[ANPPOM-Lista] Mais uma morte anunciada na UnB se confirmou

Damián Keller musicoyargentino em gmail.com
Dom Mar 3 09:23:35 BRT 2013


Caros colegas,

Não costumo compartilhar textos de fontes externas na lista. Porém, a
manifestação do nosso colega Ronaldo, pesquisador da UnB, merece abrir
uma exceção. O que ele descreve (com os devidos ajustes de proporção)
parece o relato da nossa experiência com o NAP aqui na UFAC. Esses
fatos não aparecem nos discursos de ministros e de diretores de
agências de fomento a pesquisa. Mas formam parte do nosso dia a dia.

Abraços,
Damián


Dr. Damián Keller | ccrma.stanford.edu/~dkeller
NAP | sites.google.com/site/napmusica


---------- Forwarded message ----------
From: Ronaldo Pilati <rpilati em gmail.com>
Date: 2013/3/1
Subject: [GEPS_UnB] Mais uma morte anunciada na UnB se confirmou


Mais uma morte anunciada se confirmou: E a Universidade continua a
atrapalhar nossa pesquisa


Brasília, 01/03/2013


Não deixe que a escola atrapalhe seus estudos!

Quanto tinha 17 anos descobri esta frase que, no calor de minha
juventude fez muito sentido, graças à capacidade adquirida
gradualmente de ver como as organizações educacionais funcionam como
barreiras à sua aprendizagem. Quando cheguei à Universidade como
estudante (e olha que era a UnB, uma das melhores do país), pouco
tempo depois, notei que as coisas funcionavam de forma diferente no
que concerne ao acesso a informação, mas ficou claro, relativamente
rápido, que a forma de gestão e funcionamento da Universidade
Brasileira, em sua estrutura paquidérmica, levam a organização para
longe de seu objetivo precípuo: produção de conhecimento.

Não há muito espanto no descrito até aqui se não fosse o fato de que
percebi que a frase continua valendo, com um pequeno ajuste, 20 anos
depois da ‘descoberta’ e agora como docente (há mais de seis anos) na
UnB: Não deixe que a Universidade atrapalhe sua Pesquisa! Ou de uma
forma mais refinada e erudita, como escutei de um sábio colega que foi
meu professor: Você faz e a UnB desfaz! Lamentavelmente boa parte do
tempo de trabalho de um docente na UnB tem sido na tentativa de evitar
que a instituição destrua aquilo que a atividade profissional
conseguiu construir. Converse com alguns bem intencionados e
qualificados pesquisadores que estão nas universidades (aqueles que
buscam a excelência em suas áreas de pesquisa) e você verá que poucos
ou nenhum discordam dessa asserção.

Quando assumi minha função como docente na UnB uma de minhas propostas
ao Instituto de Psicologia foi a criação e consolidação de uma linha
de pesquisa em Psicologia Social Experimental, algo sempre muito
afeito a área na UnB mas pouco consolidado pela falta de estrutura
laboratorial para tal empreitada. Ao final de 2007 em conversa bem
articulada com vários colegas conseguimos estruturar uma proposta
competitiva para a estruturação de laboratórios integrados de pesquisa
experimental com humanos e de forma muito afortunada (exatamente por
estar em uma unidade que a maioria dos docentes prima pela excelência
em sua pesquisa), conseguimos constituir uma equipe de mais de 30
docentes dos quatro programas de pós-graduação que integram o IP-UnB,
elaborando um projeto de laboratório com estrutura física e
equipamentos suficientes para comportar linhas de pesquisa já
existentes e outras tantas que poderiam ser constituídas. Foi
excelente ver a equipe trabalhando de forma integrada e melhor ainda
em ver esta proposta contemplada por dois anos consecutivos em um
importante edital de apoio a infraestrutura de pesquisa: o CT-Infra da
FINEP. A esperança foi renovada, o êxito exaltado por toda a unidade e
perante a comunidade científica da Psicologia Brasileira, pois não
havia precedente conhecido de um êxito desta magnitude de programas de
Psicologia neste edital, e, aparentemente, as metas de pesquisa
poderiam ser cumpridas. Pois é, poderiam, se o restante da história
não terminasse com a panaceia desvairada da incompetência corporativa
da UnB (alguns poderiam dizer que seria kafkiana esta história, mas
isto se tornou a regra e não a exceção) em executar recursos
arrecadados.

Hoje, cerca de cinco anos depois da UnB ter sido comtemplada no
primeiro edital de nosso projeto (nos dois editais foram obtidos cerca
de R$1,1 milhão de reais para a estruturação dos laboratórios
integrados) recebemos a notícia de que a FINEP recolherá o dinheiro
referente a 2007. O dinheiro está com a UnB já há bastante tempo, mas
será devolvido a FINEP porque a UnB foi incapaz de executar.

Nestes anos desta ‘batalha surreal’ dentro da universidade foram
dezenas (isto não é um eufemismo, pois a quantidade de demandas e
solicitações foi enorme, por parte de membros da equipe e dos
diretores de nossa unidade) de reuniões com diferentes gestores
centrais (diretor de pesquisa do decanato, Ceplan, decanos) e
inclusive uma audiência com o então Reitor, no início de 2012, para
tratar exclusivamente deste assunto, na tentativa de que as licitações
para execução da obra fossem feitas. Na audiência com o gestor máximo
ficou acordado que a obra seria realizada a partir de junho de 2012,
no mais tardar. O que ocorreu depois disto? De efetivo nada! O único
fato concreto é o que chegou no dia de hoje, que confirma uma crônica
de morte anunciada graças a incompetência e falta de envolvimento
político da gestão central da UnB em fazer o que lhe era de mais
básico e elementar: executar seus processos administrativos e
implementar as ações já definidas. É profundamente entristecedor e
desestimulante este desfecho, mas no final das contas será apenas mais
um dentre tantas outras histórias de incapacidade de gestão das
Universidades públicas brasileiras. Já é vala comum, infelizmente. Por
isto e/ou por descrença generalizada não me parece que nada venha a
mudar e este desfecho ilustra um quadro patente da Universidade
federal brasileira.

O que nos resta agora? O que dizer para alunos, futuros pesquisadores
e agências de avaliação da pós-graduação sobre como será possível a
instituição de linhas de pesquisa outrora prometidas? Podemos dizer
que a universidade brasileira é um bom lugar para se trabalhar e se
fazer pesquisa? Que a ciência brasileira está se internacionalizando e
tornando-se de ponta? A quem queremos enganar: a nós mesmos?

É evidente que não há como as Universidades Públicas brasileiras se
tornarem de ponta com esta incompetência administrativa e de gestão
tão escabrosas. O que temos no país são algumas poucas exceções, mas a
regra geral, das poucas instituições federais de ensino que podem ser
consideradas como instituições de pesquisa (queria crer que a UnB
estivesse entre elas, por isto escolhi ficar nela para executar um
plano de carreira como pesquisador), é esta incompetência generalizada
na gestão de C&T, que leva corriqueiramente a absurdos como este que
aqui narro. Fruto de uma instituição, que como diz um amigo meu, é
gerenciada muito mais como uma prefeitura de interior do que como uma
instituição de produção de conhecimento.

Talvez a única coisa que nos reste dizer a nossos alunos e às novas
gerações de pesquisadores foi o que minha geração aprendeu de forma
relativamente rápida: não deixe que a universidade atrapalhe sua
pesquisa. Ao que tudo indica isto segue assim e seguirá por muito
tempo, enquanto nossas universidades continuarem a funcionar como
prefeituras de cidades interioranas que vivem da disputa entre
pequenos grupos que nada tem de interesse como a função precípua da
Universidade: produzir conhecimento.

Ronaldo Pilati
Assistant Professor
Bolsista Produtividade CNPq - Nível 2
GEPS Coordinator - www.gepsocial.com.br
Social and Work Psychology Department - IP/UnB
Graduate Program in Social, Work and Organizational Psychology - www.psto.com.br



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