[ANPPOM-L] no meio do caminho tinha um rock

Jorge Antunes antunes em unb.br
Ter Dez 19 14:20:18 BRST 2006


Car em s colegas:

Gostaria de lhes apresentar algumas considerações referentes às últimas mensagens sobre o "curso de rock".

Em primeiro lugar quero manifestar meu contentamento com o fato de que o assunto despertou a lista de discussão da Anppom.
Infelizmente ela andou totalmente apagada, sem mensagens, sem conversas, sem troca de idéias, sem debate, sem discussão e, portanto, alimentando nosso tão triste e habitual distanciamento.
A lista existe para isto: nossa troca de idéias, contatos e debates. Então, o anunciado curso de rock acaba de dar sua primeira grande contribuição.

Em segundo lugar, gostaria de comentar aquelas mensagens opinativas, que diziam estar a Universidade sem sintonia com a realidade. Existem colegas que defendem a idéia de que a Universidade deve estar atenta às demandas do mercado. Eu, como socialista convicto, que sonho com uma sociedade futura de direitos e oportunidades iguais para todos, uma sociedade fraterna, solidária, penso justamente o contrário. Acho que a Universidade deve, sim,  estar atenta às demandas do mercado, mas de modo crítico, para não correr o risco de trazer o inimigo para dentro da barricada. Entendo que a Universidade deve ser uma trincheira de luta contra a má realidade externa, forjada na ganância do capitalismo e de empresários que fabricam demandas de modo a aumentar a competição, a disputa fratricida e a exploração do homem pelo homem, aumentando cada vez mais as desigualdades, à custa do embrutecimento do povo e da repressão de sua capacidade criativa. A banalização cultural e as "musicas" comerciais de rápido e fácil consumo fazem parte desse processo.
Digo que a Universidade não deve ser um supermercado. No Carrefour, quando existe uma forte demanda de yoghurt pelo público consumidor, seus proprietários enchem as prateleiras de yoghurt. A Universidade não pode ser assim. Nossas prateleiras não devem se encher de rap, hip hop, rock, samba, funk, techno, só porque o mercado apresenta grande demanda desses gêneros.
Devo esclarecer que nada tenho contra essas manifestações culturais. Pelo contrário, adoro samba, rap, hip hop, rock, funk, techno, quando eles são bem feitos. Mas a "academização" desses gêneros certamente mataria suas espontaneidades e belezas.
A totalidade dos rocks e roqueiros que conheço, e que fizeram e fazem bom rock, não estudou rock na Universidade. Pelo contrário, muitos deles estudaram música erudita na Universidade, ou outras áreas do conhecimento na Universidade, desembocando seus saberes, adquiridos na academia, na linguagem pop.
É preciso se convencer de que não é qualquer atividade que pode ou deve ou precisa ser aprendida na Universidade. Muitas delas podem e devem ser estudadas em outros lugares. Por exemplo, o corte e costura não precisa, ou não deve, ser estudado na Universidade. O bumba-meu-boi também não. Ao trabalhar com meu queridíssimo amigo Seu Teodoro, de 80 anos idade, no projeto Speculum Brasilis, aprendi mil saberes novos. Seu Teodoro é o maranhense criador e diretor do famoso bumba-meu-boi de Brasília. Para economizar grana, o boi que eu queria usar adotaria o tambor-onça, dois pandeiros, o puxador e apenas uma matraca. Seu Teodoro rebelou-se: "- Com uma matraca só, não dá a tonalidade!" Depois, experimentando, vi que ele tinha razão. Conclusão: a poliritmia e o politimbrismo do boi do Seu Teodoro, com duas matracas, com sua "tonalidade" perfeita, casou maravilhosamente com a atonalidade de meus sons eletrônicos.
Existem saberes que não podem correr o risco de serem contaminados pelos virus acadêmicos, porque correriam o risco de se transmutarem, se deformarem.
Abraços para tod em s, com votos de boas festas.
Jorge Antunes





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