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eurides santos euridessantos em gmail.com
Segunda Março 1 09:48:10 -03 2021


MANIFESTO DAS PESSOAS NEGRAS CONTRA O RACISMO NOS CURSOS DE MÚSICA

A luta negra no Brasil e no mundo é uma luta por justiça e reparação
histórica. Nós pessoas negras - estudantes, docentes, compositoras/es,
performers, pesquisadoras/es, pesquisadas/os – nos posicionamos
publicamente contra o racismo institucional, estrutural e individual que
historicamente estabelece, estrutura e mantém os cursos de música no
Brasil sob o domínio de uma suposta excelência branca que resulta em
posturas supremacistas e que impedem a entrada de pessoas negras em postos
de maior prestígio no campo acadêmico musical. Também dificulta a
inserção de epistemologias musicais produzidas por pessoas negras nas
universidades ou fora delas. Essa realidade, que atravessou o colonialismo
e se sustenta na colonialidade, coloca as pessoas negras em uma perversa
condição de desvantagem em relação às pessoas brancas e não negras da
área musical.

Após mais de uma década da implementação das políticas de ações
afirmativas nas universidades públicas brasileiras notamos alguns
avanços, porém, percebemos que temos muito a caminhar.

As políticas de cotas possibilitaram o aumento da entrada de estudantes
negras/os ao longo destes anos, mas ainda existe uma demanda por
permanência desses corpos negros nas universidades do Brasil. Além disso,
as políticas de ingresso têm sido, por muitas vezes, sabotadas pelo
racismo nas suas diversas formas - estrutural, institucional e individual,
o que corrobora para o exercício da desigualdade social que assola a vida
das pessoas negras.

Mesmo diante do aumento de pessoas negras formadas nas graduações e pós-
graduações em música, notadamente, não houve uma transformação na
configuração dos corpos docentes dos cursos de música, que permanecem
majoritariamente formados por profissionais brancas/os e não negras/os.

Outrossim, as políticas afirmativas possibilitaram discussões sobre
relações étnico- raciais, porém, não trouxeram para os currículos de
música, de maneira efetiva, as epistemologias, metodologias e visões de
mundo produzidas pelas populações negras.

Em vista desta realidade, e para além da implementação do Estatuto da
Igualdade Racial (Lei 12.288/2010); de Ações Afirmativas em todos os
programas de Graduação (Lei 12.711/2012); e Pós-Graduação (Portaria
Normativa 13/2016); e Aplicação das Leis de Cotas no Serviço Público
(Lei 12.990/2014);

Nós Pessoas Negras da área musical nos manifestamos contra as diversas
formas de racismo nesse campo e reivindicamos

   1.

   A criação de um campo transversal de estudos da Música Negra
   Brasileira, afro-diaspórica e africana nos cursos de formação
   profissional e técnica, graduação e pós-graduação em música. Com
   investimento no desenvolvimento de um quadro teórico, epistemológico,
   artístico, prático para o avanço da etnomusicologia negra, musicologia
   negra, educação musical negra, composição negra, práticas
   interpretativas negras, entre outros subcampos que existem ou que venham a
   existir.
   2.

   A inclusão de repertórios de compositoras/es negras/os nas práticas
   de conjunto dos cursos de música;


   1.

   A implantação de projetos de extensão direcionados a estudantes
   negras/os com objetivo de contribuir, entre outros aspectos, para sua
   entrada nos cursos superiores de música; E projetos de iniciação
   científica com objetivo de contribuir, entre outros aspectos, para a
   entrada de pessoas negras nos cursos de pós-graduação em música;
   2.

   A aplicação da lei de cotas para pessoas negras nas orquestras e
   demais conjuntos musicais das instituições públicas;
   3.

   A aplicação da lei de cotas nos festivais e masterclasses realizados
   em instituições públicas, incluindo uma revisão nos critérios de
   inscrição que envolvem limite de idade, considerando que muitas/os jovens
   negras/os levam mais tempo integralizar a formação;
   4.

   A presença de docentes e estudantes negras/os nas comissões de
   formulação e reformulação dos currículos dos cursos de música, nos
   diversos níveis;
   5.

   A presença de docentes negras/os em comissões de concursos, em bancas
   de TCC, mestrado e doutorado;
   6.

   A inclusão de saberes acadêmicos produzidos pela intelectualidade
   negra nos editais de concursos, tanto nas referências bibliográficas
   quanto nos pontos a serem trabalhados nas provas;
   7.

   O fortalecimento e reformulação das políticas de permanência nos
   cursos de música das universidades públicas, incluindo a aquisição de
   instrumentos musicais para empréstimo e disponibilização de verba para
   manutenção;
   8.

   O apoio à criação de coletivos negros formados por alunas/os e
   ex-alunas/os dos departamentos de música das diferentes áreas, como
   espaço de interlocução e proposição de ações com vista a dar
   visibilidade, equidade aos saberes, pesquisas e trabalhos artísticos
   desenvolvidos pelos corpos discentes negros dos cursos de música.

   O combate aos racismos na música demanda o apoio, o compromisso e a
   mobilização de pessoas e lideranças antirracistas da área.

   O combate aos racismos na área da música pressupõe


   -

   Que cada estudante, docente e pesquisadora/or negra/o seja valorizada/o
   pela sua contribuição, pensamento, experiência pessoal e prática nos
   estudos em música desde que esteja alinhado com a luta antirracista, com o
   legado do pensamento político, social, cultural, filosófico, econômico e
   musical negro afro-diaspórico e africano; levando em consideração o
   legado das mulheres negras e sua produção de conhecimento em vastos
   campos e áreas de conhecimento;
   -

   Que a produção acadêmica negra, em alguma dimensão, reflita
   criticamente sobre o impacto do racismo, do sexismo, do machismo, das
   estruturas de opressão e dominação que afetam a comunidade negra local e
   global;
   -

   Que a produção acadêmica negra (artigos, dissertações, teses e
   demais textos) demonstre e desconstrua a cumplicidade histórica dos
   estudos em música com as estruturas hegemônicas euro-americanas
   centradas, nas diferentes subáreas, com vista a proporcionar mudanças no
   conhecimento científico da área musical, de forma a não deixar o
   contexto atual como dado, uma vez que a luta negra reflete décadas de
   história e organização contra a opressão;
   -

   Que a produção acadêmica negra incorpore os saberes e os
   conhecimentos musicais das comunidades negras rurais, urbanas e
   quilombolas, com vista a pluralizar o currículo de música com base na Lei
   10639/03 e na Lei No 11.645/08;


   -

   Que se identifiquem as causas e efeitos de opressão acadêmica às/aos
   estudantes negras/os e como isso afeta as suas vidas e suas produções
   intelectuais e acadêmicas;
   -

   Que haja mudança na perspectiva do ensino de música, deixando de ser
   um ajustamento de pessoas negras aos estudos de música, para tornar-se um
   ensino de empoderamento do legado cultural, musical, artístico e
   performativo negro.
   -

   Que haja um entendimento de música como algo muito mais complexo do que
   a arte de combinar os sons, entendendo a música como um lugar da memória
   e pela memória, bem como um fenômeno revelador dos modos de vida das
   pessoas negras, suas escolhas, potenciais, críticas, ambiguidades,
   conflitos sob a hegemonia de um sistema capitalista.
   -

   Que haja mudança na perspectiva do ensino de música, deixando de ser
   um treinamento prático individualizado, para se transformar em troca de
   saberes compartilhados entre estudantes negras/os e não negras/os de
   diferentes áreas, levando em conta as necessidades e dinâmicas do campo
   de estudo em música.
   -

   Que haja a proposição de um cardápio de alternativas epistemológicas
   inclusivas, democráticas e afirmativas, baseadas nas africanidades, nos
   valores civilizatórios afro- brasileiros, tendo como referência os
   congressos, fóruns e encontros de pesquisadoras/es negras/os bem como o
   trabalho dos movimentos sociais negros e seus coletivos;
   -

   Que se exija a aplicação das leis de cotas no serviço público, nas
   universidades e nos espaços de poder, com implementação de políticas de
   permanência que auxiliem a geração atual e as próximas nos estudos de
   música no Brasil, com vista a uma transformação social.

   O Coletivo Mwanamusiki é formado por pessoas negras pesquisadoras em
   música com o objetivo de atuar no combate aos racismos nos cursos de
   música do Brasil. Mwanamusik é uma palavra do idioma africano
Swahili (banto)
   que significa musicista independente do gênero.


Em seg., 1 de mar. de 2021 às 09:15, <anppom-l-bounces em listas.unicamp.br>
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>     Manifesto das pessoas negras contra o racismo nos cursos de música
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-- 
*Eurides de Souza Santos*.
Coordenadora do PPGM/UFPB
Universidade Federal da Paraíba.
Fone 83 999263560


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