[ANPPOM-L] sobre CDs independentes (era Lista de CDs)

carlos palombini palombini em terra.com.br
Qui Ago 23 22:30:21 BRT 2007


Carlos,

Fiquei pensando se poderia colaborar, mas esbarrei no problema de 
entender o que sejam "CDs independentes". Esta designação me parece tão 
carregada de conotações (ou mesmo denotações) ideológicas! Num universo 
fonográfico extraordinariamente segmentado, que parece ter desenvolvido 
tantos nichos de produção e distribuição à margem dos três ou quatro 
grandes coglomerados, a idéia de um "CD independente" me leva de volta 
ao passado. Tenho convivido regularmente com a cena de produção musical 
popular belo-horizontina e acho interessante observar que o rótulo "CD 
independente" não parece muito relevante para as partes destes segmentos 
nas quais estou mais interessado.

Há aqui um produção significativa de música eletrônica experimental que 
tem poucos locais de execução e um público local restrito, mas é 
reconhecida nacional e, sobretudo, internacionalmente. Dois dos três ou 
quatro grupos principais (sou fã de um deles) gravaram pelo selo alemão 
Gigolo Records, o que equivaleria, para um músico "erudito" --- devo 
frisar, todos os artista que conheço desta vertente tem formação 
superior e são particularmente bem informados --- a ser um artista da 
Deustche Gramophon nos anos 70. A idéia de gravar pela EMI, a Sony ou a 
BMG não lhes passa pela cabeça, a não ser com ironia. A consagração 
desta música, cujo valor simbólico está associado a sua visibilidade 
restrita na grande mídia, se realiza plenamente no lançamento por um 
selo especializado alemão e um fã clube seleto que se estende de 
Florianópolis a Moscou. A NYU consideraria o álbum que o Digitaria 
lançou pela Gigolo Records no ano passado um "CD independente de música 
brasileira"?

Há um segmento da produção local para o qual o rótulo "CD independente"  
carrega um enorme valor simbólico. O hip-hop brasileiro desenvolveu um 
discurso de denúncia que nem sempre soa muito diferente da canção de 
protesto dos anos 60-70 (e, a meus ouvidos, raramente mais convincente). 
Este discurso é supostamente muito conscientizado e, sobretudo, 
conscientizante, mas, freqüentemente, quase religioso em sua orientação 
para o dogma (os 4 elementos) e os mistérios (o quinto elemento e 
infindáveis e circulares exegeses acerca de seu verdadeiro significado). 
Aqui sim, o termo CD independente brasileiro adquire toda a sua força, é 
um valor desta cultura. Ter um CD independente significa mostrar que 
somos discriminados (o que é um eixo desta cultura) e que estamos 
lutando contra esta discriminação e mostrando nossos valores (reais ou 
dramatizados) para uma sociedade que vai aprender a nos entender (e um 
dia, talvez, nos incorpore) à força (e ao preço, alto) de nossa 
virtuosidade verbal e manual (nas pick-ups). Porque este grupo é 
verbalmente bem articulado, estes CDs independentes existem.

Quanto aos funkeiros ("cariocas") locais (i.e. belo-horizontinos), acho 
que tudo o que eles queriam é serem lançados por uma grande gravadora, 
mas terminam, em troca do sonho da popularidade, impiedosamente 
explorados por produtores de equipes que detêm o meios de produção e 
circulação, mesmo que suas origens sejam as mesmas dos artistas --- um 
cenário macabro de exploração do explorado pelo explorado, análogo às 
guerras intestinas entre facções. Para eles, um "CD independente" é 
tanto um sonho quanto um pis-aller. Sentir-se-ão recompensados se 
descobrirem que suas gravações chegaram às estantes improvisadas dos 
camelôs irregulares.

Isto tudo é só pra perguntar: o que é um CD independente de música 
brasileira para a NYU?

Um abraço,

Carlos

Carlos Sandroni escreveu:
> A Biblioteca da New York University está interessada em mapear CDs 
> independentes de música brasileira para eventual compra. Quem tiver 
> indicações a fazer, com as devidas referências para encontrar, por 
> favor mande um email para:




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