[ANPPOM-Lista] Produtivismo acadêmico está acabando com a saúde dos docentes‏

Carlos Eduardo Ramos kabrain em hotmail.com
Qua Jan 25 10:37:09 BRST 2012




Venho acompanhando essa discussão
com muito interesse, pois é tema que atravessa nossas vidas, futuros, planos,
cotidianos, espaços, tempo...


Quero contribuir com a colocação do
Luciano: “os músicos não lêem os trabalhos uns dos outros”. Concordo, constato
na realidade e faço 
minhas interpretações. É realmente raríssimo “haver
disciplinas que incitam o músico a buscar informações que lhe interessam”, tal
como o 
Daniel escreve. Mas para além disso, parece raro também professores que
saibam ensinar o aluno a buscar as informações que lhe interessam.


Entrei na graduação em Música
depois de uma graduação em Psicologia, e nessa última, vinha engrenado num
ritmo de pesquisa que muito me 
satisfazia, que me atiçava a curiosidade e a
vontade de investigar. Lá, minimamente aprendi a buscar e construir criticamente
o conhecimento. 
Participei de grupos de pesquisa, de centros de pesquisa com
reuniões ordinárias, lendo trabalhos de pesquisadores de todos os ‘calibres’,
lendo 
desde projetos de pesquisa de colegas da graduação à teses de doutorado,
passando por relatórios de investigações ainda em andamento, artigos 
de
mestrandos e de grandes pesquisadores de reconhecimento e inserção
internacional, enfim: havia o hábito da produção, da comunicação, do 
questionamento, e mais, isso é que era satisfatório e desejável! Perdoem se
parece prolixo, pois essa descrição deve parecer óbvia para quem 
está
acostumado com isso. Mas esse não me parece ser o cenário real da maioria dos
cursos de graduação em música aqui no Brasil.


Na música me deparei com um muro!
Nenhuma dessas práticas, nada além das aulas em formato expositivo e na maioria
das vezes a-crítico! 
Quando muito, por ser música, se tratavam de aulas
estritamente práticas. Mas o exercício de leitura de textos, reflexão e
discussão foram muito 
escassos. Tive que me recompor e me conformar: não havia
espaço nem incentivo para o pique no qual eu vinha. Produzi sim algo de
pesquisa a 
partir de revisão bibliográfica, fiz modestíssimas publicações, e
empreendi um projeto de pesquisa em acústica e construção de instrumentos 
TUDO
SEM QUALQUER ORIENTAÇÃO não por falta de buscá-la!! Fiz de tudo para aproveitar
ao máximo a ótima graduação que me foi 
oferecida, mas ‘construção de
conhecimento’ sobre música definitivamente não foi o ponto forte. Minha
interpretação especulativa para essa 
circunstância, para além das
idiossincrasias que me circundavam (as instituições, as pessoas, a política), é
que, no Brasil, talvez a música esteja 
entrando na academia mais por
sobrevivência que por ‘curiosidade espontânea’. 



Hipótese: Pessoas músicos com uma
formação um pouco mais privilegiada vão para a academia em busca de alguma
segurança social, em busca 
de algum poder sobre a própria estabilidade na vida
social. Convenhamos: músico não tem segurança social no Brasil! Que o diga a
justificativa do 
projeto de lei de seguro desemprego de artistas e músicos.

Vide: http://dagavetaproducoes.wordpress.com/2011/12/22/aprovado-seguro-desemprego-para-artistas-musicos-e-tecnicos-em-espetaculo/ 



Por outro lado, também tendo a
interpretar que os efeitos disso são os de uma transposição brusca e imediata
de uma tradição baseada no funcionamento 
conservatorial para o ambiente
acadêmico, o que obviamente gera contradições flagrantes! São práticas
conflitantes entre si (a acadêmica e a conservatorial) 
e tenho a impressão de
que uma grande parte dos músicos que adentram a academia se deparam com essa
contradição, não conhecendo muito bem os 
fundamentos do pensamento científico e
do funcionamento da academia, tão diverso em todos os sentidos do funcionamento
conservatorial. Enfim, 
são hipóteses que me passam à cabeça e necessitariam de pesquisa
para que se demonstrasse. Num nível mais abrangente de interpretação, isso 
perpassaria um problema de formação básica no Brasil: o brasileiro médio entra
em uma graduação sem saber exatamente o que é a academia, como 
se dá a
construção do conhecimento científico, qual a função de uma universidade para
uma nação, para um povo, para o ser humano, e pior, saem da 
graduação ainda sem
sabê-lo! E isso qualquer professor universitário de qualquer área constata
cotidianamente.


Fazer ciência sobre a música não
é fazer música, mesmo sabendo que obviamente sejam duas práticas plenamente
conciliáveis e nunca mutuamente 
excludentes. Isso pode parecer óbvio, mas minha
intuição e convívio fazem pensar que uma grande parte dos músicos na academia,
investindo nessa 
carreira, não se dão conta disso. 

Por outro lado, se há algo das práticas musicais que precisa da academia para sobreviver, qual é o lugar e função da música na sociedade em quevivemos e no modelo de sociedade que queremos para o futuro?



Enfim, penso que essa
problemática toda do ‘produtivismo acadêmico’ também é transpassada por esses
fatores.

 

Abraço

Carlos Ramos



Date: Tue, 24 Jan 2012 15:17:43 -0800
From: dal_lemos em yahoo.com.br
To: anppom-l em iar.unicamp.br; lucianocesar78 em yahoo.com.br
Subject: Re: [ANPPOM-Lista] Produtivismo acadêmico está acabando com a saúde dos docentes‏


Caro Luciano e colegas,
Gostei da observação feita pelo Luciano: "os músicos não lêem os trabalhos uns dos outros". Creio que este problema provém da base oferecida nas graduações dos cursos de Música em geral. É raro haver disciplinas que incitam o músico a buscar informações que lhe interessam. Darei meu exemplo. Fiz um bacharelado em Piano e nunca tinha ouvido falar de José Alberto Kaplan, que tem um excelente trabalho sobre ensino e aprendizagem do Piano. Enquanto houver Universidades formando pessoas sem o hábito de pesquisar, os músicos continuarão não lendo seus próprios trabalhos, fato que também irá comprometer a pós-graduação e o próprio impacto dos trabalhos produzidos. E não basta ler por ler: a grande contribuição é apreender de fato novas práticas. Novamente no meu caso:
 passei a utilizar novas estratégias de ensino e estudo do piano após ler os trabalhos de Kaplan.
Um abraço!
Daniel LemosCurso de Música/DEART - musica.ufma.brufma.academia.edu/dlemos - audioarte.blogspot.comUniversidade Federal do Maranhão

--- Em seg, 23/1/12, luciano cesar <lucianocesar78 em yahoo.com.br> escreveu:

De: luciano cesar <lucianocesar78 em yahoo.com.br>
Assunto: Re: [ANPPOM-Lista] Produtivismo acadêmico está acabando com a saúde dos docentes‏
Para: "Damián Keller" <musicoyargentino em hotmail.com>, "silvioferrazmello" <silvioferrazmello em uol.com.br>
Cc: anppom-l em iar.unicamp.br
Data: Segunda-feira, 23
 de Janeiro de 2012, 21:50

Bom, foi dito que a diferença entre nós e os psicólogos, por exemplo, é que eles leem os trabalhos uns dos outros, os músicos não. Aceito a idéia do Silvio, claro que devemos nos referir mais as pesquisas uns dos outros. Mas voltamos então ao problema levantado no início desta discussão: O problema é achar tempo pra ler tudo dos colegas e incluir os trabalhos deles em nossas pesquisa, já que as aulas, a pesquisa e a exigência com a produtividade configura uma jornada as vezes quádrupla pra quem toca ou compõe?

   Mais uma vez, SIlvio, concordo que essa contingência vai gerar novos habitos de pesquisa, inclusive para o que se considera uma pesquisa. A Federal do Rio Grande do Sul apresenta trabalhos que me parecem conjuntos de resenhas dos trabalhos dos vizinhos e a
 nota é alta... Será que é por
 aí?

Abraços,

Luciano

--- Em seg, 23/1/12, silvioferrazmello <silvioferrazmello em uol.com.br> escreveu:

De: silvioferrazmello <silvioferrazmello em uol.com.br>
Assunto: Re: [ANPPOM-Lista] Produtivismo acadêmico está acabando com a saúde dos docentes‏
Para: "Damián Keller" <musicoyargentino em hotmail.com>
Cc: anppom-l em iar.unicamp.br
Data: Segunda-feira, 23 de Janeiro de 2012, 17:07

caro damian
o que vejo de mais contundente nisto que vcs colocam é que deverá, com o tempo, surgir novos habitos de produção e de referencia.
nos hábitos atuais escreve-se música, toca-se música, mas sem referir uma pesquisa de outro. 
refere-se sim, mas em trabalho escrito que possa estar vinculado a este trabalho prático.
ou seja, por um bom tempo
 ainda não
 teremos citados trabalhos que foram importantes para perfornances.
abs


On Jan 23, 2012, at 11:19 AM, Damián Keller wrote:

> 
> Caro Rogério,
> 
> 
> 
> O problema que vc
> aponta acontece em todas as áreas. Em psicologia, por exemplo, um
> experimento leva meses, as vezes anos para ser implementado. E o
> resultado é 1 artigo só. Uma revisão do estado da arte pode ser
> feita em algumas semanas e o resultado é o mesmo: 1 artigo. O
> trabalho musicológico com fontes primárias pode ser comparado ao
> trabalho experimental na relação investimento/resultado.
> 
> 
> 
> A grande diferença
> entre nós, músicos, e os psicólogos é que eles citam os trabalhos
> dos colegas, nós não. Esse tipo de prática era o que estava
> sugerindo quando falei em ajustar
> as nossas práticas para que a nossa produção
 não fique defasada
> com as outras áreas. 
> 
> 
> 
> 
>> Este
> é um problema: avaliar e permitir o que tem força impactante entre
> outros pesquisadores e que pode resultar não em citações mas em
> uso direto.
> 
> 
> 
> Silvio, quando respondi
> à colocação sobre o <código de barras> estava me referindo
> justamente a essa questão. Performance e composição geram produtos
> não escritos. Mas esses produtos podem ser registrados, indexados, e
> consequentemente citados. Para falar do caso que conheço mais de
> perto, eu como compositor uso técnicas que documento através de
> publicações. Se existisse um mecanismo para publicar o resultado
> sonoro referenciando os trabalhos que lhe dão suporte, cada peça
> geraria várias citações a outros trabalhos.
> 
> 
> 
> O que eu
 quero dizer é
> que a nossa produção como músicos não é muito diferente do tipo
> de trabalho que fazem os outros pesquisadores. O problema é que o
> nosso trabalho está <em negro>.
> 
> 
> 
> Abraços,
> Damián
> 
> 
> Dr. Damián Keller -
> Núcleo Amazônico de Pesquisa Musical (NAP) - Universidade Federal do Acre - Amazon Center for Music Research - Federal University of Acre -
> http://ccrma.stanford.edu/~dkeller
> 
>                           

________________________________________________
Lista de discussões ANPPOM
http://iar.unicamp.br/mailman/listinfo/anppom-l
________________________________________________

-----Anexo incorporado-----

________________________________________________
Lista de discussões ANPPOM
http://iar.unicamp.br/mailman/listinfo/anppom-l
________________________________________________
________________________________________________
Lista de discuss�es ANPPOM
http://iar.unicamp.br/mailman/listinfo/anppom-l
________________________________________________ 		 	   		  
-------------- Próxima Parte ----------
Um anexo em HTML foi limpo...
URL: <http://www.listas.unicamp.br/pipermail/anppom-l/attachments/20120125/86f2d3f0/attachment.html>


Mais detalhes sobre a lista de discussão Anppom-L