<h1 class="title">“Intelectuais têm pavor de revolução” </h1>
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<p>Para Iná Camargo, quando um mero intelectual diz que o projeto
socialista está fora de pauta, ele está simplesmente expressando seu
mais profundo desejo que nunca entre mesmo na pauta</p> <p><em>11/04/2012 Jade Percassi, de São Paulo (SP) </em> <br></p><table align="left" border="0"><tbody><tr><td><img style="float: left; margin: 10px;" src="http://www.brasildefato.com.br/sites/default/files/ina_camargo_ciadolatao.gif" alt=""></td>
</tr><tr><td style="text-align:center"><strong><em><span style="font-size:x-small">Iná Camargo - Foto: Cia do Latão</span></em></strong></td></tr></tbody></table><p>A professora Iná Camargo Costa, nesta entrevista exclusiva ao <strong>Brasil de Fato</strong>,
fala sobre arte e política em tempos de crise. Para ela, a arte
convencional, uma das melhores expressões do fetichismo da mercadoria,
em todas as suas modalidades, inclusive as chamadas vanguardas, é
politicamente comprometida com os valores dominantes. A professora, que
acompanhou de perto a luta dos grupos teatrais, principalmente de São
Paulo, por políticas públicas para a cultura, afirma que não acha que o
caminho da disputa pelos recursos públicos seja revolucionário. Para
ela, o preço que os trabalhadores da cultura pagam pela opção reformista
é a reprodução interna, tanto subjetiva quanto no plano da organização
do trabalho, do que a vida no capitalismo tem de pior. Para Iná, na
prática os artistas reproduzem todas as relações necessárias à
manutenção do modo de produção capitalista e, reivindicando parte dos
recursos públicos para a produção das suas obras e garantia da
sobrevivência, demonstram estar completamente integrados ao sistema.
“Todos pagam o preço da invisibilidade, inclusive política, a que estão
condenados os que não se colocam como estratégia o confronto
revolucionário com o monopólio dos meios de produção cultural”,
afirma. </p> <p>Iná Camargo – que atualmente, atua como
dramaturgista da Cia Ocamorana de teatro e que anunciou que por ocasião
de seu sexagésimo aniversário faz sua despedida de eventos públicos “de
qualquer natureza” – afirma que o problema, portanto, não é reiterar que
“o projeto socialista está tão fora de pauta”, mas discutir por que as
organizações políticas, tanto partidos quanto movimentos, não o colocam
em pauta. E coloca um critério: quando um mero intelectual diz que o
projeto socialista está fora de pauta, ele está simplesmente expressando
seu mais profundo desejo que nunca entre mesmo na pauta, pois
intelectuais têm pavor de revolução. </p><p><strong>Brasil de Fato –
Em recentes participações em debates políticos, você tem reafirmado a
presença histórica das linguagens artísticas nos processos políticos
mais amplos, revolucionários e contrarrevolucionários. Quais os casos
mais emblemáticos dessa relação entre arte e política?</strong></p> <p><strong>Iná Camargo Costa –</strong>
Começando por colocar a questão em termos bem amplos, é preciso lembrar
que as chamadas linguagens artísticas estão presentes o tempo todo em
nossas vidas e sempre traduzem os valores da classe dominante. Basta
prestar atenção ao modo de ser das nossas cidades, voltadas que são às
necessidades do escoamento dos produtos da indústria automobilística:
todos os sinais de trânsito exploram linguagens artísticas, desde as
faixas de pedestres até as amplas avenidas, os parques, as pontes
estaiadas etc. O discurso político, por mais convencional e conservador
que seja, sempre tem ingredientes artísticos. A arte convencional, uma
das melhores expressões do fetichismo da mercadoria, em todas as suas
modalidades, inclusive as chamadas vanguardas, é politicamente
comprometida com os valores dominantes. Nos debates de que participei
ultimamente, a solicitação era tratar dos diferentes modos como artistas
interessados no ponto de vista dos trabalhadores podem enfrentar
esteticamente esses valores dominantes. Entendendo que o interesse era a
luta de classes tal como se manifesta na trincheira da produção
artística, achei que seria o caso de lembrar alguns episódios que a
própria história da luta de classes já produziu, tanto no plano
reformista quanto no revolucionário. Um critério político-dialético aqui
é importante: até outubro de 1917 (revolução soviética), as
manifestações reformistas podiam ser consideradas progressistas, mas
depois da revolução elas adquirem um caráter contrarrevolucionário, de
obstáculo claro ao avanço das funções e das próprias linguagens
artísticas. Sem meias palavras: o mesmo critério que vale para a
política vale para as artes. </p> <p>Sem perder mais tempo com a
arte contrarrevolucionária que nos assedia durante 24 horas por dia,
passemos ao interesse pela revolucionária. Neste caso é obrigatório
tratar daquilo que foi feito nos anos que se seguiram à revolução
soviética. Como meu maior interesse é teatro, as intervenções que andei
fazendo acabaram se voltando para o teatro de <em>agitprop</em>, a
manifestação mais revolucionária possível em matéria de arte, de acordo
com o critério acima enunciado. Por isso vou me referir apenas às
relações entre política e <em>agitprop</em>. Os artistas que se
dedicaram a ele – e entre os mais conhecidos estão Maiakóvski, Meyerhold
e Eisenstein, para ficar só no campo do teatro – já tinham uma posição
política clara: Maiakóvski e Meyerhold eram militantes do partido
bolchevique e Eisenstein integrou-se diretamente ao exército vermelho em
1918. Para eles, a função da arte revolucionária era participar da luta
pela construção do poder soviético – o mais democrático já inventado
pela humanidade – de todas as formas possíveis, desde fazendo a
propaganda direta do ponto de vista revolucionário sobre as questões da
ordem do dia, até inventando formas totalmente inéditas, como a do
“processo de agitação” em que o público era diretamente treinado para
participar dos sovietes com desenvoltura e conhecimento de causa. Sendo o
agitprop, disparado, a minha forma preferida de arte, nem gosto muito
de perder tempo com as outras. </p> <p>Simplificando bastante:
as relações são antes dos artistas, do que das artes, com a política.
Os que se decidem por um caminho revolucionário são livres para inventar
as melhores maneiras de aproveitar todas as linguagens disponíveis. No
mesmo processo, acabarão inventando suas formas próprias, ou inéditas,
como foi o caso do teatro jornal, do processo de agitação, da peça
dialética e assim por diante. </p> <p><strong>No caso brasileiro, qual foi o papel da produção artística na disputa de hegemonia ao longo da história recente?</strong></p> <p>Vamos
combinar que eu não gosto muito de “disputa de hegemonia”, pois aqui no
Brasil essa expressão assumiu desde os anos de 1970 uma conotação
abertamente reformista, pela qual não tenho nenhuma simpatia. Isso no
plano da política, porque no plano da arte ela pode ser tranquilamente
absorvida pela expressão mais verdadeira, que é “disputa de
mercado”. </p> <p>Dito isto, é preciso reconhecer que
desde fins do século 20 há uma forte movimentação de jovens supérfluos
(que não encontram emprego no mercado cultural) tentando desenvolver uma
produção artística fora do mercado, tanto para criticá-lo quanto se
esforçando para fazer alguma coisa que pode ser identificada como
“disputa de hegemonia”. Se não há dúvida sobre o fato de que isto
realmente é feito em termos de obras, isto é, no plano simbólico, já não
se pode dizer o mesmo quanto à estratégia, pois esses trabalhos
desenvolvidos à margem do mercado cultural não têm a mais remota
condição de disputar absolutamente nada com ele em termos de alcance.
Basta pensar no número de pessoas que um capítulo de novela atinge e o
número de pessoas que um trabalho de teatro de grupo tem a possibilidade
de alcançar. Não é por outra razão que a chamada “Cultura fora do eixo”
põe em pânico tantos militantes do teatro de grupo. Eu diria que, no
âmbito do mercado que realmente está sendo disputado, eles, pelo menos,
não são hipócritas, jogam limpo. Já disseram que é de mercado que se
trata e se habilitam a disputar o fundo público para essa finalidade,
inclusive deixando claro que estão muito bem sintonizados com estes
tempos de “empreendedorismo” que caracteriza a ação de todo mundo no
campo cultural. </p> <p>Os que dizem disputar hegemonia precisam
esclarecer melhor seus próprios objetivos, pois enquanto não o fazem
estão perdendo de goleada para os militantes da “economia da cultura”.
</p> <p><strong>Há exemplos na atualidade que indicam uma reativação desse fazer artístico que assume sua vocação eminentemente política? </strong></p><p>Acho
que os grupos teatrais, ou as brigadas, que se desenvolveram no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), claramente reativam a
vocação eminentemente política do teatro, até porque foram criadas pela
própria direção do movimento que desde o começo considerou necessária
também a intervenção no âmbito cultural. Por haver esse processo no
interior de um movimento político, os grupos teatrais que se aproximaram
do MST – e isto no Brasil inteiro, a começar pelo Rio Grande do Sul –
também desenvolveram essa vocação. Por outro lado, veteranos de outros
episódios de politização mais ampla no país, como o União e Olho Vivo de
São Paulo, entre outros, nunca perderam esse espírito. Mas todos pagam o
preço da invisibilidade, inclusive política, a que estão condenados os
que não se colocam como estratégia o confronto revolucionário com o
monopólio dos meios de produção cultural. </p> <p>Quanto aos
grupos teatrais mais jovens, que apareceram nas ondas criadas por
movimentos como o “Arte contra a barbárie” e “Redemoinho”, por serem
majoritariamente integrados por filhos da classe média, é possível
observar neles o interesse por essa reativação de um fazer artístico
politizado em graus variados. Nota-se isso sobretudo nos assuntos, nos
temas abordados e na opção por formas diversas do teatro épico. Mas a
condição de classe média pesa muito, todos oscilam tipicamente entre
euforia e depressão e, sobretudo, muitos reagem mal a qualquer proposta
de organização política mais efetiva. Por isso o Movimento dos
Trabalhadores da Cultura está demorando tanto para decolar. Tem muita
gente que ainda acha que artista não é trabalhador! </p> <p><strong>Em
que medida a organização interna dessa(s) categoria(s) se fortalece
e/ou se fragiliza ao se deparar com as contradições da disputa por
recursos públicos e a contribuição para a elaboração de um política
cultural junto ao Estado?</strong></p><p>Essa questão tem pouco
interesse para mim, pois não acho que o caminho da disputa pelos
recursos públicos seja revolucionário. O preço que os trabalhadores da
cultura pagam pela opção reformista é a reprodução interna, tanto
subjetiva quanto no plano da organização do trabalho, do que a vida no
capitalismo tem de pior: começando pelo consumo privilegiado (por ser
sempre e necessariamente para poucos) de todos os bens produzidos pela
classe trabalhadora – de alimentos a verbas públicas (a renda do Estado
provém da mais-valia arrancada dos trabalhadores agrícolas, industriais e
dos serviços, não é mesmo?) – e culminando com a reprodução entre eles
mesmos da estrutura social mais geral, na qual quem tem mais pode mais,
prevalece a hierarquia do saber, a administração das pessoas, o
paternalismo mais odioso, inclusive reclamado pelos mais jovens e assim
por diante. Isto é: na prática os artistas reproduzem todas as relações
necessárias à manutenção do modo de produção capitalista e,
reivindicando parte dos recursos públicos para a produção das suas obras
e garantia da sobrevivência, demonstram estar completamente integrados
ao sistema. Não dá para imaginar que daí saia alguma alternativa
revolucionária. Por isso venho perguntando com insistência aos artistas:
vocês acham possível se dar bem e ser feliz neste mundo, tal como ele
está organizado, ou a sua felicidade pessoal e profissional depende de
uma mudança total? É claro que “mudança total” é código para
revolução... </p> <p><strong>Do ponto de vista da disputa com a
indústria cultural, há condições da produção artística alinhada com os
interesses da classe trabalhadora confrontar o que está sendo imposto
pela lógica do capitalismo? Quando um projeto socialista parece “tão
fora de pauta” para a grande massa de trabalhadores não organizados, sem
consciência de classe, etc.)</strong></p> <p>Enquanto não aparecer um
movimento ou partido que ponha essa questão na ordem do dia, por certo
que não há condições subjetivas. Quanto às objetivas, elas estão dadas
desde a própria revolução de outubro. Aliás, este ponto já foi tratado
por revolucionários como Lenin e Trotsky e, no Brasil, foi desenvolvido
artisticamente por Mário de Andrade numa ópera chamada <em>Café</em>.
Nesta obra acontece uma revolução que culmina com a tomada
revolucionária dos meios de comunicação. No caso, o rádio. O problema,
portanto, não é reiterar que “o projeto socialista está tão fora de
pauta”, mas discutir por que as organizações políticas, tanto partidos
quanto movimentos, não o colocam em pauta. Em outras palavras,
desmascarar as organizações políticas que, ao insistir no ponto,
continuam empurrando com a barriga a ação reformista que é, repito,
contrarrevolucionária. </p><p>Um critério: quando um mero
intelectual diz que o projeto socialista está fora de pauta, ele está
simplesmente expressando seu mais profundo desejo que nunca entre mesmo
na pauta, pois intelectuais têm pavor de revolução. Mas quando um
dirigente partidário ou de movimento organizado diz a mesma coisa, ele
está expressando o caráter reformista de sua própria organização, ou
pelo menos da tendência que ele representa nessa organização. Um
contraexemplo é o discurso do Gilmar Mauro no último congresso do
MST. </p> <p><strong>Como você resumiria então os desafios correntes para a ativação simbólica da luta de classes?</strong></p> <p>Acho
que já respondi a questão, mas especifiquemos um pouco mais. Não
podemos ter a veleidade de achar que artistas sem qualquer vínculo com
organizações revolucionárias propriamente ditas sejam capazes de avançar
nessa ativação simbólica da luta de classes, para além do que já fazem
em seus trabalhos, às vezes até sem consciência. Antes de mais nada,
eles próprios precisam entender o que seja luta de classes pois,
enquanto não o fizerem, nem ao menos saberão qual o seu lugar nessa
luta. E nessa ignorância política tenderão sempre a reproduzir os
valores dominantes. Para estes casos, recomendo sempre a leitura dos
escritos políticos de Brecht, que nunca tergiversou sobre a questão. Ele
diz com todas as palavras que o proletariado espera pelo menos três
serviços dos intelectuais e, portanto, dos artistas: a) que desintegrem a
ideologia burguesa (nos dois sentidos: cair fora e denunciar, criticar
até reduzir a pó); b) que estudem, compreendam, expliquem e exponham
artisticamente, sempre de maneira crítica, as forças que movem o mundo e
c) que façam a teoria e a arte avançarem na direção dos seus
interesses. Simplificando: ultrapassar o estágio em que
os artistas se encontram, de completa ignorância política, é o principal
obstáculo. Se este obstáculo for ultrapassado, os demais serão mais
facilmente superados. </p> <p><strong><Quem é</strong><strong>></strong></p> <p>A
professora Iná Camargo Costa ministrou disciplinas e orientou dezenas
de pesquisas; foi curadora e palestrante de inúmeros debates em que
trouxe à tona posições críticas sobre a relação entre arte e sociedade, a
função social da arte e os limites e possibilidades do teatro político
no Brasil. Militante, acompanhou de perto a luta dos grupos teatrais,
principalmente de São Paulo, por políticas públicas para a cultura.
Atualmente, atua como dramaturgista da Cia Ocamorana de teatro, e por
ocasião de seu sexagésimo aniversário anuncia aos camaradas sua
despedida de eventos públicos “de qualquer natureza”. Professora
aposentada do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da
Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH – USP), é
autora de A Hora do Teatro Épico no Brasil (Graal), Sinta o Drama
(Vozes) e Panorama do Rio Vermelho (Nankin). <br></p> <p><strong>Cronologia</strong></p> <p>1952 Nasce Iná Camargo Costa, em Chavantes/ SP</p> <p>1970 a 1973 Cursa Letras em Botucatu</p> <p>1974 a 1984 Professora de Português na rede estadual Ensino Fundamental</p>
<p>1975 Inicia graduação em Filosofia na FFLCH USP</p> <p>1975 Adere ao Centro Acadêmico de Filosofia (CAF), sob direção da Liberdade e Luta</p> <p>1977 Passa a integrar o Centro de Estudos sobre Arte Contemporânea (Ceac), coordenado pela professora Otilia Arantes</p>
<p>1979 Conclui o Bacharelado em Filosofia</p> <p>1980 Retira-se da Organização Socialista Internacionalista</p> <p>1980 Ingressa no mestrado</p> <p>1982 a 1984 Leciona na Faculdade Nossa Senhora Medianeira</p> <p>1983 e 1984 Torna-se assistente do Conselho Estadual de Educação SP</p>
<p>1985 a 1988 Leciona Filosofia na Unesp de Marilia</p> <p>1986 a 1991 Integra a Ala Maravilha Negra da Escola de Samba Camisa Verde e Branco 1988 Mestre em Filosofia com a dissertação <em>Dias Gomes - um dramaturgo nacional – popular </em></p>
<p>1988 Ingressa no Doutorado</p> <p>1989
Começa a ministrar aulas no curso de Letras, participando da criação do
Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH/USP</p> <p>1993 Doutora em Filosofia com a tese <em>Teatro épico no Brasil: de força produtiva a artigo de consumo </em></p> <p>1999 Participa da articulação do Movimento Arte Contra a Barbárie</p>
<p>2000 Obtém a Livre-docência na Universidade de São Paulo</p> <p>2003 Aposenta-se</p> <p>2004 Torna-se assessora da Coordenação de Cultura do MST</p> <p>2008 Descredencia-se da pós-graduação da USP</p> </div>-- <br><div>
carlos palombini<br></div><a href="http://www.researcherid.com/rid/F-7345-2011" target="_blank">www.researcherid.com/rid/F-7345-2011</a><br>