[ANPPOM-Lista] Triste

Gustavo Dias gustavoangelod em gmail.com
Qua Jan 13 15:34:21 BRST 2016


Depende bastante do conceito de desonestidade. Acredito que o mito de que o
brasileiro é honesto, hospitaleiro e coisas que tais (o tal 'cidadão
cordial'), deve-se muito a crenças equivocadas sobre o que significa de
fato ser desonesto. Coisas "pequenas", claro, ficam de fora: sonegar
impostos, alugar imóveis sem contrato, oferecer serviços som nota, pagar
propinas para viabilizar transações - afinal, não é culpa "nossa", sem isso
nada funciona e precisamos viver. O brasileiro encara essas coisas não como
desonestidade (palavra negativa) mas como uma forma de tirar vantagem
(palavra positiva) sobre a situação, e, claro, sempre sob uma certa
premissa de que o estado serve para boicotar os anseios e as atividades
espontâneas da população, que afinal de contas movem a economia e nos
permite pagar as contas. Com o estado ceifando nossos meios de viver, vale
a lei da sobrevivência individual através de um sentimento no qual a
corrupção "pequena" se encontra autorizada como boicote ao estado (e a tudo
que é oficial) pela possibilidade de garantir ao menos a própria parte,
traduzida em forma de sabedoria popular pelo ditado "farinha pouca, meu
pirão primeiro". Falta a sociedade perceber que ela pode ser um conjunto de
ações no qual a ampla vantagem de um significa a desvantagem do outro.
Vivemos como se aqui de fato fosse a terra da cocanha, na qual a abundância
é tanta que o ganho do outro não representa minha perda. Igualmente
relevante é a falta de legitimidade do estado como representante desse todo
de ações, digno de ser honrado por exemplo com os impostos que de fato
teríamos de pagar (e não aquele mínimo que conseguimos com omissões,
laranjas familiares e contabilidade criativa).

Não tenho estatísticas sobre a quantidade de brasileiros desonestos, mas
recentemente vi uma estimativa de uma fonte que creio ser confiável de que
a sonegação no Brasil supera em muito as perdas com a corrupção. Esta
estatística não especifica quantos e quem sonega, mas permite por exemplo
concluir que este mesmo povo que reclama da corrupção representa mais risco
para si mesmo do que os políticos que elegeram como o câncer da sociedade.
Em outras palavras, o conjunto das corrupções "do outro" entre nós mesmos
nos surrupia mais do que as corrupções "do outro" em relação ao nosso
conjunto, ou seja, a classe política.

Como observação subjetiva eu diria que sim, a grande maioria de nós cai no
rol dos corruptos quando o conceito de corrupto é trazido de volta à
realidade semântica. Dificilmente conhecemos um cidadão que não incorre em
nenhuma destas práticas, ou mesmo que perceba nelas qualquer falha de
caráter ou sinta algum dilema de consciência ao praticá-las. Não precisamos
falar de delitos pueris como furar fila (apesar do seu impacto social como
soft power): quem de nós não "emprestou" o nome para um parente colocar um
imóvel ou não alugou um na base do contratinho de gaveta? Quem de nós nunca
ligou pra um amigo que trabalha numa repartição pública para adiantar um
trâmite? Quem de nós denunciou estas práticas quando teve conhecimento
delas? Visto por este prisma, nossa sociedade tem os políticos que merece.



Em 13 de janeiro de 2016 12:23, Jorge Antunes <antunes em unb.br> escreveu:

> Colegas:
>
>
>
> O Professor Carlos Alberto Torres publicou, na lista da ADUnB, um
> excelente artigo sobre a Operação Lava-Jato, e sobre as tentativas de
> boicote e encerramento da operação, promovidas por autoridades e
> mandatários envolvidos com a corrupção.
>
>
>
> Seu texto começa com uma importante constatação:
>
> *“A sociedade brasileira, pouco a pouco, vai compreendendo quem são e como
> reagem os que temem a Operação Lava-Jato. Contra ela se levanta,
> tacitamente, uma poderosa “santa aliança", que é necessário reconhecer e
> denunciar.”*
>
>
>
> Ao final do artigo, revela desconfianças com relação à própria sociedade
> que, com seu silêncio, poderia estar demonstrando indiferença:
>
> *“**O que intentam *(os que são contra a Lava-Jato) *são “acordos por
> cima” para garantir a impunidade! Se isso acontecer, mais uma vez serão
> lesados os interesses dos brasileiros. Estaríamos cegos a isso? A sociedade
> estaria indefesa? Não creio, a não ser que, com o seu silêncio, ela queira
> participar, também, dessa conspiração!”*
>
>
>
> Pergunto eu:
>
>
>
> 1-    Será que a maioria da sociedade brasileira está realmente
> interessada no sucesso da Operação Lava Jato?
>
> 2-    Já foi feita pesquisa séria para se avaliar se, na sociedade
> brasileira, a quantidade de cidadãos honestos é maior que a quantidade de
> cidadãos desonestos?
>
> 3-    Por que razão existe uma crença tácita, de que a maioria do povo
> brasileiro é formada de pessoas honestas?
>
> 4-    Quem garante que não somos minoria, nós, os cidadãos brasileiros
> honestos?
>
>
>
> Ontem, 12 de janeiro, postei uma enquete no Facebook com a seguinte
> pergunta:
>
>
>
> *ENQUETE*
>
>
>
> * A ou B? Em sua opinião, qual parcela de cidadãos brasileiros é maioria?
> A- parcela de cidadãos honestos. B- parcela de cidadãos desonestos.*
>
>
>
> Até hoje, quarta-feira, dia 13, às 12h12min, o resultado estava assim:
>
> A- 4 votos
>
> B- 9 votos
>
>
>
> Triste e desesperançoso,
>
> cordialmente,
>
> Jorge Antunes
>
>
>
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