[ANPPOM-L] música popular e música folclórica

Hugo Ribeiro hugolribeiro em yahoo.com.br
Sáb Dez 23 14:01:12 BRST 2006


Prezada Sandra, desculpe-me, mas não pude me conter.

Apesar de afirmar que a Universidade é um território neutro, você não
parece ser nem um pouco neutra. E na bem da verdade, não somos nem
podemos ser neutros. Classificar músicas como de "valor autêntico" e
outras de "péssima qualidade" é muito perigoso, e por mais controversa
que essa discussão tenha chegado, ninguém ainda tinha se atrevido a
afirmar tão categoricamente uma visão tão preconceituosa.

Sua visão de música folclórica e popular já não mais reflete a realidade
que as recentes pesquisas etnomusicológicas brasileiras (ou no Brasil,
se assim preferirem) refletem. Na minha dissertação de mestrado sobre as
Taieiras de Sergipe (disponível em
http://www.hugoribeiro.com.br/downloads_textos_hugo_01.html), por
exemplo, eu demonstro a fragilidade dessa noção de anonimidade, bem
coletivo, e preservação ingênua. Atualmente, os grupos tradicionais já
estão "calejados" com os folcloristas das décadas de cinquenta e
sessenta, assim como com os festejos culturais, de interesses puramente
turísticos, que se utilizam de uma dita tradição para credibilizar sua
festa, e deturpam toda a ideologia que havia nas práticas culturais
locais. Aceitar que as tradições mudem é uma coisa, aceitar que agentes
inescrupulosos interfiram nas práticas populares para terem benefícios
próprios é outra.

Voltando à neutralidade da Universidade, cito um dos mais interessantes
e provocadores filósofos da educação no Brasil. Em seu breve "Conversas
com quem gosta de ensinar", Rubem Alves diz:

"Todo pensamento sai do nosso ventre, como o fio da teia. Cada teoria é
um acessório da biografia, cada ciência um braço do interesse. Pelo
menos tenho em Gunnar Myrdal um companheiro: 'ciência social
desinteressada nunca existiu, e por razões lógicas, nunca pode existir"
(Objectivity in social research, Nova York, Pantheon books, 1969, p.
55). E também Alvin Gouldner, que diz candidamente que "Cada teoria
social é também uma teoria que expressa e coordena as experiências
pessoais dos indivíduos que a propõem. Muito do esforço do homem para
conhecer o mundo ao seu redor resulta de um desejo de conhecer coisas
que lhe são pessoalmente importantes (Alvin Gouldner, The coming crisis
of western sociology, Nova York, Avon Books, 1971)." (Rubem Alves,
Conversas com quem gosta de ensinar, Campinas, São Paulo, Papirus, 2000,
p. 42)

E segue mais adiante:

"Se cada teoria social é uma teoria pessoal, falar no impessoal, sem
sujeito, não passa de uma consumada mentira, um passe de mágica que
procura fazer o perplexo leitor acreditar que não foi alguém muito
concreto que escreveu o texto, mas antes um sujeito universal, que
contempla a realidade de fora dela. (...) Este assunto exigiria uma
outra conversa. Por ora, para os meus propósitos, basta reconhecer que,
empiracamente, o tal sujeito portador de uma subjetividade livre de
valores nunca foi encontrado".

Assumindo minha posição pós-moderna, não acredito em verdades
desinteressadas, nem de posicionamentos neutros. Muito menos de uma
universidade neutra. E olhe que, minha ideologia etnomusicológica pede
que eu seja neutro. Mas sei que é impossível. Minhas impressões pessoais
transpiram nos meus textos, nas minhas aulas, assim como toda impureza
sai pelos poros da minha pele, sem que eu nada possa fazer a respeito.

A universidade pode sim, ajudar a transpor nossos preconceitos e nossas
visões estreitas sobre o que música seja, e porque ela existe. Merriam
há muito já havia identificado diversos usos e funções da música. Dessa
forma, comparar um funk carioca com um Tom Jobim é um absurdo. Cada qual
tem seus usos e funções específicos. E não cabe a mim dizer que tal
música deva ser cultivada, enquanto que outra deseduca e embrutece o ser
humano. Platão já morreu faz milênios, e infelizmente sua teoria sobre a
influência da música no ethos ainda persiste.

Viva a pluralidade.

Hugo Ribeiro
www.hugoribeiro.com.br
Doutorando em Etnomusicologia no
Programa de Pós-Graduação em Música
UFBA




Sandra Reis escreveu:
>
> Prezados colegas, deixo aqui a minha modesta opinião, para colaborar 
> com este debate que considero muito importante.
>
> A *música folclórica *é aquela *música popular anônima *que foi 
> incorporada à tradição, espontaneamente, como um *bem coletivo*. O 
> povo se identificou com ela e a sua propagação passa de geração para 
> geração num processo natural e prazeroso.
>
> A *música popular simplesmente dita *é aquela que, por sua 
> acessibilidade, cai no agrado do povo, graças à difusão comercial 
> e tem autor conhecido, com direitos respeitados. Se ela está  fazendo 
> sucesso em virtude de um *valor musical autêntico *(como é o caso dos 
> grandes mestres da música popuilar brasileira como Tom Jobim, Chico, 
> Caetano, Dorival Caimi, Ary Barroso, etc), podemos vê-la  como um 
> processo natural e extremamente salutar que deve ser estudado, 
> respeitado e cultivado.
>
> *Se é de péssima qualidade*, se deseduca e embrutece o ser humano  e 
> mesmo assim, está tendo uma divulgação em massa, condicionando, 
> negativamente,  a infância e a juventude, também deve ser  estudada e 
> criticada cientificamente, ou seja, através da discussão : /por que 
> ela está fazendo tanto sucesso e atingindo o povo apesar de sua 
> péssima qualidade? O que está acontecendo e o que deve ser feito?  /
>
> O lugar certo para este debate e esta crítica é a Universidade que é 
> um território neutro, onde há pessoas esclarecidas e 
> estudiosas, dedicadas à causa da Educação no seu sentido mais elevado.
>
> Esta é minha opinião. 
>
> Um abraço,
>
> Sandra Loureiro de Freitas Reis
>
>     ------------------------------------------------------------------------
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