[ANPPOM-Lista] artefilosofia: filosofia do som e do audível (chamada)

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Quarta Janeiro 26 18:28:25 -03 2022


FILOSOFIAS DO SOM E DO AUDÍVEL

Chamada para artigos — *ArteFilosofia*

Organizado por Igor Reyner (Unespar) e Jean-Pierre Caron (UFRJ)

Roberto Casati, Jérôme Dokic e Elvira Di Bona (2020) afirmam que o que
torna o som relevante para a filosofia é, não apenas sua centralidade em
relação à percepção, mas também o modo idiossincrático com que ele se
apresenta como matéria filosófica. Publicações recentes, tais como *An
Epistemology of Noise *(2018), de Cecile Malaspina, *Sound Objects*(2019),
editado por James A. Steintranger e Rey Chow, *The Hum of the World: A
Philosophy of Listening *(2019), de Lawrence Kramer, *Penser avec les
oreilles *(2020), de François Noudelmann, ou *Shattering Biopolitics:
Militant Listening and the Sound of Life* (2021), de Naomi Waltham-Smith,
sinalizam, de modo bastante heterogêneo, novos caminhos para as reflexões
sobre som e filosofia, ao mesmo tempo que reavaliam categorias sonoras já
consolidadas do ponto de vista filosófico, tais como o objeto sonoro ou o
ruído. A consolidação e expansão vertiginosa, nas duas últimas décadas, dos
Estudos do Som (*Sound Studies*) — isto é, dessa “febre nas ciências
humanas que toma o som como seu ponto analítico de partida ou chegada”
(Sterne, 2012) — bem como a elaboração do abrangente conceito de
*sonotropismo* (Scherzinger, 2012), ou seja, “a aspiração da filosofia à
condição de música”, evidenciam o potencial do som e suas formas clássicas
— a voz, a música, o ruído — de serem mobilizado como temas filosóficos.
Essas tendências evidenciam, ainda, o desejo de dar à sonoridade e à escuta
centralidade no campo da produção teórica.

Uma arqueologia dessa ambição nos remete ao termo grego *aisthesis*, cujo
significado perpassa múltiplas dimensões da sensibilidade humana e dos
sentidos. A depender do uso, *aisthesis* pode se relacionar, entre outras
coisas, aos órgãos dos sentidos ou faculdades perceptivas, à experiência da
percepção ou aos objetos dessa percepção. No contexto filosófico, seu uso
prevalente deriva-se de análises de Platão e Aristóteles que estabelecem
*aesthesis* como “uma cognição do particular que aparece sob uma forma
intuitiva [*gnôseis*]”.

A partir dessas reflexões inaugurais promovidas pela filosofia grega, o
termo assumiu papéis diversos em associação às posições teóricas dominantes
da cultura ocidental pré-moderna, desembocando, no século XVIII, na
cunhagem, por Alexander Baumgarten, do termo *Äesthetik*. Como ressalta
Marc Jimenez (2004), o termo estética passou, a partir do século XIX e
graças à sua ambiguidade etimológica, a delimitar um campo do conhecimento
voltado para questões do belo e da arte, ao mesmo tempo que a referir à
especialização do conhecimento, dos métodos e dos objetos relativos ao
sensível e ao sensorial. Contudo, o processo histórico de
institucionalização da estética como disciplina encurtou o campo estético,
que, paulatinamente, se tornou sinônimo de filosofia da arte. Nesse
processo, a dimensão material do conceito fundador, *aisthesis*, se viu
relegada às margens do pensamento estético, com a polissemia do termo
*estética*permanecendo, principalmente, enquanto resíduo histórico.

A formatação da disciplina filosofia da música reforça esse percurso que a
estética trilhou em direção a uma filosofia da arte. Por conseguinte, não
se tem ainda sistematizado uma “filosofia do som”, uma “filosofia
acústica”, uma “filosofia dos parâmetros auditivos” ou, finalmente, uma
“estética do audível”.

Ao longo da história da filosofia, entretanto, o som figurou nos mais
importantes debates, ainda que frequentemente à margem. De suma importância
para a ciência do século XVII, o som recebeu a atenção de Johannes Kepler,
René Descartes, Marin Mersenne, Claude Perrault e Isaac Newton, entre
outros. No século XVIII, Leonhard Euler tematizou a sensação da consonância
sonora que se escuta musicalmente e buscou uma razão matemática para o que
até então seria somente uma sensação, o que, segundo Peter Pesic (2014),
criou uma “estética matemática” que permaneceu inexplorada. Hermann von
Helmholtz, que está para a fisiologia como Euler, para a matemática,
integrou a ciência musical e a estética à física e à fisiologia acústica de
modo inovador e paradigmático em um trabalho pioneiro sobre o aparato
auditivo, a sensação sonora e os parâmetros dessa sensação. Na área da
psicologia Christian von Ehrenfels pôde extrair a sua principal tese,
expressa em seu conceito de “qualidade de forma” [*Gestaltqualitäten*], a
partir da diferenciação qualitativa entre a fenomenologia do som e da
música. E, finalmente, o romantismo alemão e a fenomenologia não se deram
sem a contemplação perspicaz do som.

Embora o último século tenha testemunhado a proliferação de discursos
filosóficos sobre o som e a escuta, uma disciplina nos moldes da filosofia
da arte ou da filosofia da música permanece à espera de uma sistematização.
Uma filosofia do audível requereria uma ampliação disciplinar no que tange
às fronteiras atualmente constituídas e consideraria as pesquisas
realizadas sobre o som em séculos passados. A atualidade desse “novo” campo
reflexivo, de caráter explicativo ou descritivo, ultrapassaria, sem
excluir, o objeto sonoro ou soante, o ruído, a voz e, principalmente, a
música, no intuito de alcançar a percepção e as experiências auditivas de
modalidade cruzadas (*crossmodal perceptions*), integrando-se, finalmente,
não apenas ao campo da filosofia da percepção, mas também aos da política e
da ética.

Acenando para o estabelecimento de um campo da filosofia do som e do
audível, gostaríamos de convidar autores a enviar contribuições que se
relacionem, mas sem necessariamente se aterem, a um dos seguintes tópicos:

   - O som no longo século XVII
   - Ressonância e iluminismo
   - Metafísica da escuta e romantismo alemão
   - Fisiologia acústica e estética
   - Fenomenologia da escuta
   - Filosofia da percepção e filosofia analítica: teorias proximais,
   mediais e distais do som
   - O inconsciente acústico
   - Objeto sonoro
   - O sujeito ouvinte
   - A acusmática como domínio filosófico
   - O audível (*the audible*)
   - Pensar com os ouvidos
   - Escuta e desconstrução
   - Som, escuta e biopolítica
   - Filosofia do ruído ou ontologia do ruído
   - Som e modalidades sensoriais cruzadas
   - Virtualidades sonoras, agregados sonoros e percepções emergentes
   - O som como informação e dado digital


https://periodicos.ufop.br/raf/announcement/view/269

-- 
Carlos Palombini, Ph.D. (Dunelm), 1993
Professor de Musicologia, EM-UFMG, 2002–
https://ufmg.academia.edu/CarlosPalombini


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