Re: [ANPPOM-L] e a inclusão universitária?

Rubens Ricciardi rrrr em usp.br
Qui Dez 21 14:14:21 BRST 2006


meus caros colegas da ANPPOM,

segue um texto abaixo que publiquei na Gazeta de Ribeirão há alguns meses, eu procuro levantar o problema da confusão que se faz entre o universo musical popular e o que poderíamos talvez chamar provisoriamente de universo de entretenimento (o que os alemães já há muito tempo chamam de "Unterhaltungsmusik", pois a Volksmusik deles já morreu há mais de 100 anos, mas como a nossa só está morrendo agora, ainda não lidamos bem com a situação),

abraços a todos e feliz 2007!

Rubens Ricciardi - USP de Ribeirão Preto

Os dois filhos de Francisco e o filho de Francisco

 

Prof. Rubens Ricciardi (ECA-USP)

 

Recordemos dois fatos musicais de 2005: o filme Os dois filhos de Francisco e o concerto do violinista Luiz Filipe Coelho, solista da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto. O que há de comum entre eles? Não só os cantores do filme como Luiz Filipe também é filho de um Francisco (seu pai se chama Chico Coelho). E as afinidades param por aí. O filme foi divulgado pelos meios de comunicação, obtendo platéias repletas nos cinemas não só de Ribeirão como de todo o Brasil. Já a repercussão do concerto de Luiz Filipe - ele interpretou magistralmente o Concerto para violino de Brahms - restringiu-se ao privilegiado público presente ao Theatro Pedro II naquela bela noite. Mas será que o abismo entre os níveis quantitativos de recepção da performance de Luiz Filipe e da dupla (sei lá o que, "sertaneja"?) retrata de fato a relevância artística de ambos? Digamos que há uma distorção evidente. Só analisando o fenômeno ideológico - distorção por excelência - é que entenderemos o paradoxo. Trata-se de uma entre as mais agressivas ideologias: a indústria cultural e sua comercialização de fonogramas descartáveis. É o assim chamado "universo musical de entretenimento". Não é a criatividade deste ou daquele "artista" - eis o engodo do filme! - que movimenta esta indústria, mas sim o marketing, calculando-se previamente as vendas e a renovação dos "produtos". Daí a condição de efemeridade ser também essencial ao sucesso comercial desta indústria. Hanns Eisler (1898-1962), compositor alemão, afirmava que "a indústria de entretenimento faz de povos de todos os continentes verdadeiros analfabetos musicais". Há muita verdade nisso. No Brasil, a distorção se torna ainda maior, pois se confunde ainda "entretenimento" com "popular". A essência da nossa já há muito moribunda música popular era outra. Lembremos do frevo, maracatu, samba, samba-canção, samba-enredo de carnaval, ponteio, chorinho, bossa-nova, moda de viola, das velhas duplas caipiras etc. Ao contrário de Pixinguinha, Noel Rosa, Tom Jobim ou Chico Buarque, repertórios iguais a destes filhos de Francisco existem em qualquer parte do mundo, do México à Austrália. São produtos ilustrados com eventuais simulacros locais - basta lembrarmos das paisagens de Goiás com cenas rurais típicas no filme. Aliás, faz parte deste marketing difundir gêneros como o rock, funk, hip-hop ou rap, impreterivelmente produzidos por indústrias multinacionais que aniquilam as manifestações verdadeiramente populares em todos os países, mas estrategicamente lançados no idioma local, por "artistas" locais. E, por fim, o jabá vai garantindo a homogeneidade do entretenimento irracional nas rádios: uma verdadeira paródia corrupta de um coletivismo nivelado por baixo. Sérgio Rouanet esclarece a questão: "a inteligência não tem pátria, mas a debilidade mental deveria ter - é ela, e não a inteligência, que deve ser considerada estrangeira, mesmo que suas credenciais de brasilidade sejam indiscutíveis". É por isso que o Brahms de Luiz Filipe é tão relevante para o Brasil como se tivesse nascido em Pirenópolis, e Zezé de Camargo e Luciano são tão irrelevantes como se tivessem nascido no Pólo Sul. Mas ainda são estes filhos de Francisco (exemplos do kitsch e lixo industrial da cultura de massa) que fazem sucesso. E o outro filho do outro Francisco, Luiz Filipe, músico de talento raro, não foi motivo para notícia, quase passou desapercebido, não obstante sua superior virtuosidade e competência, intérprete de uma grande arte que fundamenta a história.


  ----- Original Message ----- 
  From: Jorge Antunes 
  To: anppom-l em iar.unicamp.br 
  Sent: Thursday, December 21, 2006 12:26 PM
  Subject: Re: [ANPPOM-L] e a inclusão universitária?


  Caro Luiz Otávio: 
  Obrigado. 
  Retribuo votos de boas festas e um 2007 cheio de alegrias e sucessos. 
  Abraço, 
  Jorge Antunes 
    
    

  Luiz Otávio wrote: 

    Concordo amplamente com a tua posição!Prof. Luiz Otávio BragaInstituto Villa-Lobos/UNIRIOE FELIZ NATAL; FELIZ 2007 
      ----- Original Message -----
      From: Jorge Antunes
      To: Farlley Jorge Derze
      Cc: anppom-l em iar.unicamp.br ; etravas em alternex.com.br ; nanazeh em gmx.de ; nana em rio-production.de ; araujo.samuel em gmail.com ; mariafuturo em terra.com.br
      Sent: Wednesday, December 20, 2006 10:11 PM
      Subject: Re: [ANPPOM-L] e a inclusão universitária?
       Caros Farlley e Wolff: 
      Gostaria de esclarecer alguns pontos de meu pensamento. 
      O Wollf diz: 
      "Portanto, se quisermos continuar fiéis ao ideário socialista, é preciso refletir sobre os motivos pelos quais alguns saberes têm estado na universidade, ocupando uma posição privilegiada e outros ainda "não podem estar"... por que não o rock? ou a música sertaneja ou o jazz/ blues? ou a música de outros povos (africanos. japoneses, indianos, balineses)? e por que não os saberes do seu Teodoro e de outros tantos mestres?" 

      Não acho que ocupa posição privilegiada o saber que está na Universidade. 
      A música eletroacústica está na Universidade e não tem qualquer privilégio. O mesmo acontece com o piano, o violino, a composição musical, etc. Estes cursos não têm qualquer privilério na sociedade. 
      O quê é privilégio? 
      O teclado Yamaha tem mais privilégios que o piano de cauda. 
      O compositor de música popular tem mais privilégios que o de música erudita. 
      Acho que privilegiados estão o rock, o funk, a música "sertaneja" comercial que, graças ao jabá pago por multinacionais do disco, estão no rádio, na TV, nas prateleiras das lojas de disco, no Domingão do Faustão, nas novelas, na boca do povo, no Programa do Gugu, etc. 
      Quando me digo socialista, não estou dizendo que sonho com um futuro em que todos os saberes estarão na Universidade. 
      É infantilidade pretender formar brincantes ou compositores de maracatu na Universidade. O máximo que se deve fazer, e isso já se faz, é estudar o maracatu em disciplinas tais como etnomusicologia, folclore, dança, sociologia, culturas de tradição oral, etc. 
      O lema socialista que adoto é: "De cada um conforme suas capacidades, para cada um conforme suas necessidades". 
      Sonho com um futuro em que todos os trabalhadores, sejam eles compositores, camponeses, cientistas, repentistas, brincantes, artistas circenses, comerciários, lixeiros, poetas, economistas, sociólogos, pianistas, etc, façam seus trabalhos com prazer, qualidade e amor, sendo igualmente remunerados de modo a terem, todos, vidas dignas. 
      É só isso. 
      Não dá para formar roqueiros na Universidade. Dá, sim, para oferecer ao jovem que se interessa pelo rock, ou pelo samba, ou pelo chorinho, ou pela música eletrônica pop, um bom período de vida acadêmica na Universidade, para que ele, ao final, faça a arte de que gosta, munido de um lastro de conhecimentos vasto para produzir arte de qualidade. 
      Tenho exemplos paradigmais dessa experiência. Cito um: Hamilton de Holanda. Este gênio do bandolim e do chorinho foi meu aluno na UnB. Formou-se em composição musical. Fez comigo os três semestres de contraponto. No total trabalhou seriamente as cinco espécies a quatro vozes, o misto, o contraponto a dois coros (oito vozes) e a fuga. Ele concluiu a fuga com magnífico trabalho: uma fuga-choro. Outro exemplo: Roberto Corrêa. Este fez Física e, em seguida, composição musical. Hoje é compositor virtuose da viola caipira e pesquisador importante de nosso folclore. 
      É preciso que os saberes de tradição oral, continuem com tradição oral. 
      Nos anos 40 e 50 alguns folcloristas equivocados e, por isso, criminosos, chegaram ao ponto de passar para o papel pautado, com notinhas do sistema tonal, "melodias" dos pregões de rua, de aboios, etc. Essa conta de chegar acadêmica e erudita foi criminosa, porque a escrita mata os melismas, os quartos de tom, os sextos de tom, que aqueles cantos têm. 
      Por enquanto basta. 
      Continuemos com nossas reflexões e troca de idéias. Nada é definitivo em minha cabeça. Não sou dono da verdade. 
      Abraço, 
      Jorge Antunes 
        
        
        
        
        
        

      Farlley Jorge Derze wrote: 

        Prezado colegas, na garupa de Wolff e Antunes, complementaria sobre o foi 
        colocado: 
        "Portanto, se quisermos continuar fiéis ao ideário socialista, é preciso 
        refletir sobre os motivos pelos quais alguns saberes têm estado na 
        universidade, ocupando uma posição privilegiada e outros ainda "não podem 
        estar"... por que não o rock? ou a música sertaneja ou o jazz/ blues? ou a 
        música de outros povos (africanos. japoneses, indianos, balineses)? e por que 
        não os saberes do seu Teodoro e de outros tantos mestres?" 

        ... conforme a preocupação trazida, o desafio talvez resida em ter que se lidar 
        com a raiz histórica de como os currículos foram construídos e consolidados na 
        grade universitária, isto é, no que tange às razões de estarem lá estes ou 
        aqueles conteúdos. Entretanto, o processo de consolidação parece ter se 
        resultado no que poderiamos considerar como "uma sistematização" da prática 
        ensino/aprendizagem universitária, e o que isso abarca: avaliação, menções, 
        resultados, critérios "x", "y", "z"... assim, que 
        saberes/conhecimentos/critérios poderiam ser considerados em um "processo de 
        sistematização do conhecimento" sobre rock,jazz, música de outros povos, para 
        que tais conhecimentos transitem ou se figurem na prática docente/discente 
        universitária? Não pergunto como se estivesse questionando o valor da inserção 
        de tais saberes na "grade" universitária. Longe disso ! Pergunto com o tom de 
        preocupação de quem não conseguiu localizar uma referência anterior que pudesse 
        oferecer um caminho para que o ideário socialista que Antunes coloca, se 
        desenvolvesse, se consolidasse. Salvo falha em minha interpretação, uma 
        Universidade aberta a todos (pessoas/gêneros musicais) sem abdicar de sua 
        função crítica ! 

        Percebo, neste espaço de discussões, que estamos tentando remover os obstáculos 
        que limitam, provisoriamente, o alcance de um consenso em favor da inserção do 
        patrimônio musical acumulado, na Universidade. 

        As argumentações que estamos negociando, Wolff, Antunes, Silvio, Sekeff, 
        Mannis, Mauricio, Palombini, Marcos Filhos, Lilia Rosa, onde ora a nota (o som) 
        vem em uníssono, ora vem em "cluster", é o azeite da maquinaria crítica e 
        questionadora, que promove o crescimento individual pela mútua participação de 
        todos. Eu tenho crescido muito com a oportunidade de negociar/trocar/tocar com 
        todos vocês. 

        Farlley Derze


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