[ANPPOM-Lista] Fundamentação Teórica?

Daniel Lemos dal_lemos em yahoo.com.br
Qua Mar 13 01:03:49 BRT 2013


Caro Luciano,

Permita-me discordar da afirmação que a Ciência seria "agnóstica".

Nas áreas de Humanidades, estuda-se principalmente o ser humano: seus comportamentos, pensamentos e respostas ao mundo material, ou seja: o Universo. Ao ter o ser humano como objeto de estudo, percebemos o quão é complexo tratar de assuntos ligados às Humanidades: analisar por que o ser humando possui estados emocionais, como eles interferem em nossas atividades no dia-a-dia e - principalmente - elas alteram nossa percepção do que serial material, físico, "estático", "exato". Convido a todos para conhecer as pesquisas interdisciplinares em Física e Psicologia (impossível?). Einstein afirma que tudo é relativo ao observador - Teoria da Relatividade - e, ao assumir que o observador é o ser humano, tem-se ele como objeto de estudo em pesquisas na área de Física. Assumir que nossos estados emocionais alteram nossa percepção e, dessa forma, alteram também as propriedades da matéria da forma como a percebemos, é o objeto de estudo dessa
 área. Este interessante livro trata sobre o assunto: "Quantum Mind". Nesse sentido, se acreditarmos que Deus existe, isso altera toda a concepção que temos sobre o Universo, e isso faz diferença para a Ciência.

A Ciência, tal qual como definida - o estudo sistemático ou sistematizado sobre qualquer área do conhecimento - está se flexibilizando de uma forma que se torna possível compreender até mesmo aspectos "subjetivos", "míticos" ou "imaginários". É justamente nessa questão que reside a Arte: não podemos, de forma alguma, deixar de suscitar a imaginação, a criação, o senso estético e a liberdade de expressão em troca de citações, referências, teorias e processos sistematizados. Podemos utilizar isso como "fundamentação teórica", mas o que não pode acontecer é deixar de lado a característica iminente da produção artística. Temos a obrigação de contemplá-la em tudo que fazemos na Academia: disciplinas, projetos, orientações, pareceres, etc. Agora, da forma como a academia apresenta formulários, propostas e esquemas, tudo se assemelha a "fórmula" e não à "forma", tal como dito por Pierre Boulez em "Apontamentos de Aprendiz".
 O que ocorre, então, é aceitar esquemas feitos para outros propósitos.

O que me incomoda é essa resistência que os colegas das Artes possuem em refletir e questionar sobre isso. Parece que buscam sempre o "caminho mais fácil": aceitar os métodos como eles são. Provavelmente concordam também com as fronteiras impostas pelo "Ciência sem Fronteiras".

PS: por acaso, no link que tu enviaste da Per Musi, tem um artigo nosso que seria uma bela fundamentação teórica para a Performance Musical...

Um abraço,

Daniel Lemos Cerqueira 
Coordenador de Música 
Coordenador do PIBID de Artes 
Membro da COPEVE 
Universidade Federal do Maranhão (UFMA) 
http://musica.ufma.br


--- Em ter, 12/3/13, luciano cesar <lucianocesar78 em yahoo.com.br> escreveu:

De: luciano cesar <lucianocesar78 em yahoo.com.br>
Assunto: Re: [ANPPOM-Lista] Fundamentação Teórica?
Para: anppom-l em iar.unicamp.br, "Daniel Lemos" <dal_lemos em yahoo.com.br>
Data: Terça-feira, 12 de Março de 2013, 23:40

Caro Daniel, 

  Para a ciência, tanto faz se Deus existe ou não. O campo de trabalho não envolve essa questão, mas as leis pelas quais o universo "funciona", ou seja, alguma explicação dos fenômenos.
   Acredito que isso valha para a música também. A magia de que você fala é pessoal, subjetiva, não entra na pesquisa. Nem a sistematização pode eliminá-la das vivências subjetivas.
    Eu concordo com o Palombini nesse tópico, por fantástico que isso possa parecer. O diferencial de artistas na academia é - a meu ver e acho que foi isso o que ele quis dizer - justamente o poder explicar e questionar seus processos de um modo que a atuação no mercado de trabalho simplesmente não exige. Isso faz um pianista como o Marc-André Hamelin oferecer um "encontro" ao invés do corriqueiro "master class", como
 eu vi, justificando que não sabe dar aula, não pode ajudar um pianista enquanto professor, mas que poderia conversar sobre o trabalho dele em termos informais. Pra artistas que estão na academia (que "são o que são", artistas acadêmicos), é preciso sim saber ensinar, saber racionalizar processos, saber explicar concepções interpretativas e modificá-las em relação à tradição que incorporamos. Essas concepções da tradição muitas vezes não precisam de um questionamento mais profundo para as gravadoras e empresários de concertos, que tem um viés mais pragmático, mas para nós, "saber" e "saber falar sistematicamente" a respeito dos processos de construção da interpretação é necessário e, acho, útil.
    Pra isso, é preciso... tocar em público, experimentar repertórios que tem a ver com habilidades cognitivas (inclusive para prover o mercado de músicos melhores, mais conscientes, no caso daqueles que não
 pretendem seguir carreira acadêmica, mas que poderão aprender a respeitar a pesqusia em música na academia), ler sobre técnicas e concepções interpretativas e aplicar essas leituras em interpretações informadas, jogar com o conhecimento histórico de seus instrumentos e repertórios, com as técnicas de composição, etc.
    Já que você falou da religião, na nossa cultura judaico-abraâmica-cristã, a letra (o texto, a tábua da lei) importa muito. Fundamentação teórica é basicamente os livros ou artigos que você leu e que orientam as bases desse projeto. Dá uma olhada nessa que pode ser uma boa base teórica para a "performance acadêmica", se é que esse termo existe, embora a prática exista:

http://www.musica.ufmg.br/permusi/port/numeros/26/index.htm

Não acho absurda a fundamentação teórica para artistas academicos, mas
 acho absurdo descartar do MEC a obrigação com a cultura. Senão, desmembra oficialmente, uai!

Abraços, 

Luciano

--- Em ter, 12/3/13, Daniel Lemos <dal_lemos em yahoo.com.br> escreveu:

De: Daniel Lemos <dal_lemos em yahoo.com.br>
Assunto: Re: [ANPPOM-Lista] Fundamentação Teórica?
Para: anppom-l em iar.unicamp.br
Data: Terça-feira, 12 de Março de 2013, 1:29


Olá caro Estevão,

Obrigado pela contribuição. De fato, para pessoas de outras áreas, talvez não seja tão óbvio assim fundamentar por que tocar. Sim, há uma seção de justificativa, e no caso, enfatizo a necessidade deste tipo de projeto de extensão na UFMA, e não a prática musical em
 si.

Porém, não haverá dificuldade na fundamentação em si. O que gostaria de tornar evidente é que este excesso de sistematização tira toda a magia que cerca a Música - que é justamente a parte que resiste à Ciência e incomoda tanto os acadêmicos. Por que ouvimos Música? Por que tocamos? É como Religião: a maioria dos cientistas são ateus, mas nunca conseguirão explicar - e, por isso mesmo, preferem ignorar - por que bilhões de pessoas sentem necessidade de serem devotos, de acreditar que existe um ser supremo, criador de tudo que
 existe.

Um abraço,

Daniel Lemos Cerqueira 
Coordenador de Música 
Coordenador do PIBID de Artes 
Membro da COPEVE 
Universidade Federal do Maranhão (UFMA) 
http://musica.ufma.br


--- Em seg, 11/3/13, Estevão Moreira <estevaomoreira em gmail.com> escreveu:

De: Estevão Moreira <estevaomoreira em gmail.com>
Assunto: Re: [ANPPOM-Lista] Fundamentação Teórica?
Para: "Daniel Lemos" <dal_lemos em yahoo.com.br>
Cc: "ANPPOM" <anppom-l em iar.unicamp.br>
Data: Segunda-feira, 11 de Março de 2013, 23:12

Olá Daniel,
Não acho bizarro ter que explicar o que nos seja óbvio -- até por que, se não conseguirmos explicar, não é tão óbvio assim. 
Por
 exempo, ao invés de justificar a "importância da música" (entrando numa metafísica problemática, caso seu avaliador não partilhe dos mesmos pressupostos fundacionais), você poderia ressaltar nas "fundamentações teóricas" algo como

"..... a "importância" de se oferecer oportunidades da circulação da produção artística do departamento de música da UFMA, como parte integrante de um processo sistêmico, uma vez que os docentes e discentes tornam públicos os seus trabalhos contemplando uma dupla dimensão educacional: o processo educativo dos alunos de música, bem como a ação educativa de mostra de um repertório pouco veiculado pelo main stream... etc etc etc

"....O repertório caracterizado por obras de diferentes períodos...... os concertos serão realizados propondo alguma forma x de se relacionar interativamente com o público....." etc etc etc

São apenas exemplos de argumentos "tautológicos", isto é, que apenas descrevem alguns aspectos importantes para um projeto e que podem servir de critério de avaliação da realização do projeto. Escrevi os exemplos muito rapidamente, só pra ilustrar. Obviamente não precisam ser estes.


Mas fiquei pensando:há somente "fundamentação teórica" ou há também o campo "justificativa"? Pois neste último vc precisa colocar, a grosso modo, duas linhas: (a) motivações e (b) condições favoráveis para a realização do projeto.

E sua pergunta "PARA QUÊ" é fundamental. Já que é um projeto, é preciso dizer o que os avaliadores querem ouvir -- não se trata de "agradar" aos pareceristas, mas de ressaltar os CRITÉRIOS relevantes para a análise.

Uma boa fundamentação teórica nos ajuda a saber o quanto estamos perto ou longe do objetivo que aspiramos e, mais ainda, explicitar de forma segura o que de fato se pretende, o que se espera alcançar, como, quando, onde, por que, para que, de quem, com quem, para quem (...), a qualquer pessoa para quem queiramos descrever o projeto.


Espero ter contribuído,

Um abraço,
-- 
Estevão Moreira
estevaomoreira.com




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