[ANPPOM-Lista] Bolsa CNPq de Doutorado no Exterior (GDE)

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Sex Dez 7 20:41:49 BRST 2012


Damián,

Tentando esclarecer o que eu falei: um parecer bem fundamentado dá
> suporte a um projeto bem fundamentado.
>

Sem dúvida, esse caso é fácil, mas tão raro quanto projetos bem
fundamentados (sinto dizê-lo, mas a realidade é essa). Muito mais
necessários são pareceres bem fundamentados para projetos mal
fundamentados. As próprias agências insistem nisso.


> > Outro fator  […] é o mérito dos projetos avaliados.
>
> Isso não fica claro nos pareceres emitidos pelas agências de fomento
> (por sinal, quem emite o parecer é o técnico encarregado da área e não
> os pesquisadores PQ. Pelo que consta nos editais, a agência se reserva
> o direito de recusar propostas com fundamento em fatores
> orçamentários, ou seja, em fatores que não têm relação com o mérito da
> proposta). Se a tua sugestão estiver correta, talvez o problema seja
> somente a transcrição do parecer ad hoc para o parecer do técnico.
>

Tanto quanto eu o entenda ou imagine, o processo é o seguinte. O CNPq
recebe os projetos e os avalia do ponto de vista formal. Essa avaliação,
suponho, só filtra erros gritantes. Digo isso porque já recebi projeto de
dois anos para edital de três, projeto de infra-estrutura para edital de
pesquisa etc, etc, etc. A seguir, um técnico define os consultores ad-hoc
que avaliarão a proposta. É, evidentemente, uma etapa crucial. A julgar
pelas propostas que me têm sido encaminhadas, os técnicos do CNPq são
dotados de discernimento e crescente finura. Os pareceres recebidos, o
representante da área os compara, pondera e encaminha para o comitê da
grande área, onde as prioridades são definidas. Daí, o processo sobe para
uma área técnica, que define: temos dinheiro para satisfazer a demanda
desse grupo até a prioridade n.


> > Já vi editoria de periódico creditada como organização de livro. Já vi
> texto de manual de vestibular inserido como capítulo de livro. Quem faz
> isso, se desmoraliza.
>
> Concordo. Os temas que discutimos aqui na lista em relação a
> classificação e critérios de avaliação da produção são recorrentes:
> - o sistema atual de aferição de impacto não reflete a realidade da nossa
> área
>

Em comparação com as áreas duras, estamos em desvantagem. Essa desvantagem
numérica é intrínseca. Mas o CNPq é claro em dizer que as metas e os
padrões de excelência da área são definidos por ela (e os da nossa, como
uma mensagem anterior de Fernando sugere, são complacentes). O problema da
relação entre ciência mole/dura não é exclusividade brasileira ou
disciplinar. Mas é evidente que a classificação de periódicos reflete a
discrepância entre padrões nacionais e internacionais (anglo-saxões,
sobretudo). Quem publique em bons periódicos de língua inglesa, ou
simplesmente em língua inglesa, está em posição vantajosa no quesito
citações. Tanto assim que os pesquisadores franceses têm sido instruídos a
publicar em língua inglesa (quem conheça o chauvinismo francês em matéria
de idioma será capaz de avaliar o peso da injunção). Há maneiras de inflar
citações. Mas citações infladas de pesquisa sem impacto são reconhecíveis
e, uma vez identificadas, desqualificam, se não a pesquisa, o proponente.
Quando você está inserido num campo de pesquisa, não são os indicadores que
fornecem a dimensão da relevância do trabalho de A, B, C ou D. A pergunta
de um pesquisador honesto não seria "de que maneira vou dar um jeito de
receber mais citações?", e sim, "de que modo meu trabalho se tornará mais
relevante para a comunidade X?", ou "de que modo ele se tornará passível de
publicação nos periódicos ou anais mais seletivos, que tendem a ser aqueles
que geram mais citações?", (porque constam das melhores bases, porque têm
um leitorado mais exigente, melhor informado, etc., etc., etc.) Não quero
dizer com isso que todos os periódicos estrangeiros sejam modelares, nem
que você deva se submeter a todas as suas exigências. Longe disso. Meus
dois primeiros artigos foram publicados pela Oxford e pela MIT Press. No
processo editorial, discuti com os editores e cheguei mesmo a insultá-los.
Nem por isso deixaram de ser publicados. No caso da Oxford, em troca do
insulto (injustificado e, portanto, seguido de um pedido de desculpas),
recebi um prêmio. É evidente que não temos produção para alimentar tantos
periódicos, não importa como a Capes os classifique. É bom, em certas
circunstâncias, submeter-se a desafios, e tentar veículos mais seletivos.
Por outro lado, "como posso contribuir para melhorar o nível das
publicações brasileiras?" também é uma boa pergunta. Seja como for, "como
posso fazer para ser mais citado?" me parece a pergunta errada.


> - os critérios de exclusão de propostas não são claros
>

Os consultores são instruídos a fundamentar seus pareceres, sobretudo no
caso de propostas denegadas. Somos instruídos também a verificar a
adequação da proposta aos termos do edital. Respondemos a questionários
bastante objetivos que variam de acordo com as linhas de financiamento.
Dentro de tais limites, é claro que diferentes consultores têm padrões,
concepções e critérios diferentes. Como já disse, minha experiência me diz
que os técnicos têm considerável sensibilidade ao identificar consultores
adequados à proposta x, y ou z. Eles solicitam dois pareceres. E o
representante da área tem o discernimento de julgar não apenas a relação
entre um parecer e outro, mas também a relação entre proponente e
consultor, e as possíveis anomalias resultantes. O parecer-padrão do CNPq
pode não ser estimulante para o autor de uma proposta denegada com base nas
determinações orçamentárias. A agência provavelmente considere que o autor
de um projeto aprovado pelo comitê da grande área em termos menos enfáticos
que os de outro, de uma área para a qual as a alocações sejam superiores (e
a demanda, maior, como a competição e, provavelmente, a qualidade) não
tenha interesse em saber das virtudes e dos defeitos encontrados. Talvez,
como você sugere, essas virtudes e esses defeitos não tenham sido
suficientemente observados para merecer comunicação. Os pareceres são
sigilosos, de modo que não sei o que disse meu colega X do projeto Y. De
todo o modo, sei que alguns de meus colegas são extremamente criteriosos.
De minha parte, posso lhe dizer que tenho um prazer enorme em aprovar bons
projetos e até mesmo projetos menos bons que revelem uma ou outra qualidade
raramente observada. Não há nada mais frustrante que gastar o próprio tempo
na justificativa da reprovação de um projeto que não atende ao edital, que
foi apressadamente requentado (às vezes, sem que o nome da agência à qual
foi anteriormente dirigido tenha sido sequer trocado), que não demonstre
qualquer preocupação com o estado da arte das discussões em torno do
problema, que não tenha sequer um problema de pesquisa, que não tenha mesmo
bibliografia, cuja bibliografia consista exclusivamente de publicações do
proponente, ou que tenha a recomendá-lo as hipérboles estereotipadas com as
quais o autor descreve seu próprio trabalho. Acredite, essas propostas são
numerosas. Por isso, Fernando tem razão em pedir que o maior número
possível de pessoas submeta projetos. E que argumentos em prol de um
aumento de alocações orçamentárias sejam dificilmente sustentáveis com
alguma integridade.


> - os grupos mais atingidos são os que não têm a opção de pedir apoio
> para agências estaduais
>

É fato, mas são favorecidos, no CNPq, pelas cotas para regiões em
desenvolvimento.

Abraço,
Carlos
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