[ANPPOM-L] FWD: TRADI ÇÃ O E RUPTURA - John Corigliano e a m ú sica do presentepor Matheus G. Bitondi

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Sex Jul 20 12:43:08 BRT 2007


Revista Trópico online

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TRADIÇÃO E RUPTURA

John Corigliano e a música do presente

Por Matheus G. Bitondi

O compositor americano, um dos mais ilustres do pós-modernismo, esteve em
São Paulo para palestras e concerto

A uma pequena peça com caráter de abertura, escrita em linguagem mais
tradicional e que denunciava a influência de Aaron Copland, seguia-se um
concerto para clarinete de execução dificílima, linguagem contemporânea e
orquestração inusual. Para encerrar, uma grandiosa sinfonia, que mesclava
estas duas linguagens e acrescentava pitadas de um romantismo mahleriano.

Assim foi o programa do concerto da Orquestra Sinfônica do Estado de São
Paulo, na última noite do mês de maio na Sala São Paulo. Curioso, no
entanto, era observar que estas três obras tão díspares haviam sido escritas
por um mesmo compositor: John Corigliano. Também presente no espetáculo, o
nova-iorquino nascido em 1938 acompanhava cada compasso de suas composições,
instalado em um camarote logo acima da orquestra.

À tarde, havia estado na USP, a convite do Departamento de Música da Escola
de Comunicações e Artes, onde discursara e debatera a respeito de suas obras
e idéias para uma platéia que contava com a presença de alguns dos mais
destacados compositores locais, tais como Ronaldo Miranda, José Antônio de
Almeida Prado, Marisa Rezende, entre outros.

Com a mesma clareza com que se organizam suas obras, Corigliano falou sobre
suas idéias, suas obras, seus métodos e técnicas de composição. Questionado
acerca de sua posição perante o panorama musical atual, exaltou em sua
resposta a liberdade estética e técnica dos tempos atuais, em detrimento do
que classificou como uma postura ³fundamentalista² dos compositores ligados
ao serialismo integral, poética predominante nas décadas de 1950 e 60. ³As
técnicas estão todas em minha mente. Uso-as conforme as necessito², disse.

Tal liberdade havia permitido ao compositor justapor em seu ³Concerto para
Clarinete² (1977) passagens cromáticas organizadas a partir de uma série
dodecafônica a uma citação de uma sonata de Giovanni Gabrieli, escrita em
1597; ou ainda incluir uma tarantela como segundo movimento de sua ³Sinfonia
nº.1² (1988). Segundo Corigliano, não haveria mais barreiras estéticas neste
mundo globalizado e internetizado. Todas as técnicas e estéticas surgidas ao
longo do século XX, por mais antagônicas que fossem, poderiam agora se unir
a 700 anos da tradição musical ocidental, aglomerando-se em uma só peça.

Além disso, ao que podemos deduzir de suas obras, são bem-vindos de volta à
música contemporânea a melodia e a tonalidade da harmonia clássica, assim
como estão abertas as portas para ritmos e gêneros advindos da música
popular e folclórica de qualquer parte do mundo.

Este ecletismo, porém, não é uma característica exclusiva da música de John
Corigliano. Ele insere o compositor em um contexto que a historiografia
musical recente -não sem a desconfiança de muitos- tende a denominar como
pós-modernismo, aproximando as obras de Corigliano às de compositores como o
russo Alfred Schnittke, o estoniano Arvo Pärt, os poloneses Henryk Górecki e
Krzysztof Penderecki (em sua fase mais recente) e, no panorama nacional, de
compositores como Gilberto Mendes.

Como se pode averiguar por suas obras, esse ecletismo se manifesta nestes
compositores ditos pós-modernos como uma clara intenção de restabelecer uma
conexão entre suas composições e a História, seja pelo uso de citações ou
alusões a músicas já existentes, ou pelo emprego de gêneros, técnicas e
estruturas relacionados a outras épocas e tradições.

Entretanto, o que haveria de novo nesta postura? E o que a diferenciaria
dentro da história da música? O ecletismo já não estaria presente, por
exemplo, em Monteverdi, ao lançar mão da prima e da seconda pratica,
alinhadas respectivamente às estéticas renascentista e barroca? A referência
a músicas populares já não se faria sentir em compositores como Tchaikóvski
e Dvorák, que construíam sinfonias a partir de temas inspirados no folclore?

Como se vê, muitos dos procedimentos observados nesta nova música
pós-moderna não correspondem com o mesmo grau de novidade, sendo recorrentes
em séculos de história da música. O fato é que a atitude destes compositores
só pode ser compreendida se colocada em oposição direta à tendência que a
precedeu, isto é, às poéticas ligadas ao serialismo integral.

Durante os 20 anos que sucederam a Segunda Guerra Mundial, imbuídos da
sensação de que a velha cultura européia havia culminado na destruição que
se observava por toda parte, alguns compositores, como Karlheinz
Stockhausen, Pierre Boulez e muitos outros, teriam empreendido um radical
rompimento com tudo o que se ligava à música tradicional1, à época
diretamente relacionada às propagandas nazistas, fascistas e stalinistas.
Posteriormente, em meados da década de 1970, superados alguns dos traumas da
guerra, entrariam em cena compositores buscando reatar os laços com a
tradição, restabelecendo um diálogo entre o presente e o passado musicais.

É nesse contexto que se insere John Corigliano. Referências à tradição
musical estão presentes no todo e em cada compasso de suas obras. Ele toma
de empréstimo gêneros clássicos, como a sinfonia ou o concerto, e os recheia
de alusões tanto a obras consagradas do repertório quanto a pequenas
estruturas tradicionais, como o motivo melódico ou mesmo o acorde perfeito.

Tais alusões são geralmente expostas de maneira clara e escancarada ao
ouvinte, e Corigliano é mestre em costurá-las em um contexto incrivelmente
homogêneo. No entanto, é preciso dizer que esta referencialidade se dá por
vezes de maneira óbvia e estereotipada. Em sua ³Sinfonia nº.1³, composta em
homenagem a vários de seus amigos mortos pela Aids, o compositor elabora uma
pequena melodia para cada uma destas vítimas, conectando-as em uma colcha de
retalhos, à maneira daquelas montagens que se fazem com fotos de pessoas que
se foram. O caráter triste que Corigliano imprime a cada uma destas
melodias, contudo, é similar ao que ilustra cenas tristes em filmes
hollywoodianos dos mais pasteurizados.

O fato de Corigliano não procurar por novos meios melódicos para expressar
sua tristeza aponta para uma outra característica do chamado pós-modernismo
musical. Se as poéticas do pós-guerra se destacaram pelo caráter
experimental de suas composições, especulando acerca dos parâmetros que
norteiam do discurso musical, como a harmonia, os timbres e texturas, a
orquestração e tantos outros, os compositores do pós-modernismo parecem se
portar de modo muito mais conformista. Talvez pela comodidade de disporem de
vários séculos de repertório e técnica musical prontos para o uso, eles
tenham se aposentado da arriscada atividade especulativa.

A mensagem que se extrai disso denota um certo pessimismo. Tem-se a
impressão de que o novo se esgotou, e que apenas nos resta reorganizar o
velho. No contexto histórico em que se insere, esta postura conformista
coincide com o enfraquecimento das utopias nas últimas décadas do século XX.

Nascido durante o Renascimento, em substituição à religião que perdia força
nos meios humanistas, o pensamento utopista se alicerçava grosso modo sobre
o preceito de que o ideal de perfeição não se encontrava em um mundo além e
inatingível, como criam os medievais, mas poderia ser alcançado pelo
empreendimento dos homens.

Não por acaso, a religiosidade é outro fator que volta a se manifestar na
música destes compositores pós-modernos e pós-utópicos. Na ³Sinfonia nº.1²
de Corigliano, ela surge sob a forma de um ritual fúnebre em memória de seus
amigos, mais claramente no movimento final da obra. Em outros compositores,
a religiosidade chega a ser o pretexto central da obra, como é o caso de
Pärt ou Górecki.

Extramusicalmente, outro fator que permite agrupar estes compositores sob um
mesmo rótulo é o seu discurso. A libertação das amarras seriais e a
conseqüente reabertura dos ouvidos para toda a história da música ecoam em
suas falas e sintetizam-se musicalmente no que Alfred Schnittke viria a
denominar ³poliestilismo², poética da qual a obra de Corigliano é um bom
exemplo.

Entretanto, é curioso observar que, livres das restrições seriais,
compositores de histórias e caracteres tão diversos, espalhados por regiões
geográfica e culturalmente tão afastadas, como a Rússia, os Estados Unidos e
o Brasil, tenham encontrado um mesmo caminho no usufruto desta liberdade,
enquanto compositores que jamais se desvincularam totalmente de alguns
preceitos seriais, como Stockhausen, Luigi Nono ou Iannis Xenakis, puderam
trilhar caminhos muito mais diversos uns dos outros. A diversidade, porém,
se não se manifesta na ideologia dos compositores do pós-modernismo, é
gritante em suas obras, como ficou claro ao longo das três peças de John
Corigliano executadas pela Osesp.


O que ouvir:

John Corigliano:
- Sinfonia nº.1
- Concerto para Clarinete

Outros compositores ³pós-modernos:
- Alfred Schnittke: Concerto Grosso nº.1
- Henryk Górecki: Sinfonia nº. 3
- Arvo Pärt: Tabula Rasa


Publicado em 17/7/2007

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Matheus G. Bitondi
É compositor, mestre em análise musical pela Unesp.

1 - A bem da verdade, este rompimento resulta de uma interpretação
superficial das idéias destes compositores, tendo em vista que o próprio
Boulez utilizou-se de referências a formas musicais tradicionais, como a
sonata, neste período que se seguiu à guerra.


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