[Anppom-l] Re: musicologia e etnomusicologia

Carlos Palombini palombini em terra.com.br
Ter Maio 17 21:55:26 BRT 2005


Olá, Carlos e demais [...]ólogos

> Creio que perdi uma mensagem, pois não entendi esta história de "exemplo e
> equívoco".

A mensagem à qual vc responde era uma resposta mal-humorada à mensagem 
de José Augusto, na qual este se/nos perguntava se um departamento "de 
musicologia *e* etnomusicologia", como o da Faculdade de Música em 
Belgrado, seria "um exemplo ou um equívoco".

> Em todo caso, acho esta discussão sobre etnomusicologia e musicologia muito
> interessante. Uma curiosidade inicial: há alguém nesta lista que se defina
> predominantemente como "musicólogo"? (digo predominantemente partindo da
> idéia de que identidades, inclusive profissionais, nos dias de hoje muitas
> vezes são plurais. Eu próprio dependendo do contexto me defino às vezes como
> compositor, e até como musicólogo, mas a identidade profissional
> predominante é etnomusicólogo).

Eu gosto de me definir assim (como musicólogo)quando preciso escolher 
uma identidade profissional aceitável, embora, francamente, hoje em dia 
me veja mais como ator no papel de professor. A gama de temas e 
abordagens possíveis, sob o rótulo musicologia, é imensa, e a prática de 
alguns destes temas e abordagens não só me dá prazer como me faz 
sentir-me útil, o que me leva a crer que haja alguma verdade aí.

> <aquilo que já foi sugerido aqui, que a etnomusicologia, no Brasil, se possa
> permitir dispensar-se da auto-crítica>
> 
> Quem é que sugeriu isso? Também perdi esta parte.

O mau humor de minha mensagem devia-se menos à mensagem de José Augusto 
do que ao fato de ser início de noite de domingo e eu me ver na 
contingência de preparar uma aula sobre classicismo para segunda-feira 
pela manhã, ou melhor, de ensaiar minha apresentação do farto material 
multimídia preparado por meu monitor. Sobretudo, meu mau humor derivava 
das premissas de uma mensagem mais antiga, que eu me propusera ignorar, 
mas que a revolta daquele domingo, combinada com a mensagem de José 
Augusto não puderam deixar irrespondida. Ela dizia, entre outras coisas, 
o seguinte:

"Sim, eu também percebo um movimento de renovação conceitual, quando 
leio um trabalho como "Heartland Excursions", em que B. Nettl revela os 
rituais das escolas de música erudita no interior dos EUA...e aí entra 
num território pouco explorado...mas acho que por aqui o momento é 
outro, é de constituição e afirmação de um campo (a etnomusicologia), 
cuja demanda e interesse por parte dos nossos alunos é enorme!"

> <Equaciona-se freqüentemente musiologia com musicologia histórica, o que
> permite facilmente a alguns etnomusicólogos afirmarem-se como detentores
> exclusivos do apanágio do discurso crítico. >
> 
> Você tem toda razão. Aliás, você foi quem primeiro me alertou para a
> existência de uma "Nova Musicologia" ou "Musicologia Crítica" , quando andou
> por Recife em 1998/99. Mas desde antes disso eu já poderia ter evitado dizer
> que "a etnomusicologia se distingue da musicologia por estudar a música como
> cultura" - se tivesse sido mais atento para algo já escrito por nosso
> querido John Blacking nos anos 70: também já fizeram isto Paul Henry Lang em
> Music in Western Civilization e outros (How musical is man?, p.56-7).
> Entretanto, creio que a ênfase no trabalho de campo permite ainda distinguir
> do ponto de vista teórico as duas áreas.

Sim, eu me dei conta de que possivelmente me houvesse equivocado ao 
falar em referenciais teóricos e metodológicos distintos num tempo --- 
e, sobretudo, num lugar --- de bricolagens teóricas e metodológicas. 
Sejamos mais concretos, como no "Epílogo" de Bohlman a Comparative 
Musicology and Anthropology of Music: estnomusicólogos escrevem 
(musicólogos também); estnomusicólogos vão para lugares (musicólogos menos).

> <Que este discurso freqüentemente se manifeste em trajes de
> anti-americanismo é demonstração inequívoca de seu conteúdo acrítico.>
> 
> Ou eu realmente perdi muitas mensagens ou você está falando de algo que não
> apareceu nesta lista. Seja como for, não me parece que anti-americanismo
> seja uma tônica da etnomusicologia brasileira, longe disso.

Não tenho mais esta mensagem, mas creio me lembrar de uma que terminava 
conclamando à prática da etnomusicologia como forma de resistência ao 
imperialismo americano. Certamente não será esta uma tônica da 
etnomusicologia brasileira. E peço-lhe desculpas pela metonímia pouco 
gentil que preside toda a minha retórica: tomar, da Etnomusicologia, a 
pior parte pelo todo. De modo algum o incluo aqui, como não incluo a 
tantos outros colegas aos quais minha mensagem terá, possivelmente, 
irritado, e aos quais extendo meu pedido de desculpas.

> <Quanto à etnomusicologia, ela tem o etnocentrismo firmemente engastado em
> seu próprio nome. Na melhor das hipóteses, ela sabe disto.>
> 
> Quanto ao nome, você tem razão. Quanto ao "na melhor das hipóteses", acho um
> pouco injusto, pois creio que em média os etnomusicólogos sabem disso.

Sim, todos nós precisamos saber disso, e eu tanto quanto os piores 
etnomusicólogos. Como disse Barthes, provavelmente remetendo-se a Lacan, 
não existe extraterritorialidade para o sujeito, e toda a ciência 
necessita tomar conhecimeno do lugar de onde fala.

> Não vejo nenhum problema em ter etnocentrismo no nome, posto que ele está
> presente em nossa história, conceitos e práticas institucionais (e isto vale
> para etnomusicologia, musicologia e para a instituição acadêmica em geral).
> O problema do etnocentrismo não é tê-lo por perto, é como a gente lida com
> ele. O prefixo etno, hoje em dia, não exclui do campo de estudo nenhum grupo
> humano nem nenhuma prática musical. Ele ajuda a colocar alguma ênfase na
> metodologia do trabalho de campo.

Que a etnomusicologia não se tenha sentido obrigada a desfazer-se do 
prefixo é, sem dúvida, uma prova de sua saúde.
> 
> O nome da nossa disciplina é hoje, no Brasil e no mundo, "Etnomusicologia".
> (Quero dizer, do ponto de vista prático: o nome das associações, dos
> congressos e das revistas da área). Porque fazer diferente logo na tabela do
> CNPq, que não está aí para fazer diferente, mas para registrar algo que seja
> adequado, o mais adequado possível, à prática da área? E a prática da nossa
> área mostra, a meu ver, que a Etnomusicologia precisa estar representada
> independentemente como sub-área de Música na tabela do CNPq.

Concordo inteiramente com você, como tendo a concordar que musicologia 
histórica, teoria da música, análise e outras musicologias talvez não 
tenham ainda força para se desmembrarem do tronco musicológico. Mas 
posso estar errado.

Obrigado pela escuta compreensiva.

Um abraço,
Carlos



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