias, entendo eu que o que me capacitou
foi o domínio que tenho do contraponto que você chama de europeu.
O que eu chamo de domínio do contraponto, não é aquela
capacidade desenvolvida ao se praticar contraponto modal a apenas duas
vozes. Estou me referindo ao domínio do contraponto florido a oito
vozes, nas linguagens tonal e atonal. São a essas práticas
que chegam meus alunos em final de curso: tonalismo clássico bachiano
a 8 vozes e atonalismo integral de Julien Falk a 8 vozes.
<br>A maioria dos etnomusicólogos que mencionei acima, também
dominam o contraponto florido a dois coros, porque foram alunos do Conservatório
de Paris.
<br>Talvez eu esteja enganado, e é possível que minha compreensão
das polifonias vocais dos diversos povos do mundo não se deva ao
domínio que tenho da técnica contrapontística. Talvez
o que me capacitou para tanto foi algum outro fator de que não tenho
consciência. Deixo então a você a incumbência
de me passar exemplos que demonstrem a sua convicção de que
o contraponto "europeu" não capacita a compreender as polifonias
vocais do Pacífico.
<br>Abraço,
<br><span class="sg">Jorge Antunes
</span></p></blockquote></div><br>-- <br>Carlos Sandroni<br>Departamento de Música, UFPE<br>Programa de Pós-Graduação em Música, UFPB<br>Setembro 2007/Fevereiro 2008:<br>Pesquisador Associado ao Centre de Recherches en Ethnomusicologie
<br>CNRS - LESC UMR 7186 - Paris<br>Endereço pessoal na França:<br>Chez Duflo-Moreau<br>199, rue de Vaugirard<br>75015 - Paris<br>Telefone profissional no Brasil<br>(81) 2126 8596 (telefone e fax)<br>(Recados com Anita)<br>
Endereço pessoal no Brasil:<br>Rua das Pernambucanas, 264/501<br>Graças - 52011-010<br>Recife - PE