[ANPPOM-Lista] The Slow Professor

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Sex Set 2 12:31:59 BRT 2016


Não é possível aliar produtivismo acadêmico com excelência e brilhantismo

Livro de Maggie Berg e Barbara Seeber questiona a atual configuração das
universidades e o impacto de políticas neoliberais sobre a produção do
conhecimento, tanto sob a ótica do direcionamento da pesquisa a interesses
econômicos quanto dos processos de gerenciamento das próprias universidades.

Tamara Amoroso Gonçalves

Estudante de doutorado em Direito pela Universidade de Victoria, Canadá,
mestra em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo (USP) e advogada
graduada pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
Pesquisadora associada do Instituto Simone de Beauvoir (Universidade
Concordia, Canadá), integrante do CLADEM/Brasil, da Rede Mulher e Mídia e
do GEA (Grupo de Estudos sobre Aborto). Autora de diversas obras sobre
gênero e direitos humanos, dentre elas, Direitos humanos das mulheres e a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ed. Saraiva, 2013.

The Slow Professor: challenging the culture of speed in the Academy
Maggie Berg e Barbara K. Seeber
University of Toronto Press, Toronto, 2016

Em tempos de publish or perish, como fica a qualidade do trabalho
acadêmico? Que relações pessoais e profissionais estamos fomentando em um
ambiente de constante competição? A obra Slow Professor é leitura
recomendada para quem questiona em sua vida pessoal a lógica de não ter
tempo para nada (às vezes nem para se alimentar direito!) e de produzir sem
descanso – sempre com excelência, é claro. Mas será que isso é possível? É
possível produzir constantemente, com brilhantismo?

O livro questiona a atual configuração das universidades e o impacto de
políticas neoliberais sobre a produção do conhecimento – tanto sob a ótica
do direcionamento da pesquisa relacionado a interesses econômicos quanto no
que se refere aos processos adotados para gerenciamento das próprias
universidades.

Um dos temas centrais é a questão do tempo. Como o trabalho acadêmico
permite uma certa flexibilidade (ainda mais com o desenvolvimento de novas
tecnologias de comunicação e pesquisa online) e é um tipo de trabalho
contínuo, que dificilmente acaba quando se deixa o campus universitário, há
um verdadeiro transbordamento do trabalho para a vida pessoal, com o
crescimento de uma sensação de se estar trabalhando “o tempo todo”. Isso
gera uma angústia e um estado mental de exaustão que é, em essência,
contraprodutivo. O desenvolvimento de pesquisas, novas ideias e teorias
depende, essencialmente, de tempo de livre pensar; um tempo que está em
falta no modelo da atual estrutura universitária.

É feito o levantamento de uma vasta literatura e dados de pesquisa empírica
que demonstram um real adoecimento de professores, com a ampliação da
incidência de problemas relacionados à saúde mental que não são devidamente
reconhecidos e tratados e levam a cenários de burn out e, consequentemente,
perda do prazer em ensinar e queda da capacidade produtiva e criativa.

As autoras fazem referência ao processo de incorporação de princípios e
práticas neoliberais no âmbito universitário (surgimento das
McUniversities) em que principalmente dois fenômenos se combinam: i) um
aceleramento e mercantilização de todas as atividades, o que afeta o
conceito de qualidade acadêmica (“no standing still conception of
excellence” e “use of the consumer/student as surrogate surveillance
device”); e ii) o foco no indivíduo oferece uma falsa ideia de agenciamento
no contexto de uma crescente burocratização, sensação reforçada pela
valorização de um conceito de meritocracia focado apenas no esforço
individual, desconsiderando que a produção do conhecimento ocorre, de fato,
mediante trocas (de ideias, debates...).

Em vista desse cenário, sugere-se a adoção dos princípios do “Slow
movement”, preconizado por Carl Honoré. As autoras logo deixam claro que
“slow”(devagar), nesse caso, não se relaciona com a definição de um ritmo
de trabalho específico, mas sim com a possibilidade de se recuperar o
agenciamento e a autonomia, o agir com propósito, o permitir que
deliberações sejam feitas em meio a um diálogo consistente e em um ambiente
que promova uma resiliência emocional e intelectual. Para as autoras,
trazer o “Slow” para a academia é uma forma de se re-politicizar a
academia, revigorando a produção intelectual. Assim, ao invés de nos
perguntarmos o que está “errado” com os indivíduos, deveríamos questionar
os sistemas que impedem as pessoas de viverem de forma mais harmônica,
criativa e produtiva. Afinal, há de haver algo fundamentalmente errado em
um sistema em que as pessoas são constantemente estimuladas a se sentirem
culpadas por não estarem produzindo ou mesmo por estarem realizando
atividades corriqueiras e essenciais para a sobrevivência humana (comer,
dormir, lazer...). Esse tema é abordado em profundidade no primeiro
capítulo do livro, sobre administração do tempo e falta de tempo.

Questiona-se também o ambiente de expectativas irreais de trabalho que
impedem um fluxo de vida razoavelmente equilibrado, a ideia de que ser
multi-tarefas (multi-tasking) é algo bom ou efetivo e mesmo a excessiva
valorização do conceito de “ocupado” (busyness). Em revisão de obras que
apresentam sugestões para melhorar a organização do trabalho e otimizar o
tempo, observa-se que a maior parte das sugestões impõem um estilo de vida
pouco saudável e trabalham sempre na lógica da escassez de tempo. Esse
discurso de falta de tempo afetaria inclusive a própria percepção
individual sobre nossa capacidade de conciliar trabalho e vida pessoal.
Esse modelo de escassez contínua favorece o desenvolvimento de sentimentos
de culpa e autorrepreensão constantes, o que gera, na verdade, um ambiente
muito pouco propício ao desenvolvimento do pensamento crítico e criativo.
Inclusive, a pobreza intelectual também seria reflexo dessa dificuldade de
se ter tempo para pensar criativamente. Outros aspectos seriam a constante
pressão para se publicar mais e mais (aquela vozinha constante nas nossas
mentes que repetem incessantemente: “preciso de mais uma linha no meu
Lattes”), o acesso a fontes mais virtuais do que físicas (uso de
bibliotecas online que, se por um lado ampliam horizontes, por outro
limitam a possibilidade de se explorar referências menos óbvias) e a
percepção de que tempo ocioso é tempo perdido – quando na verdade é
essencial para garantir criatividade. Por fim, essa cultura centrada na
competição vem corroendo as relações interpessoais e, por consequência, o
próprio ambiente de trabalho, conforme mais profundamente explorado no
capítulo quatro da obra, sobre comunidade acadêmica.

Como alternativa, as autoras sugerem a incorporação dos princípios do
movimento “Slow” para revigorar as Universidades, o pensamento crítico e as
relações interpessoais. Lembrando que “Slow” nesse caso não se refere a um
ritmo específico, mas a um estilo de vida mais atento à organicidade da
vida, propõe-se o resgate do prazer em lecionar (capítulo dois, sobre
pedagogia e prazer) e a construção de pontes e parcerias reais entre
professores. Para o primeiro ponto, as autoras lembram que ensinar é uma
atividade extremamente prazerosa que se estabelece a partir de uma troca
entre alunos e professores. Aqui as autoras reforçam a necessidade de se
investir e manter cursos presenciais, na medida em que as potencialidades
de troca de conhecimento e interação são maiores quando há um encontro
presencial. Além disso, para que essa troca ocorra, é preciso que todos
estejam de fato presentes e inteiros naquele momento, sendo a escuta
fundamental, de ambos os lados; algo que parece ter sido profundamente
afetado pelas novas tecnologias (constante uso de aparelhos eletrônicos em
sala de aula, que permitem que alunos realizem diversas tarefas ao mesmo
tempo). Igualmente, é preciso revolucionar os discursos sobre tempo, para
que possamos mudar a forma como falamos de nós mesmos.

Nesse sentido, é preciso nos assenhorarmos do nosso tempo e nos permitirmos
ter uma vida pessoal, compreendendo que vida pessoal é fundamental para que
possamos produzir real conhecimento, fundado no pensamento crítico. Por
fim, as autoras enfatizam a necessidade de se refundar as parcerias entre
professores, na medida em que é a partir do diálogo e dessa relação de
interação que grandes pesquisas e ideias surgem. Elas destacam a
importância das conversas informais entre colegas de trabalho sobre suas
pesquisas e mesmo de parcerias. Indicam o próprio processo de escrita desse
livro, que começou a partir de uma conversa entre as duas professoras e
evoluiu para o desenvolvimento da obra conjunta (de forma extremamente
prazerosa, enfatizam). As relações de parcerias seriam importantes também
para apoiar e garantir a recuperação de frustrações profissionais,
combatendo o sentimento de solidão e isolamento que parecem crescentes no
meio acadêmico.

https://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/livros/nao-e-possivel-aliar-produtivismo-academico-com-excelencia-e-brilhantismo

-- 
carlos palombini, ph.d. (dunelm)
professor de musicologia ufmg
professor colaborador ppgm-unirio
www.proibidao.org
ufmg.academia.edu/CarlosPalombini <http://goo.gl/KMV98I>
www.researchgate.net/profile/Carlos_Palombini2
scholar.google.com.br/citations?user=YLmXN7AAAAAJ



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