[ANPPOM-L] Charles Baudelaire e o vanguardismo retrógrado

carlos palombini palombini em terra.com.br
Qui Ago 2 23:55:11 BRT 2007


Acredito em algumas vanguardas, mas desconfio muito de outras. 
Sobretudo, desconfio de vanguardas artísticas que vociferam seu direito 
de serem sustentadas pelo estado (i.e. pelo contribuinte, que sou eu) e, 
na falta de tal sustento, atacam o governo vigente, seja este qual for.


> Existe um oceano de coisas distintas, que não são distintas aos olhos 
> e aos ouvidos de leigos, de surdos, de musicólogos, de cegos e de 
> críticos musicais da grande imprensa. Esse oceano é chamado de 
> pós-modernismo.
>

Existem idéias nebulosas que gradualmente configuram um fato novo. 
"Pós-modernismo" pode ser uma destas. A possibilidade de que isto 
aconteça foi demonstrada por Thomas Kuhn, filósofo da ciência, em 1962, 
no livro _The Structure of Scientific Revolutions_.

> Existe uma parte desse oceano que é formada por compositores 
> /soi-disant /pós-modernos, mas que não passam de neoclássicos 
> envergonhados que tentam tapar o sol com a peneira. Aproveitando-se da 
> ignorância perceptiva e estética de incautos, alguns conseguem, apesar 
> do sol escaldante, fazer sombra com a peneira.
>

Aproveitar-se da ignorância perceptiva e estética de incautos não é, 
absolutamente, apanágio dos compositores pós-modernos.

> Existe outra parte formada por compositores viciados ou recém-viciados 
> no ópio do povo (religião), que, em busca de uma hipotética e falsa 
> êxtase espiritual das esferas, aderem à retaguarda, alardeando uma 
> mentira: o fim das vanguardas.
> Em verdade vos digo que a História não acabou e que a Vanguarda não 
> acabou.
>
Que a história enquanto disciplina não tenha acabado é evidente. Não 
acabou porque soube reconsiderar suas premissas e objetivos em vista de 
novos paradigmas (homenagem a Kuhn) narrativos.

No que diz respeito a vanguardas e retaguardas, Baudelaire discordou de 
você há um século e meio, quando a idéia de uma vanguarda artística 
nascia ainda. Veja o que ele escreveu em meados do século XIX, num livro 
extraordinário chamado _Mon coeur mis a nu_.

XXIII

Do amor, da predileção dos franceses pelas metáforas militares. Toda a 
metáfora aqui usa bigodes.

Literatura militante.
Estar pronto para a luta.
Carregar alta a bandeira.
Segurar a bandeira alto e firme.
Jogar-se na batalha.
Um dos veteranos.

Todas estas fraseologias gloriosas aplicam-se geralmente a pernósticos e 
moscas de bar.

***

Metáforas francesas

Soldado da imprensa judicial (Bertin).
A imprensa militante.

***

Para acrescentar às metáforas francesas:

Os poetas de combate.
Os literatos de vanguarda.
Estes hábitos de metáforas militares denotam espíritos, não militantes, 
mas feitos para a disciplina, isto é, para a conformidade, espíritos 
nascidos domésticos, espíritos belgas, que só podem pensar em sociedade.

-- 
carlos palombini (dr p)
professor adjunto de musicologia
universidade federal de minas gerais
<cpalombini em gmail.com>

“Revolucionário será quem possa revolucionar-se” (Ludwig Wittgenstein, Vermischte Bemerkungen)




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