[ANPPOM-L] Plágio

Jorge Antunes antunes em unb.br
Ter Dez 11 12:51:52 BRST 2007


Cara Márcia:

Sou do tempo em que as titulações (mestrado e doutorado) não resultavam em aumentos salariais ou outras vantagens.
Fiz meu doutorado em 1976. Salvo engano, foi o primeiro doutoramento em música de brasileiro. Logo em seguida o José Maria Neves terminou o dele. Na época nem existiam bolsas do CNPq. Ambos fizemos tudo com bolsas do governo francês. Quando voltei à UnB e mostrei minha tese de 664 páginas (Son nouveau, nouvelle notation) ao chefe do departamento (Moisés Mandel), ele me disse: -Pra que serve isso? Tem gente pra tudo!
Naquela época os jovens pesquisadores tinham um projeto de pesquisa, uma tese a ser demonstrada, e então buscavam, como saída para a ansiedade de desenvolver o trabalho, o mestrado e o doutorado.
Depois que surgiram os aumentos salariais para os que têm titulações, e a obrigatoriedade destas para o ingresso na carreira acadêmica, começou a busca desenfreada, às vezes cega e irresponsável, de se fazer um mestrado e um doutorado a todo custo.
Começou então uma nova fase, bem surrealista. O graduado mete na cabeça que tem que fazer o mestrado e o doutorado de qualquer maneira. Não importa em qual área. Não importa em qual tema.
Resumindo, antigamente tinha-se uma idéia, um tema, um projeto de tese, e buscava-se o curso pós-graduado na área do tema, com o orientador especialista.
Hoje, começa-se com a peculiaridade de não se ter idéia alguma, projeto nenhum. Busca-se um orientador. Alinhava-se um projeto, com conteúdo que se encaixe no curso, que se encaixe no perfil do orientador desejado. Ao se entrar no curso, muda-se o projeto.
A busca desesperada da titulação faz com que, por exemplo, ao invés de fazerem doutorado em Música, músicos façam doutorado em Sociologia, Antropologia, Arquitetura e outras áreas.
Enfim, para mim, esse jovem que te plagiou, e que alega ter vivido, no momento da feitura da tese, uma "instabilidade emocional", é mais uma vítima da conjuntura cruel que promete emprego somente a quem tem titulação. Pior, abre a possibilidade a carreira acadêmica a qualquer um que tenha a titulação, pouco se importanto sobre como e onde ela foi alcançada. Basta ter o diploma.
Códigos de ética profissional existem para serem cumpridos pelos profissionais. Muitos jovens mestrandos e doutorandos ainda não são profissionais. Muitos ainda são apenas estudantes recém-graduados que começam a, desesperadamente, buscar titulação pós-graduada. E aí, vale tudo para o pobre desorientado. Para ele vale copiar, vale plagiar, vale fazer o já feito com outro discurso, vale repetir idéias já reveladas mas pouco ou nada conhecidas pela comunidade. Para disfarçar essas estratégias, basta fazer um monte de citações de autores famosos.
Enfim, acima eu usei a expressão "pobre desorientado", porque eu penso que o grande culpado do plágio que você relata não é o plagiador. Este já reconheceu o erro, alegou problemas psicológicos, se desculpou e, parece, vai refazer o trabalho, dessa vez citando a fonte do texto surrupiado.
Para mim o grande vilão dessa história é o "Orientador" do rapaz. Este sim é o profissional que deve respeitar, e fazer ser respeitado, o código de ética. É ele quem deveria ser punido. Está evidente que o "orientador" não orientou coisíssima nenhuma. Não quero afirmar que o orientador devesse conhecer o teu texto e, assim, identificar o plágio durante a orientação. Quero apenas dizer que um "orientador" deve acompanhar passo a passo a pesquisa, a bibliografia, e até mesmo a redação de cada parágrafo e capítulo. Quando esse trabalho é desenvolvido criteriosamente pelo orientador, ele é capaz de reconhecer estilos de escrita e, assim, pelo menos, desconfiar de textos escritos por autores diferentes que, é óbvio, terão sempre estilos diferentes.
Abraço,
Jorge Antunes

PS. Talvez essas minhas colocações acima sejam bem polêmicas, podendo encontrar, na Anppom, opositores radicais. Mas abro-me em reflexões próprias, sinceras, de experiência de vida acadêmica, para tentar contribuir com o debate, desde já dizendo que não me considero dono da verdade e que estou aberto a revisões de minhas convicções.





Marcia Taborda wrote:

> Agradeço a todos pelas mensagens.
>
> Acho que o mais importante no momento
> será a revitalização dessa comissão e o desenvolvimento  junto à ANPPOM de
> um código de ética,
> que possa nos amparar em casos semelhantes; uma tomada de atitude
> institucional;
> Abraço,
>
> Marcia Taborda
>
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