[ANPPOM-L] STF e OMB - uma questão ridícula

André Fadel andrefadel em gmail.com
Qui Ago 11 12:43:27 BRT 2011


*Uma questão ridícula*



Um dos grandes males dos dias hoje é haver tantas pessoas que levam música a
sério. E olha que muitos me tomam como “músico sério”. Isto tudo é uma
grande bobagem. Independe de eu fazer da música o meu ganha-pão ou não. Tem
a ver com o entendimento do que música representa para as sociedades. Ou
para cada um de nós.

Se alguém acha que a má execução de música oferece risco, desculpe-me, mas
então somos baratas sobrevivendo à hecatombe nuclear midiática, com bombas
de hidrogênio que já explodiram do calibre de “sertanejo universitário”,
“leidi gagas”, “bítous” e outras *coisitas más*.

(Parêntese: adoro Scriabin. Adoro Schoenberg. Adoro rock progressivo, Bach,
Messiaen. Adoro algumas coisas da MPB. Até mesmo do paupérrimo Beatles eu
escuto uma coisa ou outra. E daí? Daí que eu não me importo com os gostos de
mais ninguém, e muitos deveriam fazer o mesmo.)

Não me importo se no barzinho ali embaixo estão tocando Iutchú, exceto se o
volume estiver me incomodando. Não me importo se a articulação que o
cravista faz numa Partita de Bach é “errada”, “historicamente acurada” ou
virada do avesso. Se me agradou, tentarei expor meus argumentos para
conseguir entender aquilo que me agradou - e farei o mesmo se não me
agradou. É claro que para isso a gente precisa de estudo, leitura,
conhecimento e vivência. Mas só farei esse esforço se eu *estiver realmente
a fim*, porque música não é objeto científico. Música é para se curtir.

Eu me importo com a dimensão ridícula que algumas discussões podem alcançar.

Mesmo quanto àquela música que foi feita para NÃO se curtir, o fato de ela
ter sido criada já significa que alguém se divertiu com a ideia. Música está
relacionada com o *prazer*, seja por criá-la, tocá-la, ouvi-la e, para
aqueles que *estiverem a fim*, analisá-la e dissecá-la como se fosse um sapo
(com a diferença que, dissecando um sapo a gente aprende biologia e a fazer
ciência de verdade. Análise musical nunca vai levar à descoberta de uma
vacina).

A pergunta que todos deveriam se fazer é: *o que a música representa na
minha vida? Por que ela é importante pra mim, especificamente?*

Há uma grande diferença em refletir sobre isto e querer imputar uma
importância que na maioria das vezes inexiste para o vizinho. Eu e 99,9% das
pessoas não estamos nem aí para as análises subjetivas de obras
desconhecidas de compostores obscuros e que, muitas vezes, são horrorosas
(para mim!). Eu sei também que quase ninguém se importa com a obra de
Scriabin, mas eu me importo, e não estou nem aí se outros nem ouviram falar.
Vou continuar tocando, estudando e divulgando sua obra com o mesmo *prazer*,
mesmo que haja uma hecatombe de verdade e eu fique sozinho no mundo.

Isto faz de nós uma tribo com infinitas confrarias e precisamos saber
conviver uns com os outros. Não significa que devemos ficar metendo o dedo
no nariz alheio.

Quando eu era adolescente, eu me perguntava como é que meus amigos não
conheciam Bach? Como é que eles não se emocionavam com uma sonata de
Beethoven? Eu ainda acreditava que a música era uma linguagem universal – o
que também é uma enorme bobagem.

*Mas que diabo isto tudo tem a ver com a decisão do STF*?

Ora, os Ministros simplesmente conseguiram discernir a natureza da música
com a natureza de outros campos do conhecimento. Querer policiar a execução
profissional de algo que se faz para se curtir é a mesma coisa que querer
criar uma Ordem dos Aeromodelistas, ou uma Ordem dos Passeadores de
Cachorros. Criar “delegacias” para tutelar se um violonista de bar está
“autorizado” a exercer sua profissão ali é o cúmulo do ridículo.

O mesmo não acontece com o Conselho de Medicina. Experimente levar sua
mulher a um obstetra incompetente para ver o que acontece.

Músicos, não se levem tanto a sério, por favor.



André Fadel

Pianista e compositor
















2011/8/8 SBME . <sbme em sbme.com.br>

> Colegas:
>
> Vejo que existe um intenso movimento de colegas em difundir a notícia sobre
> a decisão do STF.
> Mas não vejo qualquer iniciativa em incentivar a discussão sobre a questão.
>
> Vejo com muita preocupação os argumentos usados pelo ministros para decidir
> o que decidiram.
> Refiro-me aos argumentos, e não à decisão.
>
> Ellen Gracie alegou que  o registro em entidades só pode ser exigido quando
> o exercício da profissão sem controle representa um "risco social", "como no
> caso de médicos, engenheiros ou advogados".
> Isso é verdade?
> O mau exercício da profissão de músico intérprete não representa risco
> social?
> Imagine um grupo social ouvindo a execução de uma obra contemporânea, nada
> conhecida, ou conhecida apenas de outro grupo social, mal tocada, cheia de
> desafinações, erros, saltos, etc. Nessas circunstâncias o público, sem
> perceber se estava tudo certo ou errado, recebe aquela execução como se ela
> representasse a realização fiel da partitura.
> Nesse caso, o mau músico intérprete, realizador da performance cheia de
> erros, não estaria provocando consequências desastrosas para a sociedade?
>
> O ministro Carlos Ayres Britto disse que não seria possível exigir esse
> registro pois a música é uma arte.
> O ministro Ricardo Lewandowski, por sua vez, chegou a dizer que seria o
> mesmo que exigir que os poetas fossem vinculados a uma Ordem Nacional da
> Poesia para que pudessem escrever.
>
> Mas, dentre as artes, a Música é a única que se utiliza do Triângulo da
> Comunicação para chegar ao público.
> O pintor, o poeta, o cineasta, o escultor, colocam suas criações artísticas
> diretamente no suporte, e o público tem acesso à fruição da arte
> contemplando o suporte diretamente.
> A música instrumental não vive esse processo simples. O compositor coloca
> sua criação num suporte, a partitura, plena de signos representativos, que
> deverão ser decodificados por músicos instrumentistas. Essa decodificação
> exige profundo conhecimento técnico.
>
> À salutar discussão!!!
> Abraços,
> Jorge Antunes
>
>
>
>
>
> Em 1 de agosto de 2011 19:49, Rogerio Budasz <rogeriobudasz em yahoo.com>escreveu:
>
>>    Matéria da Folha de hoje <
>> http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/952808-musico-nao-precisa-de-registro-para-exercer-profissao-decide-stf.shtml
>> >
>> ==================================================
>>
>> Músico não precisa de registro para exercer profissão, decide STF
>>
>> FELIPE SELIGMAN
>> DE BRASÍLIA
>>
>> Por unanimidade, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta
>> segunda-feira (1º) que o músico não precisa ter registro em entidade de
>> classe para exercer sua profissão.
>>
>> Os ministros julgaram o caso de um músico de Santa Catarina que foi à
>> Justiça ao alegar que, em seu Estado, ele só poderia atuar profissionalmente
>> se fosse vinculado à Ordem de Músicos do Brasil.
>>
>> Em diversos locais do Brasil, músicos são obrigados a apresentar documento
>> de músico profissional -- a "carteirinha de músico" -- para poder se
>> apresentar.
>>
>> A decisão vale apenas para o caso específico, mas ficou decidido que os
>> ministros poderão decidir sozinhos pedidos semelhantes que chegarem ao
>> tribunal. Ou seja, se o registro continuar a ser cobrado, será revertido
>> quando chegar no tribunal.
>>
>> Para a ministra Ellen Gracie, relatora da ação, o registro em entidades só
>> pode ser exigido quando o exercício da profissão sem controle representa um
>> "risco social", "como no caso de médicos, engenheiros ou advogados",
>> afirmou.
>>
>> O colega Carlos Ayres Britto disse que não seria possível exigir esse
>> registro pois a música é uma arte. Ricardo Lewandowski, por sua vez, chegou
>> a dizer que seria o mesmo que exigir que os poetas fossem vinculados a uma
>> Ordem Nacional da Poesia para que pudessem escrever.
>>
>> Já o ministro Gilmar Mendes lembrou da decisão do próprio tribunal que
>> julgou inconstitucional a necessidade de diploma para os jornalistas, por
>> entender que tal exigência feria o princípio da liberdade de expressão.
>>
>> ________________________________________________
>> Lista de discussões ANPPOM
>> http://iar.unicamp.br/mailman/listinfo/anppom-l
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