[ANPPOM-Lista] Produção científica e lixo acadêmico no Brasil

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Qui Jan 8 00:33:05 BRST 2015


Produção científica e lixo acadêmico no Brasil

Rogério Cezar de Cerqueira Leite

Dois artigos publicados recentemente pela revista britânica "Nature",
especializada em ciência, deixam o Brasil e, em especial, a comunidade
acadêmica brasileira, profundamente envergonhados.

A "Nature" nos acusa, em primeiro lugar, de produzir mais lixo do que
conhecimento em ciência. Nas revistas mais severas quanto à qualidade de
ciência, selecionadas como de excelência pelo periódico, cientistas
brasileiros preenchem apenas 1% das publicações.

Quando se incluem revistas menos qualificadas, porém, ainda incluídas
dentre as indexadas, o Brasil se responsabiliza por 2,5%. O que a "Nature"
generosamente omite são as publicações em revistas não indexadas, que
contêm número significativo de publicações brasileiras, um verdadeiro lixo
acadêmico.

O segundo golpe humilhante para a ciência brasileira exposto pela revista
se refere à eficiência no uso de recursos aplicados à pesquisa. Dentre 53
países analisados, o Brasil está em 50º lugar. Melhor apenas que Egito,
Turquia e Malásia.

Tomemos um exemplo. O Brasil publicou 670 artigos em revistas de grande
prestígio, enquanto no mesmo período o Chile publicou 717, nessas mesmas
revistas. O dado profundamente inquietante é que enquanto o Brasil
despendeu em ciência US$ 30 bilhões, o Chile gastou apenas US$ 2 bilhões.

Quer dizer, o Chile, que aliás não está entre os primeiros em eficiência no
mundo científico, é 15 vezes mais eficiente que o Brasil. Alguma coisa está
errada, profundamente errada. A academia brasileira, isto é, universidades
e institutos de pesquisas produzem mais pesquisa de baixa do que de boa
qualidade e as produz a custos muito elevados. Há certamente causas, talvez
muitas, para essa inadequação.

A primeira decorre de um "distributivismo" demagógico. É evidente que seria
desejável que novos centros de pesquisas se desenvolvessem em regiões ainda
não desenvolvidas do país. Mas é um erro crasso esperar que uma atividade
de pesquisas qualquer venha a desenvolver economicamente uma região sem
cultura adequada para conviver com essa pesquisa.

Seria desejável que investimentos maciços fossem aplicados em pesquisas em
instituições localizadas em regiões pouco desenvolvidas, mas cujo meio
ambiente é capaz de absorver os benefícios dessa inserção.

O segundo mal que é causa inquestionável da diminuta e dispendiosa produção
de conhecimento é o obsoleto regime de trabalho que regula a mão de obra do
setor de pesquisas em universidades públicas e na maioria dos institutos.

O pesquisador faz um concurso --frequentemente falsificado-- no começo de
sua carreira. Torna-se vitalício. Quase sempre não precisa trabalhar para
ter aumento de salário e galgar postos em sua carreira. Ora, qual seria,
então, a motivação para fazer pesquisas?

O terceiro problema é o sistema de gestão de universidades públicas e
instituições de pesquisa, cuja burocracia soterra qualquer iniciativa dos
poucos bem-intencionados professores e pesquisadores que ainda não
esmoreceram.

Pois bem. Há uma fórmula que evita todos esses males e que já foi
experimentada com sucesso em algumas das instituições científicas do
Brasil: a organização social. A resistência dos medíocres e parasitas e a
falta de coragem política de algumas de nossas autoridades impedem a
solução desse problema.

*ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE*, físico, é professor emérito da Unicamp
e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho
Editorial da *Folha*
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/202892-producao-cientifica-e-lixo-academico-no-brasil.shtml

-- 
carlos palombini
professor de musicologia ufmg
professor colaborador ppgm-unirio
ufmg.academia.edu/CarlosPalombini <http://goo.gl/KMV98I>
www.researchgate.net/profile/Carlos_Palombini2
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