[ANPPOM-Lista] Comentários à Proposta de Manifesto da UBC contra o CADE

Alexandre Negreiros alexandrenegreiros em yahoo.com.br
Seg Abr 1 23:17:58 BRT 2013


Abaixo, faço comentários (em vermelho) à proposta de manifesto elaborada pela UBC contra a decisão do CADE que multa o ECAD em mais de 30 milhões, para a qual seus administradores trabalham arduamente pelo apoio de colegas.

Abçs
Alexandre


> VIVO DE MÚSICA
> 
> Somos artistas brasileiros. Compositores, músicos e cantores.
> 
> Estamos criando a melhor música popular do mundo, seguindo a trilha aberta pelos criadores que nos precederam. Queremos viver do produto  do nosso trabalho. Cantamos a alma cultural do nosso povo.
> 
> 	Não sei quem pode ter elaborado essa avaliação, ou como pode ter sido feita, mas acho pouco provável que o resto do mundo concorde com tal arroubo ufanista. Sim, eu também sou criador de músicas e quero viver do produto do meu trabalho, no entanto tenho dificuldades também por ser lesado por duzentos critérios do ECAD que tornam a música que faço invisível ou desprezível para a distribuição do dinheiro que arrecadam, mesmo quando os usuários que me contratam (as TVs) pagam-lhe fielmente. Vinhetas institucionais e peças publicitárias, por exemplo, estão fora da conta, por razões tão subjetivas quanto as que geraram a afirmação acima. Há outros critérios igualmente perversos em outros segmentos. Por alguma coincidência, é justamente para um certo repertório, representado pelos Editores que controlam as Sociedades que controlam o ECAD, que converge a esmagadora maioria desse dinheiro.
> Da mesma forma que em todos os países, nos juntamos para cobrar nossos direitos por ser impossível que cada um de nós saia por aí esmolando pelo que nos pertence. É a chamada gestão coletiva, que funciona em todo o planeta há  quase cem anos.
> 
>  De fato, há muitos anos o mundo convive com a gestão coletiva centralizada de direitos autorais e, desde 1961, também com a de direitos conexos. A Confederação das sociedades de autores, a CISAC, é de 1926, e congrega associações de todo o planeta que, com exceção das brasileiras, são TODAS fiscalizadas por seus governos, portanto precisam aprovar as tabelas de preços que pretendem fazer vigorar para as TVs, Rádios e outros usuários. Todas lidam com direitos autorais, que é PRIVADO em todos esses países, mas só no Brasil tal fato é usado como argumento para defender o direito do ECAD ditar sozinho quanto quer que lhe seja pago. É como se só no Brasil houvesse esse interesse "medonho" de estabelecer preços viáveis, que não atrapalhem os muitos usos da música por todos os que querem "cantar a alma cultural do nosso povo".  
> De tempos em tempos surgem  pessoas que parecem nos odiar e à nossa música. Propõem leis e medidas para nos prejudicar. Uma hora são senadores oportunistas, deputados e burocratas com ânsia de tudo estatizar. A última e escandalosa ação deles é uma ação movida pelo cartel das televisões a cabo, comandadas pelos multibilionários Carlos Slim e Murdoch. Todos pagam para ter televisão a cabo, mas eles não querem pagar os direitos das músicas que executam.
> 
>   Não é necessário tanto senso crítico para notar quão injusto é o sistema brasileiro, que só atende aos criadores da música e, mesmo assim, com incontáveis limitações regionais, setoriais e operacionais, fora as traquinagens encontradas nas 5 CPIs que o ECAD sofreu. Esse caos é consequência clara da ausência de fiscalização sobre suas atividades, embora aleguem "já serem fiscalizados" pela Receita e pelo INSS, como se nós todos confundíssemos a inexistente fiscalização operacional com as de caráter essencialmente tributário. Com argumentos frágeis, parecem ter como única saída o "ame-o ou deixe-o", fazendo de todos os seus críticos "inimigos" do autor, das leis ou oportunistas malvados. Talvez por se julgarem santos, atribuíram-se R$ 5,5 milhões distribuídos entre 2005 e 2010 aos próprios funcionários a título de "prêmio por bom desempenho", mesmo que em dois desses exercícios tenham publicado déficit operacional (que não haveria se deixassem de premiar-se!). Chamam a ânsia por regulação urgente de ânsia em estatizar, atropelando todas as evidências para tentar desqualificar o único caminho possível até o maior equilíbrio nessa relação, exatamente o mesmo tomado em todos os países do mundo. Vejam como funcionam tais órgãos na França (através da Comissão de Controle das Sociedades de Autores, do Governo Francês, http://goo.gl/OgYuL), ou da Itália (através da Vigilância sobre a SIAE, do Governo Italiano, http://goo.gl/LFpii), ou de Portugal (através da Inspecção Geral das Atividades Culturais, do Governo Português, http://goo.gl/qrw02), ou do Canadá (através do Copyright Board do Canadá, do Governo Canadense, http://goo.gl/7o6ox), ou de tantas outras horríveis ditaduras estatizantes. Quanto à ação das TVs a Cabo, pode mesmo haver má intenção por parte de seus administradores, mas essencialmente a pergunta que os emissores fazem é: por que pagar 2,55% só para a música, enquanto no mundo montantes parecidíssimos são pagos para TODOS os criadores ou intérpretes do audiovisual, o que inclui diretores, roteiristas, desenhistas, atores, bailarinos etc.? O ECAD não tem essa resposta, e desconversa quando o assunto chega aí, dizendo "eles que façam a gestão deles", pela voz de alguns reis desnudos que propagam aquela máxima ali de cima, a de que "nossa música popular é a melhor do mundo" (desde que, naturalmente, lembrem-se de que ELES a fizeram), escondendo ainda a presunção de que a música seria uma arte maior do que as outras. Ou como se as emissoras fossem capazes de distribuir 2,5% de seu faturamento para cada modalidade de criadores...
> Cientes que a Justiça brasileira está com o direito exclusivo dos autores, eles se dirigiram ao CADE, órgão do Governo que deveria coibir os cartéis. O CADE acaba de dizer que nós autores é que somos o cartel e não podemos nos associar para exercer nosso direito de cobrar o que nos é devido.
> 
>  O fato da justiça brasileira reconhecer o direito exclusivo do autor não a faz defensora da opinião de que esse direito é absoluto, ou superior a qualquer outro. Uma outra decisão do STJ, sobre a ação entre ECAD e MTV (RECURSO ESPECIAL No 681.847 - RJ (2004/0127832-8), proferida em 15/10/2009 é emblemática nesse sentido: "3.A condição de órgão legitimado a realizar a cobrança de valores devidos a título de direitos autorais não exime o ECAD da obrigação de demonstrar em juízo a consistência da cobrança empreendida". A ação movida no CADE nasce de um pressuposto do direito à concorrência que já levou, nos Estados Unidos, a ações de diversos radiodifusores contra a obrigação de adquirirem licenças por todo o repertório existente (as licenças-cobertor), quando seria possível pagar só por parte dele. Os acordos gerados a partir delas, chamados Consent Decrees, emitidos para BMI (http://goo.gl/7wFkH) e para a ASCAP (http://goo.gl/xj79K) quase à exata semelhança pelo Departamento de Justiça de lá são, na prática, o instrumento de regulação daquele país sobre as suas atividades, determinando o modo de eleição de suas diretorias, a forma como devem formar preços e outras condições para operação. No Brasil, ainda que a ação da ABTA não tenha sido focada nesse aspecto, o Cartel em tela se manifesta a partir do controle que as mesmas empresas multinacionais possuem tanto sobre o ECAD quanto sobre a UBEM (a associação de editores), que dita uma tabela de preços unificada para as licenças de sincronização de 95% do repertório disponível, uso necessário para que tais obras gerem, em seguida, o direito de execução pública (que só o ECAD arrecada) que incide predominantemente sobre o que já foi sincronizado (considerando que a proporção de transmissões ao vivo é minúscula diante do material gravado). Ou seja, comem e bebem dos dois lados, determinando sozinhos os preços dos dois principais usos reconhecidos na atividade econômica da radiodifusão. É um cartel evidente, também porque o ECAD ainda impede que um certo universo de criadores de música opine a respeito dos preços que estabelecem: só 7 das 9 associações tem direito a participar das reuniões da Assembleia Geral, e os sócios das duas restantes (ABRAC e SADEMBRA), naturalmente, estão longe do exercício do direito constitucional de opinar sobre o preço a ser praticado sobre suas próprias obras. Das 7 votantes, só 2 - UBC (onde estão Sony e EMI) e Abramus (onde estão Warner e Universal) controlam cerca de 85% dos votos, decidindo praticamente todas as questões submetidas a este forum fechado, cujas atas só são conhecidas (registradas) por vezes mais de um semestre depois de emitidas, ainda que suas decisões tenham efeito imediato. Por exemplo, um certo aumento de preços.
> Não há relação de mercado e consumo nos direitos autorais. Por esse motivo,  o Ministério Público apresentou um parecer para que o processo fosse arquivado.
> 
>  É claro que pode haver relação de mercado, pois nem sempre há uma só obra que se adapte a um certo uso. Não que isso seja predominante ou mesmo benéfico ao autor, pois os tais 100 anos de prática mostraram que o sistema recomendável é o do monopólio - regulado pelo Estado - da gestão centralizada dos direitos de execução pública e dos direitos de reprodução (os que incidem na Internet ou nas cópias xerox, por exemplo). Mas o que o Ministério Público brasileiro opinou em seu parecer - e eu estive pessoalmente com o procurador que o emitiu, por quase dois dias - foi que não haveria cartel na execução pública, pois o modelo consagrado pressupõe a existência do monopólio, o que é correto, como a prática e os exemplos internacionais mostram. O próprio ECAD, assim como o extinto CNDA, nasceram na mesma data a partir dessa constatação. O que ele não pôde observar, por não ter sido arguido pela ABTA, mas também por acreditar que não há santos na ABTA (tal como eu também creio), é que o controle paralelo da ABEM pelos mesmos atores econômicos, impondo ali preços sob Cartel, determina o controle da relação econômica havida no uso de obras musicais pelas emissoras também na execução pública. Foi, portanto, na minha opinião, uma simples (mas grave) escorregadela de quem propôs a ação o fato de não chamar atenção para este outro lado do negócio, tampouco de ampliar o "mercado" a todo o uso televisivo, não só o da execução pública. Mesmo que triunfantes, estarão ali adiante reféns dos mesmos algozes em futuras sincronizações, provavelmente compensando as perdas sofridas...
> A maioria dos autores brasileiros mal consegue sobreviver. O cartel das tevês a cabo fatura bilhões.
> 
> Isso é fato, e finalmente podemos concordar, mas as razões que se projetam por trás dessa afirmativa nos devolvem a controvérsia. Primeiro, o fato de haver uma gestão coletiva centralizada apenas para a música condena os criadores de todas as demais artes a esse cruel destino. Segundo, se analisarmos os critérios de distribuição do ECAD, veremos quanta informação é mal administrada, o que permite escândalos como os do Coitinho, da Família Silva e outros tantos que flutuam sob a ponta desse iceberg, sendo que em cada um deles há motivos para autores ficarem sem receber. Numa rápida olhada no Regulamento de Distribuição do ECAD já é possível perceber o ilusionismo por trás da afirmativa de que "basta pagarem (direitos) para o autor receber": são tantas e tão diversificados os limites a partir dos quais autores ou intérpretes são alijados de seus direitos que torna-se finalmente possível compreender parte de sua grita. A inédita divisão dos intérpretes de música entre "principais" e "executantes" chega a ser ofensiva, como são outras tantas peculiaridades decididas por um grupo de entronizados há décadas na Assembleia Geral do ECAD, sob a irresponsável cobertura de alguns artistas de renome, na maior parte ignorantes do que avalizam em troca de remunerações mensais, e da negligência do poder público ao tolerar tais descalabros. Finalmente, o Estado brasileiro parece compreender a gravidade desse quadro, e está prestes a agir, e está na hora de compreendermos melhor o que se passa. 
> É a favor dos bilionários multinacionais que o CADE decide. Nós, com a música e o povo brasileiro conosco, resistiremos.
> 
>  
> Não é necessário cavar muito pra descobrir os prêmios e honorários distribuídos pelo ECAD à sua própria equipe de gestores, lidando com o dinheiro do ECAD como se este não fosse integralmente gerado de um percentual dos direitos DO CRIADOR, que merece recebê-los se não usados para as imprescindíveis operações. Não à toa florescem tantas ações na justiça, a partir de tanta "intransigência" com o usuário inadimplente (que questiona o preço imposto) em nome do "amor à música"... À música, ou ao presumível retorno dessa rigidez? Como num milagre, os custos do ECAD crescem quase na exata proporção do aumento de sua arrecadação, numa relação que poderia nos fazer supor que bastaria dobrar o custo do órgão para que também dobrasse a sua arrecadação, criando o paraíso do criador sobre a terra. É claro que este vínculo se faz no caminho inverso, e entre ampliar a tísica abrangência aos beneficiários e "estimular" a arrecadação através de prêmios a gestores e funcionários, já sabemos qual é a opção desta enraizada administração.

> Da mesma forma, não são menos bilionárias as multinacionais no comando da UBC (Sony e EMI) e Abramus (Warner e Universal), a serviço de quem estão os subscritores deste "apelo" que comento, em troca de salários que os fazem ignorar os direitos de tantos (adoram dizer: "artista que é 'bom mesmo' não fica sem direitos", talvez como forma de manterem suas consciências menos pesadas). Sua tarefa principal, condicionante da manutenção de seus empregos, é manter felizes as matrizes no exterior, que assim mantém os bônus de seus gestores por aqui, que assim mantém os critérios que viabilizam essa concentração de recursos, não obstante o tamanho e a importância de seu repertório, que prescindiria desses expedientes. É lamentável!!


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