<div dir="ltr"><b><font class="Apple-style-span" color="#0000ff">Caros colegas:<br><br>Muito obrigado pelos cumprimentos.<br>Apresento a seguir alguns detalhes do projeto premiado, por crer que ele é de grande importância para todos os pesquisadores da Anppom.<br>
Abraços,<br>Jorge Antunes</font></b><br><br><div><br><b><font class="Apple-style-span" size="4">Recordings of Villa-Lobos in steel wire and paper tapes from years 1940-1950</font></b><br><br>Prof. Dr. Jorge Antunes<br><br>
<br><b>HISTÓRICO</b><br><br>Logo após o golpe militar de março de 1964, os militares fecharam a UNE (União Nacional dos Estudantes). O edifício histórico da Praia do Flamengo 132, no Rio de Janeiro, foi fechado.<br><br>Em 1967, o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico (CNCO), que tinha sido fundado por Villa-Lobos em 1942, foi transferido para o antigo edifício da UNE. O compositor Reginaldo Carvalho foi nomeado diretor do CNCO e promoveu uma reforma, mudando o nome da instituição para Institulo Villa-Lobos (IVL). A convite de Reginaldo, no mesmo ano fui nomeado professor do IVL e recebi duas tarefas: implantar o Centro de Pesquisas do Som e da Imagem, e criar o primeiro curso de música eletroacústica, vertente estética que era novidade no Brasil.<br>
<br>No IVL eu encontrei importante material: sete fitas magnéticas de papel em carretéis de ferro e uma bobina de fio de aço, com gravações sonoras da época de Villa-Lobos (1940-1950).<br><br>O IVL contava apenas com um órgão eletrônico Harmmond estragado e um gravador Revox. Levei para o Instituto, então, todo o meu equipamento, para instalação do laboratório: dois gravadores de rolo (Grundig e National), geradores, moduladores, theremin e outros equipamentos por mim construídos.<br>
<br>Os meses de abril, maio e junho de 1968 foram muito agitados no Rio de Janeiro. Em 28 de março de 1968, sexta-feira, os estudantes organizavam uma passeata relâmpago para protestar contra a alta do preço da comida no restaurante Calabouço. Por volta das seis da tarde, a Polícia Militar chegou ao local e dispersou os estudantes que estavam na frente do restaurante estudantil. Os estudantes se refugiaram no interior do restaurante e responderam à violência policial com paus e pedras. A reação dos estudantes obrigou os policiais a recuar, deixando a rua deserta. Mas os políciais retornaram em seguida e tiros foram disparados do Edifício da Legião Brasileira de Assistência, provocando pânico entre os manifestantes, que fugiram. Os policiais invadiram o restaurante e o comandante da tropa da PM, aspirante Aloísio Raposo, atirou e matou o secundarista Edson Luís, alvejando-o com um disparo de arma de fogo a queima roupa na região toráxica. Outro estudante, Benedito Frazão Dutra, também ferido a bala, foi levado para o hospital, mas não resistiu ao ferimento e morreu.<br>
<br>Os estudantes conseguiram resgatar o corpo de Edson Luís e o carregaram em passeata pelo centro do Rio até as escadarias da então Assembléia Legislativa, na Cinelândia (atual prédio da Cãmara Municipal), onde foi velado.<br>
<br>Naqueles meses eu comecei a compor, no estúdio do IVL, minha obra <i>Missa Populorum Progressio</i>, sob encomendada de Paschoal Carlos Magno, para um dos Festivais de Arcozelo que, afinal, não aconteceu. Era a primeira missa eletrônica brasileira, cantada em português. Essa obra veio a ser estreada mais tarde, em meu casamento, com um coral regido pelo Maestro Henrique Morelembaum e com a Vânia Dantas Leite na difusão da fita magnética.<br>
<br>Num domingo eu estava com um aluno, no IVL, trabalhando na missa, quando os grandes e majestosos portões do prédio começaram a balançar ruidosamente. Milhares de estudantes, em passeata, queriam invadir o prédio. Nos apavoramos.<br>
<br>Essa tentativa de derrubada dos portões está registrada em um filme, creio que no documentário <i>Jango</i> de Silvio Tendler. Quem vê a cena do filme não imagina que eu estava lá dentro, apavorado.<br><br>Eu e o estudante imediatamente resolvemos pular o muro dos fundos, carregando o que de mais vailioso havia no estúdio: o gravador Revox e as gravações históricas e preciosas: fitas magnéticas de papel e a bobina de fio magnético de aço. Na segunda-feira seguinte, levei o Revox de volta ao IVL, mas deixei as gravações em casa.<br>
<br>Seis meses depois, em dezembro de 1968, foi promulgado o AI-5 e eu fui demitido do IVL. Começava a caça às bruxas, as perseguições, prisões, torturas e assassinatos nos porões da ditadura. Minha demissão e expulsão foram humilhantes. Essa é outra história. É história que mereceu a atenção da Comissão de Direitos Humanos e do Ministério da Justiça que me concederam, recentemente, a anistia e uma indenização em dinheiro.<br>
<br>Após o AI-5, seguido de minha demissão e de meu casamento ao som da <i>Missa Populorum Progressio</i>, optei pelo exílio. As históricas e valiosas gravações, com as fitas magnéticas de minhas obras, ficaram encaixotadas durante anos na casa de meus pais em Santo Cristo.<br>
<br>Anos mais tarde a ditadura militar invadiu o prédio da UNE, destruindo acervos e bens do IVL e do Conservatório Nacional de Teatro, que também funcionava lá. Vândalos anticomunistas atearam fogo ao prédio. Finalmente, em 1980 o prédio foi implodido e derrubado.<br>
<br>São as oito raras gravações sonoras que, agora, vou recuperar e digitalizar, graças ao prêmio que me é concedido pela ARSC (<i>Association for Recorded Sound Collections</i>): as fitas de papel contêm gravações de palestras de Villa-Lobos, seus discursos para receber visitantes, e ensaios do coro dirigido pelo compositor. O rolo de fio de aço contém duas obras desaparecidas de Villa-Lobos: <i>Fantasia</i> (1909) e <i>Mazurka</i> (1901).<br>
<br>A identificação do conteúdo dessas gravações é possível, pela observação das anotações feitas a lápis nos respectivos estojos.<br><br>São de ferro os carretéis de fita magnética de papel. O orifício central dos carretéis não é compatível com os eixos dos motores dos gravadores de rolo Revox, Ampex, Teac etc. A bobina com fio de aço magnético precisa, para ser tocada, de um gravador especial que não mais se encontra no mercado e que é peça rara de antiguidade. Até bem pouco tempo havia um à venda no Mercado Livre. Creio que ainda existem alguns à venda no e-Bay, nos Estados Unidos.<br>
<br>A primeira etapa do trabalho de recuperação consistirá na busca dos gravadores antigos, reprodutores daqueles tipos de suporte. A primeira reprodução sonora de cada material será documentada e digitalizada, por imaginarmos a hipótese de que, para uma segunda tentativa, o material já possa ter se deteriorado. A fontes primárias serão meticulosamente conservadas.<br>
<br><br><b>AGRADECIMENTO</b><br><br>Fico muito grato à ARSC que me concede o prêmio. Ele tem especial valor simbólico, porque, segundo a instituição, é o primeiro prêmio internacional que concedem: o prêmio tem sido, ao longo dos anos, destinado exclusivamente a projetos norte-americanos. O meu projeto foi apresentado algumas vezes à Petrobras e ao Fundo de Apoio à Cultura do DF. Infelizmente essas instituições não foram sensíveis e não concederam o apoio. Só recentemente eu soube da existência da ARSC (<i>Association for Recorded Sound Collections</i>). Sou grato ao Prof. Carlos Palombini, da UFMG, pois tomei conhecimento da existência da ARSC e dos apoios por ela oferecidos, por meio de mensagens enviadas pelo Prof. Palombini à lista de discussão da Anppom.</div>
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