<div dir="ltr"><div style="font-family:arial,helvetica,sans-serif" class="gmail_default">Amanda Cavalcanti, "O que aprendemos com o DJ set do Vladimir Safatle?", Thump (o canal de música eletrônica e cultura da Vice, 30 ago. 2016.<br><p>Dizem que aquela frase "Sem música, a vida seria um erro" é do
Nietzsche, né? É uma das declarações do longo e intenso relacionamento
entre música e filosofia. Desde Pitágoras, que tentava sacar a relação
entre música e matemática — surgindo com alguns dos primeiros estudos
sobre séries harmônicas — à experimentação eletroacústica do John Cage.</p><p>Eis
que, ainda assim, eu fiquei surpresa quando vi que o DJ de uma festa
pós-evento de psicanálise na Biblioteca Mário de Andrade, no centro de
São Paulo, seria ninguém menos que Vladimir Safatle. Ele já não atende
às minhas expectativas de estereótipo de filósofo por não ter uma barba —
ou no mínimo um bigode maneiro, que nem o Nietzsche —, mas será que ele
tinha realmente a moral de empolgar uma galera numa festa, ao invés de
contemplar o sentido da vida?</p><p>A real é que, como sabemos, o próprio Safatle curte escrever sobre
música e cultura num geral, e, descobri depois, teve até uma banda
quando adolescente, em Goiânia: o grupo Departamento, que se <a href="https://www.youtube.com/watch?v=NRijNFPFjuo" target="_blank">descreve no YouTube</a>
como "industrial/goth/house", mas que eu achei mais pra um pós-punk
chinfrim. O Safatlinho, na época com 15 anos, é creditado por tocar
synth na banda.</p><p>Eu queria poder dizer aqui que eu fui nesse rolê
com o coração aberto, mas a real é que eu tava meio desconfiada do que
ia sair dali. Eu e o Vinícius Gomes, fotógrafo que registrou essa
empreitada, chegamos lá pelas 1h30 da manhã, meia hora antes do DJ
Wesley Safatlão (esse apelido surgiu em algum comentário no Facebook e
resolvi adotar) entrar pra fazer seu set. A festa tava esquisita, a
grande maioria da galera tava na calçada da biblioteca — dentro do
saguão, onde o som já tava rolando nas mãos da DJ Reggie Moraes, tinha
só uns vinte gatos pingados.</p>Sabe aqueles memes de <a target="_blank" href="https://www.youtube.com/watch?v=zjFvrZynYaw">"white people dancing"</a>?
O negócio tava mais ou menos assim. Tinha uma galera meio constrangida e
outros que tavam até tentando animar mas não conseguiam empolgação
suficiente. O som da Reggie eram os hits dos anos 80 mais óbvios
possíveis, tipo "Bizarre Love Triangle" do New Order e "Just Can't Get
Enough", do Depeche Mode. Desde o início deu pra notar que aquela festa
foi planejada porcamente: o saguão da Mário de Andrade tem o teto muito
alto, que acompanha a escada em espiral até o terceiro andar da
biblioteca, onde fica o auditório. O resultado era que a acústica do
lugar era péssima — nem as músicas que eu gostava eu conseguia
reconhecer de primeira.<br><br>Foi uma meia hora de vergonha alheia até a estrela da noite finalmente
dar as caras. Na verdade, eu só o vi quando uma amiga apontou: ele
passou sorrateiramente pelo meio da galera bem darks, todo de preto, e
sentou na cadeira em que passou a noite toda. Fui ficar mais perto e
descobri, feliz, que ficar ali do lado da caixa tornava o som um pouco
menos pior. Chuto que devem ter se acumulado umas 200 pessoas ali no
saguão. A essa altura, já tinha colado uma galera bem maior pra assistir
ao set.<br><br>Quando eu digo assistir, é assistir mesmo. A galera até deu uma
empolgada na dança quando o Safatle começou a tocar uns house obscuros
que eu não consegui identificar, mas ficou meio óbvio que tava todo
mundo mais interessado em VÊ-LO tocando — vide os flashes que estouravam
de 5 em 5 segundos na cara do coitado e até alguns momentos de tietagem
da galera desconstruída que tava por lá, que ia puxar um assunto. Não
cheguei a ouvir as conversas, mas parecia que ele não tava no melhor dos
humores: quando o Vinícius perguntou se podia tirar foto dele, ele
balbuciou um "tô trabalhando!" e colocou a mão na testa pra cobrir o
rosto. (Mas achei legal, ficou parecendo que ele tava psicografando o
set).<br><br>Apesar de ter começado bom, o set deu uma desandada. De repente, o nosso
filósofo-DJ tava tocando Smiths, misturando com salsa e trocando
totalmente a batida e a vibe de uma música pra outra. Pra alguém que
declarou o <a target="_blank" href="http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/235828-o-fim-da-musica.shtml">fim da música</a>
em 2015, ele parecia ter certa dificuldade com o negócio. Mas teve um
ponto alto: num momento de empolgação, o Safatle deu um tapa na mesa e
desencaixou o pen drive que tava usando pra tocar, fazendo o som parar
por um segundo e geral segurar a respiração. Maravilhoso.<br><br>Uma hora e pouco depois do início do seu set, o Vlad saiu tão
sorrateiramente quanto tinha entrado; tanto que eu nem percebi pra onde
ele foi pra tentar correr atrás e bater um papo sobre Lacan para salvar a
noite. Tampouco ele vazou, reparei que a horda tinha vazado junto:
tirando uma galera que parecia excepcionalmente animada e continuou
dançando ao set da DJ Reggie, que voltou ao controle do som, geral
voltou pra calçada. Decidi que era o momento de ir, também.<br><br>Saindo, ouvi alguns palpites sobre o set: Ele segurou a pista. Ele
mandou mal pra caralho. Ele sabia o que tava fazendo. No fim, acho que
fiquei feliz de alguém não ter achado a situação tão constrangedora
quanto eu. A moral da história é que, quando você junta duas ocupações
pretensiosas em uma só situação, a coisa tem tudo pra ser embaraçosa. (E
eu falo isso do meu papel de jornalista escrevendo sobre um filósofo em
uma noite de DJ). Fica pra próxima, Vlad.<br><br>Com fotos em: <a href="http://thump.vice.com/pt_br/article/dj-vladimir-safatle">http://thump.vice.com/pt_br/article/dj-vladimir-safatle</a><br clear="all"></div><br>-- <br><div class="gmail_signature"><div dir="ltr"><div><div dir="ltr"><div><div dir="ltr"><div><div dir="ltr"><div><div dir="ltr"><div>carlos palombini, ph.d. (dunelm)<br>professor de musicologia ufmg<br>professor colaborador ppgm-unirio<br><a target="_blank" href="http://www.proibidao.org">www.proibidao.org</a><br><a target="_blank" href="http://goo.gl/KMV98I">ufmg.academia.edu/CarlosPalombini</a><br></div><div><a target="_blank" href="http://www.researchgate.net/profile/Carlos_Palombini2">www.researchgate.net/profile/Carlos_Palombini2</a><br><a target="_blank" href="http://scholar.google.com.br/citations?user=YLmXN7AAAAAJ">scholar.google.com.br/citations?user=YLmXN7AAAAAJ</a><br></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div></div>
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