[ANPPOM-L] o postscriptum
Manuel Veiga
mveiga em ufba.br
Qui Nov 3 23:24:35 BRST 2005
Caro Palombini:
Agradeço-lhe imensamente a correção mas, como musicólogo, devo curvar-me a fatos. A versão da tabela de Guido Adler, de 1855, o "Umfang, Methode und Ziel der Musikwissenschaft" ["Objeto, Método e Meta da Musicologia"] usa dois termos distintos para o nosso "Musicologia". O termo Musikwissenschaft [Ciência Musical] é o que encima o edifício geral que propõe, e o que corresponde ao nosso termo Musicologia. A palavra Musicologie (sic) que aparentemente não vingou, é o item D da sessão II, "Systematisch" do quadro proposto (em oposição à sessão I, "Historisch"). Pela descrição que recebe, "investigação e estudo comparativo para fins etnográficos" ["Untersuchung und Vergleichung zu ethnographischen Zwecken"], veio a ser a vergleichende Musikwissenschaft, isto é, a Musicologia Comparativa, ocupada com música não-européia e folclore, que precedeu a Etnomusicologia. Em suma a Musicologie do II.D é a subdivisão, não a Musikwissenschaft que circunscreve o campo inteiro. O fato de usarmos traduções e palavras parecidas causa confusão, mas não tanta que tivesse induzido o mestre da Nova Musicologia, Joseph Kerman, cometer o mesmo "erro" primário que eu, pois é quem afirma: " ´Musicology´ is a coinage that is recent enough -- the OED [Oxford English Dictionary] dates it to 1919, even though The Musical Quarterly commenced publication with a famous leader ´On Behalf of Musicology´ in 1915...". A citação se encontra nas duas edições da mesma obra, com diferentes títulos: Musicology, 1985, p. 11 e Contemplating Music: Challenges to Musicology, 1985, p. 11. Desculpem, erramos a página no trecho em apreço do " Post-Scriptum": não é p. 12, como ali consta.
Quanto às afirmações sobre a amplitude atual da Teoria da Música, vejam os que se interessarem, o que diz Calude V. Palisca, "Theory, theorists", in The New Grove, vol.18, pp. 741-762. A discussão está na primeira página. Acredito que a 2ª ed. do New Grove mantenha a mesma restrição. Não pude consultá-la.
Mantenho contato com a UCLA , minha alma mater, a qual visito não tão freqüentemente como gostaria, mas com bastante assiduidade. Não sei o que a variedade de tópicos de diversas disciplinas tenha a ver com o nosso assunto. Aliás, a UCLA sempre procurou oferecer assuntos de interesse, particularmente para a leva de estudantes de graduação de outros cursos que os procuram.
Por fim, citando Christensen, presidente da Sociedade de Teoria Musical (SMT), o Dr. Palombini parece reconhecer que Teoria da Música merece ter seu lugar ao sol.
Saudações,
Manuel Veiga
----- Original Message -----
From: "Carlos Palombini" <palombini em terra.com.br>
To: <anppom-l em iar.unicamp.br>
Sent: Thursday, November 03, 2005 5:33 PM
Subject: [ANPPOM-L] o postscriptum
>
> Em relação ao "postscriptum para a carta de Salvador", e em particular à
> afirmação:
>
> "O equívoco maior ocorre com a exclusão de Teoria da Música e sua
> inclusão no bojo das Musicologias, na proposta da ANPPOM. Têm pouco em
> comum. Teoria da Música, milenar, é entendida hoje predominantemente
> como o estudo da estrutura de música e de como esta estrutura funciona.
> Seus aspectos principais são relacionados à Teoria Composicional e à
> Teoria Analítica. Já as Musicologias, termo recente, cunhado em torno de
> 1919, correspondem às ciências musicais (Musikwiesenschaft) [sic] e têm
> hoje um sentido muito mais restrito tratando essencialmente do factual,
> do documentado, do verificável, do analisável e positivístico (Cf. J.
> Kerman, 1985:12).
>
> Ela contém equívocos facilmente constatáveis. O termo Musicologia é bem
> mais antigo, aparecendo na famosa tabela de Adler em 1885, como o sabe
> muito bem Norton Dudeque, da UFPR, que a traduziu e publicou. No Oxford,
> ele aparece desde 1909. É sintomático que a situação "atual" da
> musicologia seja descrita aqui com referência a um texto de 20 anos
> atrás. Para quem tiver dúvidas, basta dar uma olhada na lista de
> disciplinas constantes do departamento de musicologia da UCLA hoje
> (<www.humnet.ucla.edu/humnet/musicology/undergrad/undergrad_program.html>,
> e notem que se trata de um programa de graduação):
>
> "History of Rock and Roll, The Beatles, Film Music, American Popular
> Song, History of Opera, The Symphony, Bach, Mozart, Beethoven, History
> of Jazz, American Musicals, Electronic Dance Music, Music & Gender, and
> Gay & Lesbian Popular Music."
>
> Tampouco a Teoria de Música "é entendida hoje predominantemente como o
> estudo da estrutura de música e de como esta estrutura funciona," como
> deve ter ficado claro para todos aqueles que assistiram à apresentação
> de Thomas Christensen, presidente da Sociedade de Teoria da Música (SMT)
> de 1999 a 2001, na Anppom 2005. O "estudo da estrutura de música e de
> como esta estrutura funciona" é tarefa da análise musical ("that part of
> the study of music that takes as its starting-point the music itself,
> rather than external factors"), mas a análise musical não constitui a
> totalidade do campo teórico da música. Justamente, uma das tarefas da
> teoria da música, tem sido desmontar esta crença anacrônica (cf. Kant)
> na "música em si". De modo semelhante, a melhor musicologia hoje, a mais
> radical, está ciente da inexistência do "factual" (cf. Nietzsche).
>
> O que o postscriptum apresenta como "o hoje", se apresentaria melhor
> como "o anteontem".
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