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Cara Márcia:
<p>Sou do tempo em que as titulações (mestrado e doutorado)
não resultavam em aumentos salariais ou outras vantagens.
<br>Fiz meu doutorado em 1976. Salvo engano, foi o primeiro doutoramento
em música de brasileiro. Logo em seguida o José Maria Neves
terminou o dele. Na época nem existiam bolsas do CNPq. Ambos fizemos
tudo com bolsas do governo francês. Quando voltei à UnB e
mostrei minha tese de 664 páginas (<i>Son nouveau, nouvelle notation</i>)
ao chefe do departamento (Moisés Mandel), ele me disse: -Pra que
serve isso? Tem gente pra tudo!
<br>Naquela época os jovens pesquisadores tinham um projeto de pesquisa,
uma tese a ser demonstrada, e então buscavam, como saída
para a ansiedade de desenvolver o trabalho, o mestrado e o doutorado.
<br>Depois que surgiram os aumentos salariais para os que têm titulações,
e a obrigatoriedade destas para o ingresso na carreira acadêmica,
começou a busca desenfreada, às vezes cega e irresponsável,
de se fazer um mestrado e um doutorado a todo custo.
<br>Começou então uma nova fase, bem surrealista. O graduado
mete na cabeça que tem que fazer o mestrado e o doutorado de qualquer
maneira. Não importa em qual área. Não importa em
qual tema.
<br>Resumindo, antigamente tinha-se uma idéia, um tema, um projeto
de tese, e buscava-se o curso pós-graduado na área do tema,
com o orientador especialista.
<br>Hoje, começa-se com a peculiaridade de não se ter idéia
alguma, projeto nenhum. Busca-se um orientador. Alinhava-se um projeto,
com conteúdo que se encaixe no curso, que se encaixe no perfil do
orientador desejado. Ao se entrar no curso, muda-se o projeto.
<br>A busca desesperada da titulação faz com que, por exemplo,
ao invés de fazerem doutorado em Música, músicos façam
doutorado em Sociologia, Antropologia, Arquitetura e outras áreas.
<br>Enfim, para mim, esse jovem que te plagiou, e que alega ter vivido,
no momento da feitura da tese, uma "instabilidade emocional", é
mais uma vítima da conjuntura cruel que promete emprego somente
a quem tem titulação. Pior, abre a possibilidade a carreira
acadêmica a qualquer um que tenha a titulação, pouco
se importanto sobre como e onde ela foi alcançada. Basta ter o diploma.
<br>Códigos de ética profissional existem para serem cumpridos
pelos profissionais. Muitos jovens mestrandos e doutorandos ainda não
são profissionais. Muitos ainda são apenas estudantes recém-graduados
que começam a, desesperadamente, buscar titulação
pós-graduada. E aí, vale tudo para o pobre desorientado.
Para ele vale copiar, vale plagiar, vale fazer o já feito com outro
discurso, vale repetir idéias já reveladas mas pouco ou nada
conhecidas pela comunidade. Para disfarçar essas estratégias,
basta fazer um monte de citações de autores famosos.
<br>Enfim, acima eu usei a expressão "pobre desorientado", porque
eu penso que o grande culpado do plágio que você relata não
é o plagiador. Este já reconheceu o erro, alegou problemas
psicológicos, se desculpou e, parece, vai refazer o trabalho, dessa
vez citando a fonte do texto surrupiado.
<br>Para mim o grande vilão dessa história é o "Orientador"
do rapaz. Este sim é o profissional que deve respeitar, e fazer
ser respeitado, o código de ética. É ele quem deveria
ser punido. Está evidente que o "orientador" não orientou
coisíssima nenhuma. Não quero afirmar que o orientador devesse
conhecer o teu texto e, assim, identificar o plágio durante a orientação.
Quero apenas dizer que um "orientador" deve acompanhar passo a passo a
pesquisa, a bibliografia, e até mesmo a redação de
cada parágrafo e capítulo. Quando esse trabalho é
desenvolvido criteriosamente pelo orientador, ele é capaz de reconhecer
estilos de escrita e, assim, pelo menos, desconfiar de textos escritos
por autores diferentes que, é óbvio, terão sempre
estilos diferentes.
<br>Abraço,
<br>Jorge Antunes
<p>PS. Talvez essas minhas colocações acima sejam bem polêmicas,
podendo encontrar, na Anppom, opositores radicais. Mas abro-me em reflexões
próprias, sinceras, de experiência de vida acadêmica,
para tentar contribuir com o debate, desde já dizendo que não
me considero dono da verdade e que estou aberto a revisões de minhas
convicções.
<br> 
<br> 
<br> 
<br> 
<p>Marcia Taborda wrote:
<blockquote TYPE=CITE>Agradeço a todos pelas mensagens.
<p>Acho que o mais importante no momento
<br>será a revitalização dessa comissão e o
desenvolvimento  junto à ANPPOM de
<br>um código de ética,
<br>que possa nos amparar em casos semelhantes; uma tomada de atitude
<br>institucional;
<br>Abraço,
<p>Marcia Taborda
<p>________________________________________________
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