[ANPPOM-Lista] chamada de trabalhos revistamúsica (USP)

Paulo de Tarso Camargo Cambraia Salles ptsalles em usp.br
Ter Set 25 18:18:02 BRT 2018


Prezadxs colegas da ANPPOM,

Venho divulgar a chamada de trabalhos para o Dossiê temático: Bicentenário
de Clara Schumann: a atuação e visibilidade da mulher na música
latino-americana. Edição coordenada por Eliana Monteiro da Silva.

revistamúsica, v. 19, n. 1 (julho de 2019)
data-limite para envio de trabalhos: 19/05/2019.
idiomas: português, espanhol ou inglês
https://www.revistas.usp.br/revistamusica/about/submissions

*No bicentenário de Clara Schumann (1819-2019), *

*uma reflexão sobre a atuação e a visibilidade das mulheres no âmbito da
música erudita latino-americana*



Eliana Monteiro da Silva

Editora convidada

            Clara Josephine Wieck, tornada Schumann pelo casamento com o
compositor romântico Robert Schumann, foi das poucas crianças-prodígio
que asseguraram fama e reconhecimento como virtuosas do piano por toda a
vida. Como compositora, porém, sua atuação não alcançou as mesmas
proporções, apesar de suas peças terem agradado não somente ao público,
mas, também, a grandes mestres de seu tempo – como Félix Mendelssohn,
Frédéric Chopin, Franz Liszt e Johannes Brahms, além de seu próprio marido
[1] <#_ftn1>. A insegurança relatada em seus diários, aliada à necessidade
de se sustentar e aos filhos após a viuvez - o que fazia com os rendimentos
dos concertos e não com a venda de suas partituras - explicam, em parte, o
pequeno número de composições de seu catálogo[2] <#_ftn2>. Mas estas não
são as principais causas do desencorajamento que inibe, ainda no século
XXI, as mulheres de adentrar o ramo da composição na chamada música
clássica ou erudita: a ausência de registro sobre a contribuição da maioria
delas ao repertório ocidental, seja em publicações, em gravações ou em
apresentações ao vivo, faz com que a composição feita por mulheres fique
restrita aos eventos temáticos, que raramente ultrapassam o mês de março,
dedicado ao Dia Internacional da Mulher. Sendo assim, a escassez de modelos
incide sobre as sucessivas gerações, transformando a profissionalização da
compositora num ato quase heroico e de pura militância. Entretanto, elas
persistem.

            A composição não é a única vertente em que as mulheres não se
veem representadas e estimuladas a se profissionalizar no campo musical. Da
docência universitária à regência, principalmente instrumental, é visível o
restrito número de musicistas do gênero feminino, embora tenha aumentado
nas últimas décadas. Na América Latina, o preconceito contra mulheres em
esferas de poder tende a ser maior, devido, por um lado, à presença de
religiões de cunho patriarcal, que defendem a imagem da mulher como “modelo
primordial da humanidade”[3] <#_ftn3>, cuja pureza não deve ser contaminada
por ambições fora da esfera doméstica e privada, e, por outro, pelo
colonialismo - que, em si, pressupõe hierarquias e protecionismos não só de
gênero como também de raça e classe. Vale dizer que, já em 1987, a França
lançava programas de inserção de mulheres na formação profissional e no
emprego (ORTIZ, *apud *MANASSEIN, 1995, p. 149)[4] <#_ftn4>, fato
praticamente ignorado pelos países do nosso continente.

            Inspirada pelo bicentenário de Clara Schumann, por pesquisas
como a realizada por Ashley Fure em 2016 para comemorar os 70 anos dos Cursos
de Férias de Darmstadt, na Alemanha - em que foi quantificada a presença de
mulheres em diversas áreas do evento nas edições anuais[5] <#_ftn5> -, por
encontros temáticos como “Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13º
Women’s Worlds Congress” (2017), “III Coloquio Ibermúsicas sobre
investigación musical: Música y mujer en Iberoamerica” (2017), “Simpósio A
produção musical e sonora de mulheres: reflexões sobre processos e práticas
a partir de uma perspectiva decolonial” (ANPPOM, 2018), entre outros, bem
como pela atuação de grupos militantes pela maior visibilidade da mulher na
música, tais como rede “Sonora - músicas e feminismos”, “Asociación mujeres
en la música”, “Feminoise Latinoamérica”, para citar alguns, a *Revista
Música* convida pesquisadoras e pesquisadores a submeter artigos para um
dossiê sobre conquistas e dificuldades da mulher na música de concerto da
América Latina, estendendo-se às demais formas de apresentação como arte
sonora, música eletroacústica, instalações e outras vertentes. Serão bem
vindas reflexões sobre aspectos específicos do protagonismo da mulher nos
diversos níveis do ensino de música, entre os quais sugerimos: 1) a
presença de obras compostas por mulheres em programas e repertórios de
conjuntos estáveis como coros e orquestras; 2) estudos qualitativos e
quantitativos sobre a produção musical de mulheres em contextos
determinados; 3) análises musicais de suas composições; 4) estilos mais
atraentes ao gênero feminino; 5) atuação das mulheres no registro
musicológico de suas pares; 6) mulheres musicistas no contexto racial e
social; 8) outros desdobramentos do tema principal. O recorte no panorama
da América Latina contribui também para o maior conhecimento da realidade
musical e cultural de nossos vizinhos e companheiros de história.

            Com esta iniciativa, a *Revista Música* se abre ainda mais à
diversidade e pluralidade que compõe a cultura ocidental, em especial a
latino-americana. Uma musicologia que ignora a produção de mulheres em
tantos países pode apenas apresentar uma versão parcial de sua história e
de seu patrimônio cultural, o que, a duzentos anos do nascimento de Clara
Schumann, é no mínimo inaceitável.



BIBLIOGRAFIA

MONTEIRO DA SILVA, Eliana Maria de Almeida. *Clara Schumann: compositora x
mulher de compositor.* Dissertação (Mestrado), 2008. São Paulo:
Universidade de São Paulo, 2008. Disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27158/tde-05072009-234006/pt-br.php.
Acesso em 13/9/2018.

MONTEIRO DA SILVA, Eliana. Música erudita e cognição social: assim se cria
um patrimônio universal. In: Rio de Janeiro: *Anais do VI SIMCAM*, 2010.
pp. 567 a 579.

______. *Clara Schumann: compositora x mulher de compositor. *São Paulo:
Ficções Editora, 2011.

______. Menina não entra? Reflexões sobre a hegemonia masculina na música
erudita ocidental. *In: Anais Eletrônicos do 13º Mundos de Mulheres &
Fazendo Gênero 11. *2017. Disponível em:
http://www.fazendogenero.ufsc.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=605. Acesso em
13/9/2018.

ORTIZ, Laure. Antilogie de l’égalité des chances. *In: *MANASSEIN, Michel
(Dir.). *De **l’égalité des sexes. *Paris: Centre National de Documentation
Pédagogique, 1995. pp. 147 a 166.

------------------------------

[1] <#_ftnref1> MONTEIRO DA SILVA, 2008, p. 9. Disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27158/tde-05072009-234006/pt-br.php.
Acesso em 13/9/2018.

[2] <#_ftnref2> Clara é autora de 24 opus e algumas peças sem numeração.
Para mais detalhes, vide MONTEIRO DA SILVA, 2011, pp. 62 a 65.

[3] <#_ftnref3> ROUSSEAU, *apud *MONTEIRO DA SILVA, 2010, p. 569.

[4] <#_ftnref4> “Sous l’impulsion du secrétariat d’État aux Droits des
femmes, de nombreux programmes ont été engagés, eux aussi à la charnière de
la formation et de l’emploi : programme expérimental d’insertion (7.000
femmes concernées en 1987), programmes locaux d’insertion pour les femmes
adultes de petit niveau de qualification, actions de formation pour les
mères isolées, bilan-formation pour les mères de familie, opérations
pilotes d’insertion des femmes dans les grands chantiers, comme en Savoie,
à l’occasion des Jeux Olympiques d’Albertville ».

[5] <#_ftnref5> “Em 2016, o Curso de Férias de Darmstadt, na Alemanha, fez
um movimento para avaliar os 70 anos de atividade do evento anual que
participou da mudança de paradigmas da música erudita no período pós
Segunda Guerra Mundial. Com apoio do Goethe Institute, arquivos dos cursos
foram examinados em busca daquilo que *não constava* das edições dos mesmos
– e não do que efetivamente constava. De olho nas estatísticas, Ashley Fure
montou uma tabela comparativa entre homens e mulheres segundo os itens
composições apresentadas, autores participantes, professores convidados e
prêmios oferecidos. E constatou o que já imaginava: entre os anos 1946 e
2014 apenas 7% das composições apresentadas eram da autoria de mulheres –
334 contra 4.750. Mesmo entre os compositores mais tocados e suas colegas
mais frequentes havia uma discrepância enorme. Enquanto John Cage teve 88
obras apresentadas, Younghi Pagh-Paan teve 18” (MONTEIRO DA SILVA, 2017).


*Paulo de Tarso Salles*
Professor Associado
*Departamento de Música ECA/USP*
http://www3.eca.usp.br/?q=node/230
*Coordenador do Simpósio Villa-Lobos (USP)*
http://9qtrmpbsu2v.webhostusp.sti.usp.br/
*Editor da Revista Música (USP)*
https://www.revistas.usp.br/revistamusica/issue/view/9223


Mais detalhes sobre a lista de discussão Anppom-L