<h1>Livro reúne 14 nomes para traçar panorâmica sobre composição</h1>
<h3>Livro organizado por Livio Tragtenberg analisa o exercício da profissão no último século, no Brasil</h3><div class="box-compartilhe">
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<div class="bb-md-noticia-autor">João Marcos Coelho - O Estado de S. Paulo</div>
<p>Mal necessário. É assim que o compositor é visto hoje no
Brasil. Compositor sem nenhum adjetivo colado em sua definição - seja
erudito/contemporâneo/experimental, popular ou então de música aplicada
(trilha para cinema e TV, vinculado a emissoras de rádio, diretor
musical e shows de entretenimento, de teatro musical, arranjador para
gravações, etc.). "A partir dele toda uma cadeia se abastece gerando
capital e trabalho do qual ele pouco participa", escreve Livio
Tragtenberg nos Prolegômenos... ao Menos de O Ofício do Compositor Hoje,
a primeira panorâmica da profissão no País no século 21. Catorze
profissionais, a maioria compositores, aceitaram o desafio de fazer uma
(auto)análise reveladora sobre a condição do mais mal-amado dos
integrantes da cadeia produtiva da música.
</p><div class="bb-md-noticia-foto"><div class="bb-md-noticia-foto-bajada"><b>Compositores aceitaram desafio de fazer autoanálise sobre suas condições</b></div></div>
<p>Esta marginalidade não é nova. Antigamente, os pontapés no traseiro
eram dados por bispos (como o que Mozart levou do arcebispo Colloredo,
de Salzburgo). Hoje, são corporativos, institucionais - mas também doem e
são de igual natureza. "O mesmo olhar desconfiado com que um bispo
enxergava aquele tipo pouco crédulo, mas habilitado, que compunha o
material musical para o ofício da missa", evoca Tragtenberg, "se enxerga
nos olhos dos produtores das grandes corporações dos meios de
comunicação que gerenciam a indústria musical, ou mesmo as instituições
culturais - sejam privadas ou estatais - que também se servem da
matéria-prima desse mal necessário, o compositor". E alerta que isso se
aplica não apenas "a um determinado campo ou gênero da composição como a
música experimental ou popular, mas parece, antes de mais nada, que se
trata de uma condição".</p>
<p>A saída, onde estaria a saída, então? Para Tragtenberg, "o que se
desenha é um criador/elaborador de conteúdos sonoros que se encaixa nos
diferentes formatos e usos do áudio e da música em contextos multimídia,
como internet, cinema digital, programas de TV, sonorização de vídeos,
audiovisuais, etc.".</p>
<p>Metralhadora giratória, ele trabalha fora dos circuitos
convencionais. Para mostrar que o compositor é hoje um animal em
extinção no zoológico das belas artes e na sociedade contemporânea,
montou em 2011 a jaula estúdio "O gabinete do Dr. Estranho" no Viaduto
do Chá, centro de São Paulo. Tragtenberg investe contra as "viúvas da
arte" que pensam no "ARTISTA", figura "simplesmente obsoletada pelos
fatos e acontecimentos socioculturais dos últimos 30 anos"; denuncia o
"hermetismo buscado", que funciona como "cortina de fumaça para um
vazio, ou antes, um vácuo conceitual e de aplicabilidade prática, mais
do que formulação realmente vital dos materiais envolvidos". E, ao
propor o compositor como "artesão eclético que abandona as velhas roupas
do imperador/compositor", fulmina os que ainda usam "aquele jaleco,
fardão e status quo que a música erudita ocidental - em especial a
europeia - construiu ao longo de mais de 300 anos. Esse abandono não é
fácil, e muito menos desejável por aqueles que se aferram a uma situação
e não querem ver que a caravana passa e os cães ladram...".</p><p><strong>Colagens.</strong> São raros os espaços de que desfrutam os
compositores que se dedicam à chamada "música de invenção". E nessas
ocasiões, querendo dizer tudo, acabam fazendo longos e chatos discursos
autolaudatórios e autorreferentes. Querem, é justo que seja assim,
vender seu peixe; mas parecem igualmente preocupados em responder a
ataques do passado, demarcar território. Quando não, se refugiam na
discussão de debates teóricos ancorados em molduras teóricas europeias -
o que, em si, não é defeito. Não deve ter sido este o objetivo de
Tragtenberg ao conceber a coletânea. É inevitável, porém, que eles
pensem a composição no Brasil hoje a partir de sua condição pessoal. </p>
<p>Outro obstáculo é o jargão acadêmico. Quanto mais distante dele e por
consequência mais próximo do leitor comum, melhor. Por isso, as
intervenções mais interessantes são as de Emanuel Dimas de Melo Pimenta,
em estilo cageanoconcretista - como, aliás, o texto de Tragtenberg, um
tributo aos 80 anos de Augusto de Campos, e o de Flo Menezes. Mas
Pimenta, ao contrário do coordenador do livro, que dá coerência ao seu
texto, adota o estilo metralhadora giratória numa sequência de colagens
de frases de jornais com slogans salpicadas com posturas musicais aqui e
ali. Como esta: "Depois de Charles Ives, o experimental desenhou a
música erudita que não está na Europa." Ou então: "Música para um
partido político ou uma ideologia? Johann Sebastian Bach: o objetivo e
finalidade última de toda a música não deveria ser mais que a glória de
Deus e a renovação da alma. O novo pelo povo?" E mesmo: "Alguém está
interessado na música ou na poesia contemporânea?" Encantei-me com essa e
até acho sabemos todos a resposta: "Onde está a corrupção?"</p>
<p>A mais contundente e certeira, contudo, é esta: "É possível pagar a
conta do supermercado com música?" É algo que Rodolfo Caesar tenta
responder no honesto, agudo e inteligente ensaio O Compositor de Hoje,
Visto Ontem, em que desfila "algumas linhas de defesa de nossa
preservação". Pensei nos pandas quando li a frase. Caesar, no entanto,
lembra a sensação que têm os amputados de ainda movimentarem membros que
já não possuem para afirmar que "o compositor é um membro fantasma da
cultura de seus séculos anteriores". Clama contra as "políticas
culturais burocratizadas" que "pretenderam estimular culturas de
‘periferia’ ao preço da retirada de apoios a artistas locais,
‘concentrados na faixa litorânea carioca’. Assim desceu ralo abaixo um
determinado dispositivo experimentalista, calando toda uma geração mais
‘experimentada’ em nome dessa descentralização que, efetivamente, não
ocorreu!". Tudo isso "consolida ainda mais a universidade como último
recurso para refúgio e expressão da Música Contemporânea".</p>
<p><strong>Sonhando escrever para orquestra.</strong> Pioneiro da música
eletroacústica e acusmática no País, faz uma pergunta importante: "Quem
dentre todos nós, incluindo os ‘alternativos’, recusaria uma generosa
encomenda de peça para orquestra?" Ninguém, com certeza, se houvesse
convites, é claro. As orquestras, conservadoras em seu DNA, não se
arriscam a encomendar obras mais encorpadas que ultrapassem os 5 minutos
regulamentares que em geral acalmam a má consciência delas. Por isso,
as universidades absorveram a música eletroacústica. Caesar é duro: "Sua
entrada na universidade representou ao mesmo tempo a sobrevivência da
espécie e, no caso brasileiro, a mistura de sua consagração estética com
o início de uma fase oficial, chapa branca, acompanhada de uma
considerável perda de dinâmica." Ele a chama de "Música Eletroacústica
Institucional Brasileira, ou Meib". E como na universidade os "projetos
musicais disputam com a cura da aids, criação de novos combustíveis
ecossustentáveis", anota que a música se aproxima de padrões
tecnocientíficos e diz que logo logo os compositores estarão "a serviço
de uma indústria bioquímica de entretenimento", em que o "ouvinte (...)
não mais ouvirá por seus orifícios auriculares - talvez adquira músicas
em cartelas de 12 comprimidos com sabor hortelã". No caso brasileiro,
inventariam em seguida os comprimidos de carambola ou banana.</p>
<p>Na mesma linha de texto concretista, que começa com a letra "A"
ocupando a primeira página inteira de Senha e Contrassenha e termina em
corpo diminuto, ilegível, Flo Menezes, o equivalente paulista em música
eletroacústica e acusmática do carioca Rodolfo Caesar, evoca Pound,
outro guru concreto, na frase "Confusão, fonte de renovações". Eu me
senti nos anos 70 de novo. Fiz um corte e costura para tentar sintetizar
o pensamento de Flo em suas próprias palavras, estranhamente gongóricas
e com muitos lugares-comuns que não costumam habitar sua fina prosa.
Ele diz que mescla em sua postura "as figuras do sacerdote e do
militante (...) debatendo-me pelos poucos espaços que nos sobram,
sediando nossas pesquisas nas universidades, celeiros do saber, apesar
das vicissitudes de seus vícios... (...) o público no singular não
existe (...) Organizamo-nos indistintamente em tribos distintas (...)
num jogo tão pouco imprevisível como um lance de dados, aprende-se a
nadar mesmo contra as correntes mais contrariantes e avistando ao longe
com nossas lunetas, de quando em quando poupamos energia e as
realimentamos em marés favoráveis, como quando do apogeu de nossos
concertos, ritos de sacralização na primavera das ideias (...)
mantendo-nos íntegros nesse percurso infausto, sem vender nossas almas a
qualquer uniformização singular".</p>
<p><strong>Fauna fratricida.</strong> Na mesma linha sacerdote militante
verborrágico, Jorge Antunes, que comemora seus 70 anos em 2012,
intitula seu texto Eu Componho, Logo, Sou um Pequeno Deus: Crio e
Transformo. Mais uma metralhadora giratória afiada, embora meio
atabalhoada, que escolhe 1979 como mote para desancar a execução ruim de
uma de suas obras por Eleazar de Carvalho e a autocrítica do comunista
Claudio Santoro, seu ídolo, que renegou publicamente naquele ano "todo
aquele passado de engajamento político e que se arrependia de ter
defendido ideias de esquerda e de tê-las embutido em algumas obras".
Chamou-o de "prostituta arrependida" por ter regido um concerto em
Brasília em honra ao general Golbery do Couto e Silva.</p>
<p>Antunes permanece mais engajado do que nunca. "Ainda hoje me vejo
naquele isolamento, como um dos poucos compositores brasileiros - talvez
o único - que se envolvem com ativismo político." Em seu longo texto,
distribui pauladas para todo lado. Chama Willy Corrêa de Oliveira de
mero clonador de Cornelius Cardew, o ex-aluno de Stockhausen que assumiu
o ativismo político nos anos 70/80: "Ao invés (sic) de compor músicas,
adaptou textos panfletários a melodias conhecidas, em forma de
paráfrases e paródias, sem a menor preocupação artística." Sobra até
para Gilberto Mendes: "Esperemos que todo aquele que estiver em crise
fique trancado em seu quarto inventando letras novas para o Atirei o Pau
no Gato, para O Tannenbaum, para o Mamãe Eu Quero Mamar." (Mendes pôs a
letra Mamãe, Eu Quero Votar, nesta última, em 1984, na campanha pelas
Diretas-Já, em versão para coral a quatro vozes.)</p>
<p>Resumindo: só o modo como ele usa a tonalidade é válido, mesmo
misturando sua música com o bumba meu boi, porque se apoia "na ecologia e
na série harmônica". É um debate amplo impossível de discutir nos
limites deste artigo e que Antunes esmiúça em seu texto, ao qual remeto
para melhor compreensão.</p>
<p>Livio Tragtenberg conclui seus "prolegômenos" dizendo que queria
levantar "um painel de abordagens que contemplasse a diversidade da
fauna". Conseguiu. A fauna - fratricida, como vimos - está toda lá. A
tal ponto que, neste texto, falou mais alto meu DNA de jornalista. É
jornalisticamente compreensível dar mais espaço às metralhadoras
giratórias e menos aos que constroem discursos mais abstratos sobre os
mecanismos da sua criação musical. Por isso, dois ensaios da maior
importância infelizmente ficaram de fora. A eles pretendo voltar em
artigo específico: Itinerário de Orfeu - Música e Experiência, de Marco
Scarassatti; e Escutas e Reescritas, de Silvio Ferraz.</p>
<p><em><strong>JOÃO MARCOS COELHO É JORNALISTA E CRÍTICO MUSICAL, AUTOR DE NO CALOR DA HORA (ALGOL)</strong></em></p>
-- <br><div>carlos palombini<br></div><a href="http://www.researcherid.com/rid/F-7345-2011" target="_blank">www.researcherid.com/rid/F-7345-2011</a><br>