[ANPPOM-Lista] sobre a "objetividade" científica

Damián Keller musicoyargentino em gmail.com
Qua Jun 5 09:51:11 BRT 2013


Oi Carlos,

> *Behavioral and Brain Science*, um journal da CUP, publicou em 1982 um
artigo interessante: Peer-review practices of psychological journals:
The fate of published articles, submitted again.

Essa é uma boa contribuição para dar continuidade à discussão sobre
métodos nas ciências humanas e na pesquisa em música. Cito abaixo a
última troca sobre o assunto para não perder o fio. Vou arriscar um
resumo da algumas ideias discutidas por VH e que são foco da polêmica
na área de psicologia.

A diferenciação dos métodos que VH propõe é: por um lado trabalhos
embasados exclusivamente em aspectos conceituais e por outro trabalhos
embasados em resultados e observações experimentais. A crítica que ele
faz está dirigida diretamente aos trabalhos que excluem o método de
observação sistemática e a coleta de resultados como base para a
construção de teorias. O método experimental foi colocado em prática
inicialmente por Galileo e, ao longo de 4 séculos, mostrou ser uma boa
alternativa aos métodos introspectivos usados até a Renascença. Como a
base do método científico é a refutabilidade, todo conhecimento é
provisório. Portanto é possível que o método experimental seja
substituído por outra técnica no futuro. Por enquanto, essa é a
técnica que teve melhores resultados.

Aí entra a pergunta do que significa <melhores resultados>. Do ponto
vista teórico, a proposta precisa ser refutável. A crítica de VH
enfoca justamente esse aspecto: para que serve uma proposta teórica se
ela não pode ser testada na prática? A outra alternativa seria o
conhecimento embasado puramente na tradição: nesse caso a teoria
predominante é a usada pelo maior número pessoas em lugar de ser a que
permite explicar o maior número de eventos.

O outro aspecto levantado por VH, e que está no centro da polêmica
atual na área de psicologia social, é a replicabilidade. Mostrar os
resultados não é suficiente. Para que um estudo experimental tenha
validade científica esses resultados precisam estar acompanhados de
uma descrição que permita obter resultados similares em novos
experimentos. Quer dizer, da mesma forma que a proposta precisa ser
refutável do ponto vista teórico ela precisa ser replicável do ponto
de vista empírico. Teoria e experimentação vão juntas.

Dado esse contexto, o revisor de um artigo digamos, na revista
Behavioral and Brain Sciences, deveria conferir se os resultados são
replicáveis e se os conceitos teóricos podem ser testados através de
observações ou experimentos. A outra opção seria olhar para o nome do
autor e ver se ele trabalha numa boa universidade. Parece que no caso
do estudo de Bartko o que aconteceu foi isso.

Abraço,
Damián


Dr. Damián Keller | ccrma.stanford.edu/~dkeller
NAP | sites.google.com/site/napmusica

---------- Forwarded message ----------
From: Damián Keller <musicoyargentino em gmail.com>
Date: 2013/5/15
Subject: avaliação qualitativa
To: "anppom-l em iar.unicamp.br" <anppom-l em iar.unicamp.br>


Prezado Carlos,

Pelo visto a escolha do texto não foi afortunada. A partir dos
comentários que você coloca sobre o texto do Vitor Haase, vejo que
você não concorda com as colocações que ele faz. Para evitar
confusões, coloco as iniciais do autor antes de cada citação.

CP:
> Ambos os textos, lado a lado, o excerto do Vitor e o meu, tinham o objetivo de indicar dois eventos muito diferentes, relacionando-os enquanto associados ao problema da qualidade da pesquisa em música no Brasil.

A proposta de discutir os argumentos de pesquisadores das áreas de
humanas para o nosso caso mais específico é muito boa. Os argumentos
de VH são muito próximos aos de Sidarta Ribeiro e Suzana
Herculano-Houzel e não estão distantes da longa discussão travada no
campo da antropologia sobre os enfoques <emic> e <etic>. Do texto de
VH se desprende que ele aceita a coexistência dos dois métodos.

Levando em conta que neste momento existe um debate intenso sobre a
replicabilidade dos métodos experimentais em psicologia (Abbott 2013),
não vejo a postura dele como um caso isolado e sim como uma vertente
de pensamento que propõe o método científico como uma (>>e não a
única<<) forma de conhecimento replicável. Portanto não estou sozinho
ao generalizar o problema para a área de humanas:

CP:
> Você generaliza muito rapidamente: ele está falando de psicologia, e não de ciências humanas.

Eu acho que o uso de adjetivos como <ignorante> ou <infantil> não
ajuda a focalizar o problema. Estamos falando da qualidade nos métodos
de pesquisa nas ciências humanas em geral (e em música em particular),
como você menciona um dos problemas é a desqualificação através de
adjetivos:

CP:
> Há críticas ideológicas e criíticas ideológicas. […] Aquela da qual Vitor fala é a que dispara expletivos a torto e a direito: "indústria cultural", "essencialismo", "neopositivismo" etc.

Por outro lado, eu não acredito que VH esteja defendendo alguma forma
de reducionismo nas ciências humanas:

CP:
> Reduzir o "científico" à ciência experimental no campo da musicologia é mais uma demonstração do que chamei de infantilismo científico.

DK:
> Sinceramente, ao ler os argumentos de Vitor Haase ou de Sidarta
> Ribeiro ou de Suzana Herculano-Houzel (pesquisadores da área de
> humanas) não vejo nenhum apoio para a exclusão do método científico.
> Inclusive, eles são altamente críticos das posturas que excluem o
> método científico como ferramenta de conhecimento e sugerem (como no
> parágrafo acima) que os métodos inferenciais podem conviver com outros
> métodos.

Destaco a palavra <conviver>. Em nenhum momento foi colocado por VH ou
por mim que a única forma de conhecimento é o método inferencial e
muito menos o uso de estatística. Dados são só dados, e precisam ser
interpretados. Os métodos qualitativos são tão válidos quanto os
quantitativos. Eu acredito que o ponto de discordância está na
refutabilidade e na replicabilidade das propostas.

Abraços,
Damián


Abbott 2013.
http://www.nature.com/news/disputed-results-a-fresh-blow-for-social-psychology-1.12902



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