[ANPPOM-Lista] Repúdio à CPI da Alesp contra as universidades públicas

José Augusto Mannis jamannis em unicamp.br
Qua Maio 1 18:55:19 -03 2019


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Repúdio à CPI da Alesp contra as universidades públicas
https://www.change.org/p/cauemacris-al-sp-gov-br-repúdio-à-cpi-da-alesp-contra-as-universidades-públicas


Nós, professores e pesquisadores abaixo-assinados, reiteramos o nosso
repúdio ao propósito espúrio, inconstitucional e antidemocrático da CPI das
universidades públicas. Há já algum tempo corria a notícia de que os
deputados governistas da Alesp buscavam viabilizar uma CPI sobre os gastos
das Universidades públicas do Estado de São Paulo. Parecia estranho,
considerando o regime cada vez mais apertado em que vivem as Universidades
brasileiras, de que não são exceção as públicas paulistas –, mas não
inverossímil, dada a aberta hostilidade dos governos Bolsonaro e Doria
contra elas. A hostilidade chegou a ponto de o primeiro, há dias, ter
publicado que eram as universidades privadas que mais produziam pesquisa no
Brasil, o que contraria todos os dados conhecidos a respeito, os quais
creditam mais de 90% das pesquisas feitas no país às Universidades públicas
(ver, a propósito, o artigo de Sabine Righetti e Estevão Gamba, na Folha de
S. Paulo, de 23/04, onde se demonstra ainda que “USP, Unesp e Unicamp
produzem, sozinhas, um terço de toda a ciência feita nas 198 universidades
do país”).

Diante de uma posição tão deliberadamente destrutiva, já se podia esperar
que os ataques seguintes não conheceriam limites, muito menos os
estabelecidos pelos fatos, pela razão ou pela mais modesta sensatez –, três
fontes de saber notadamente desprezadas pelos dirigentes da “nova
política”, cuja novidade, em larga medida, é exatamente essa: a de negar
fatos, argumentos e ainda o simples bom-senso com a certeza de que não há
nada mais convincente do que a ignorância compartilhada.

Entretanto, o documento de aprovação da CPI que veio à tona por meio do
vice-líder do governo na Alesp, Wellington Moura (PRB), conseguiu
surpreender: para começar, era abertamente inconstitucional, já que,
desprovido de qualquer objetividade, não se dava ao trabalho de tipificar
crime ou irregularidade a ser investigada. Foi o caráter vago do documento
que fez com que a deputada Beth Sahão (PT), apresentasse mandado de
segurança já no dia 23/04 contra a abertura da CPI, já que não foram
apresentados os requisitos legais previstos que justificassem sua
existência, o que tornava a criação da comissão parlamentar de inquérito,
em suas palavras, “manifestamente ilegal”, apoiada em “fatos genéricos, não
determinados”, e, quando muito, “veiculados pela imprensa”, conforme se lê
na reportagem de Paulo Roberto Netto, em O Estado de S. Paulo, de 24 de
abril de 2019.

No entanto, se o documento dizia pouca ou nenhuma coisa, os deputados
diziam muito e bem diversamente em entrevistas em que justificavam a
criação da CPI. Por exemplo, em reportagem de Pedro Venceslau e Renata
Cafardo, de O Estado de S.Paulo, publicada em 22 de abril, revelava-se que
a “Assembleia Legislativa de São Paulo será palco de uma ofensiva da base
do governo João Doria (PSDB) com abertura de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito contra o que os deputados definem como ‘aparelhamento de
esquerda’ das universidades públicas paulistas e ‘gastos excessivos’ com
funcionários e professores”. No âmbito dessa ofensiva, não se cogitou saber
o que significasse o decreto do governo paulista de 1989, na gestão Orestes
Quércia, que decretou a “autonomia universitária” no estado, que
significava, na prática e no direito, o reconhecimento pelo Estado de
liberdade de cátedra, vale dizer, de gestão pedagógica de seus cursos,
disciplinas e pesquisas, como também de autonomia de gestão administrativa
e financeira de seus recursos materiais.

De acordo com o decreto – em vigor! –, cabe à Universidade, e apenas a ela,
cuidar do que julga procedente para a consecução dos seus objetivos-fins,
quais sejam, a produção do conhecimento e o incremento da pesquisa nacional
tendo em vista o crescimento intelectual e material do país. Foi o que
levou a reações imediatas como a do diretor da Faculdade de Direito da USP,
Prof. Floriano de Azevedo Marques, que afirmou que o decreto da “autonomia
universitária” implica em dizer que “a instituição conduz seus assuntos
acadêmicos e indica seus dirigentes”, cláusula que considera “absolutamente
impenetrável porque vem da Constituição”. De resto, os mesmos pontos foram
reafirmados pelo STF, no ano passado, quando aconteceram fatos lastimáveis
de invasões policiais a Universidades, sob os mais exorbitantes pretextos.

E se afrontar a Constituição é inadmissível num estado de direito, o que
dizer de uma comissão parlamentar que pretende fazer triagem ideológica dos
membros da comunidade universitária? Aqui, violenta-se a Constituição e
ainda a própria ideia de democracia, onde a liberdade de credos religiosos
e de convicções políticas é inalienável de cada cidadão pleno da república.
A ideia de reprimir cientistas e pensadores que fossem eventualmente “de
esquerda”, em si mesma, é repugnante e tem de ser repudiada – não pelos que
se consideram de esquerda, que, diga-se, nem de longe são maioria na
Universidade –, mas por todos que ainda prezam a força do ideal democrático
e republicano. Não é a esquerda que é atingida com uma aberração
parlamentar como essa, mas o próprio coração da democracia, pois se trata
de um ato de traição inaceitável por parte de representantes eleitos e
legítimos apenas enquanto vige a ideia de democracia.

A ameaça intimidadora e esdrúxula do deputado Wellington Moura de “analisar
como as questões ideológicas estão implicando no orçamento”[sic], dado
perceber “um predomínio da esquerda nas universidades” é tão ostensivamente
desinformada como ofensiva à mais singela ideia de cidadania numa república
democrática. O que ele imagina como “análise”? Pedir atestado ideológico
para saber se o dinheiro gasto com a pesquisa é adequado? O que ele pensa:
que os maiores cientistas e intelectuais do país farão ou não um trabalho
de pesquisa financeiramente justificado de acordo com o voto que deram na
última eleição? Que o médico que pesquisa o câncer, o físico que estuda o
neutrino ou o historiador ou o crítico literário que estudam história
cultural hão de gastar bem ou mal dependendo de ler a mesma cartilha
ideológica do governador ou de seus acólitos? Não há nada mais
absolutamente contrário à ideia de boa ciência do que a tentativa de
controlar politicamente os seus laboratórios ou os seus dados e estudos.
Tal propósito é, pela sua própria natureza, antidemocrático e fascistoide,
ainda que esconda o seu nome vergonhoso com a preocupação fiscalista ou de
gestão eficiente.

Que vergonha, o que propõe esta CPI fajuta da Alesp! Vergonha que não se
apagará nem mesmo que os resultados dela sejam – como devem ser – nulos! O
espúrio do gesto está consagrado definitivamente na tentativa impossível de
submeter a inteligência e a cultura, livres por natureza, à adoção de
qualquer ideário político, muito menos a um único ideário político. De
resto, tudo, nessa CPI, é miseravelmente falso. Dizem que vão investigar a
articulação da esquerda com os recursos, o que de si é uma preocupação
idiota, pois o que importa é apenas se a pesquisa é bem-feita ou não, mas
não é disso que realmente se trata. O que está por trás dessas caça às
bruxas é algo bem mais palpável que as ideologias de ocasião. O que os
deputados governistas desejam é o mesmo que já anunciaram vários dos
economistas do primeiro escalão do governo do Estado e do país: a
desvinculação das verbas destinadas à Educação para fazer o que bem
quiserem com ela. Investimentos que agradem ao todo-poderoso mercado,
possivelmente!

Pois o que está por trás dessa movimentação é o vil desejo de meter a mão
nos recursos cada vez mais estreitos das Universidades. Eis aí o resultado
mais esperado dessa CPI: ao cabo dela, lançando-se mão das parvoíces
ideológicas habituais, o que se pretende é justificar que permaneçam com o
governo os recursos que, constitucionalmente, estão obrigados a aplicar nas
Universidades. Eis tudo o que não está dito na falta de clareza da CPI. Eis
a sua obscenidade básica. Vão brandir o dedo contra o ateísmo e o
comunismo, enquanto fazem com o ensino universitário público mais forte do
país o mesmo que já assistimos acontecer com o ensino fundamental e médio
durante a ditadura militar.

Com a CPI, as forças “bolsodorianas” alojadas na Alesp dão um passo a mais
no projeto de desmonte da Universidade pública, em nome de um populismo
cego, tacanho, imediatista e suicida, pois é a ciência brasileira que
retrocederá, quando perder a autonomia. Se houver quem duvide basta acessar
quaisquer dados da produção científica universitária e de sua participação
na riqueza nacional desde o decreto da autonomia, em 1989. Diante desses
fatos, nós, professores e pesquisadores das Universidades abaixo-assinados,
reiteramos o nosso repúdio ao propósito espúrio, inconstitucional e
antidemocrático dessa CPI, que certamente prejudicará as Universidades, mas
que, antes disso, amesquinha o estado de São Paulo, a Alesp e cada um de
seus membros.


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