[ANPPOM-Lista] SOS

Rodolfo Caesar rodolfo.caesar em gmail.com
Sexta Julho 12 12:30:15 -03 2024


Olás,

Que legal, Carlos, você e todas essas informações do legado do PS! E é,
para mim, motivo de alegria podermos estimular o interesse pelo conteúdo.
Adoraria se pudéssemos papear sobre tudo isso. Quem sabe, um dia você venha
até aqui no mato nos visitar!
Está para ser publicado, pela editora Numa, em agosto, um livrinho meu, no
qual homenageio Schaeffer da maneira como aprendi com ele: pondo tudo em
questão, inclusive o próprio. Homenagem presto ainda ao GRM, que, até com
carinho, me acolheu naquela época tormentosa dos Setenta. O GRM, assim como
o IVL do Reginaldo Carvalho, considero-os minha alma mater, também daí
minha gratidão imensa.
Ah, a andadura da 'allure': sempre preferi manter no francês, acreditando
que os poucos interessados poderiam formar a noção por si próprios. Mas é
do Silvio Ferraz a tradução definitiva: "é o Tchan", por razões que posso
explicar no privado.

Abraços!
Duda/Rodolfo

On Thu, Jul 11, 2024 at 6:05 PM Carlos Palombini <cpalombini em gmail.com>
wrote:

> Duda,
>
> Obrigado pela mensagem e pela questão das retratações de Schaeffer. Queria
> mesmo falar sobre isso.
>
> Sim, tenho as gravações em fita e em CD do Solfejo, bem como fotocópias do
> livreto dos LPs de 1967. Meu lamento era por esse trabalho não estar
> disponível na rede em seu idioma original. As traduções publicadas,
> primeiro em alemão e inglês, depois em inglês e espanhol, me parecem bem
> decepcionantes. Falo especialmente da inglesa, que incorre em falhas
> básicas de idiomatismo, para não falar de conceitos. Acho extraordinário
> que o GRM se permita lançar traduções com esse grau de amadorismo. Do GRM,
> aliás, como dizia Ismael Silva, 'nem é bom falar'. No prefácio da tradução
> inglesa do *Tratado*, 'The Treatise on Musical Objects and the GRM',
> Teruggi faz um escarcéu da tradução que o GRM achou para a *trame* de
> Schaeffer: *weft*. Em 1993, bem antes de 2017, portanto, eu havia
> traduzido trame por *thread*. Teruggi nem me cita nem se dá ao trabalho
> de explicar porque *thread* possa ser inadequado. Mas o GRM precisa levar
> a coisa adiante e vão levando. John Dack fez semelhante: em uma comunicação
> de algum congresso cuja memória nem a Internet guardou, ele gasta
> parágrafos para explicar como chegou, através de peripécias mil, a termos
> aos quais eu já havia chegado bem antes delr, sem me citar, naturalmente.
> Enfim, o problema é mais deles do que meu. Chamo isso de pseudo-erudição ou
> fake-scholarship.
>
> Isso me traz à memória um evento notável, a Anppom de outubro 1999 em
> Salvador, e de uma pessoa notável lá presente, Régis Duprat, que, por
> sinal, como lembra nossa colega Maria Alice Volpe, está de aniversário
> hoje. Em sua conferência, Duprat citou a ideia de que 'na música
> contemporânea cada obra define o sistema individual para seus propósitos
> estéticos' e atribuiu-a, 'salvo melhor juízo', a Ilza Nogueira. Não me
> contive e pedi a palavra ao final da palestra: 'Professor Duprat, o senhor
> me desculpe, mas essa ideia não é de Ilza Nogueira.' E ele: 'eu sei, é de
> Umberto Eco, está no livro tal, página tal!' Grande figura a do Professor
> Duprat, incapaz de colocar a política adiante da ciência! Tivesse-nos
> servido de exemplo! Ato contínuo, a Doutora Carole Gubernikoff alça a voz
> em protesto: 'Como o senhor fala em Musicologia brasileira e não cita a
> mim, não cita Carlos Palombini?' Queria enfiar-me embaixo da poltrona
> enquanto dizia: 'eu não conheço essa mulher!'. E la nave va, dispersar as
> cinzas de Edmea Tetua. Como se diz hoje em dia: 'Sigamos!'
>
> Vamos ao que interessa: as retratações de Schaeffer. Em 1983 ele publicou
> seu terceiro romance, *Prélude, choral et fugue*. O livro revive a fase
> mais dolorosa de sua existência: derrota militar, êxodo, Ocupação, Vichy,
> perda da primeira esposa (que ele jamais superou), exílio em Marselha,
> Resistência e Liberação. Jacqueline Schaeffer, psicanalista, com quem por
> um ano passei todos os meus domingos no apartamento da Rue des Petits
> Champs (entre o Palais Royal e o Palais Richelieu), me disse: em
> psicanálise se assume que rememorar seja um passo para a superação e a
> cura, porém foi diferente com Schaeffer, e o livro marcou o início de
> processo de declínio que levou ao mal de Alzheimer. A negação da música
> concreta é parte desse processo. Eu não o filiaria ao 'modernismo', ou,
> mais precisamente, ao que a crítica norte-americana chama hoje de
> alto-modernismo, cujos representantes exemplares seriam Boulez, Stockhausen
> e seus êmulos. O filiaria, sim, ao romantismo literário alemão e à ideia de
> música pura, que pode ser matriz desse alto-modernismo, mas dele não
> depende. Isso é dado fundamental de todo o trabalho dele e antecede em
> muito os anos de decadência. O Solfejo é, sem dúvida, um projeto falho
> enquanto sistema. Por isso mesmo, ano passado demos um curso, Adriana
> Facina, Igor Reyner e eu, chamado 'Descritores de Som para uso de
> Cientistas Sociais: Sistemas e Vocabulários', cuja ideia era separar os
> descritores de som do Solfejo e da Cantometria (de Lomax), a meu ver úteis,
> de seus sistema de pensamento falhos. A ideia de descritores me veio do
> estudo da degustação de vinhos, que também procura identificar e nomear
> percepções através de descritores.
>
> Por fim, algo *serendipitous* e, talvez, o mais interessante da história.
> Esta manhã, ao trabalhar num relatório de pesquisa, precisei de um
> substantivo que descrevesse o passo que me levaria em cerca de dez minutos
> do Bar do Lula, na esquina das Estradas do Atalaia e da Ititioca, em
> Pendotiba, até a Travessa Padre José Euger, 400 metros adiante, onde se
> inicia o Capim Melado. Pensei em flanar, mas esse verbo não dispõe de
> substantivo (flanagem?); pensei em 'passo de terceira-idade', mas achei
> gracioso em demasia. Ocorreu-me então procurar por uma classificação de
> trotes de cavalos, e descobri que cavalos têm não apenas andaduras como
> passo, trote, marcha e galope, mas também que existem pelo menos quatro
> trotes, segundo o Chat GPT: de trabalho, sentado, alongado e reunido. Vi os
> vídeos e pude constatar que essas andaduras são incrivelmente distintas
> umas das outras. Cheguei à conclusão de que que 400 metros de ladeira em
> dez minutos não caracterizariam trote, mas passo, e chamei meu passo na
> Ititioca de tranco: no tranco! O que tudo isso tem a ver com Schaeffer?
> Lembro que há anos atrás, em uma lista da qual há muito não participo, você
> propôs andadura para traduzir a *allure* de Schaeffer. Descobri hoje que
> você estava absolutamente certo: a equitação fornece um modelo altamente
> codificado de *allures*/andaduras.
>
> Abraços e obrigado pela paciência e atenção.
>
> Le mer. 10 juil. 2024 à 15:55, Rodolfo Caesar <rodolfo.caesar em gmail.com>
> a écrit :
>
> Que bom, o relançamento do SOS! Parabéns gerais!
>>
>


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