[ANPPOM-L] FWD: Isen çã o do direito autoral no uso de obra de arte em eventos sem finslucrativos

Alexandre Negreiros alexandrenegreiros em yahoo.com.br
Qui Jun 14 12:09:46 BRT 2007


Oi Sandra,

Definitivamente, a questão não deveria passar pelo gênero da obra,  
nem mesmo se restringir à música. Como bem lembrou com o exemplo do  
xerox, devemos trazer ao mesmo debate também outras questões bem  
brasileiras, como a recente quebra de patentes nos remédios. É  
falaciosa a relação entre pagar direitos e aumentar a circulação de  
obras, e posso lhe demonstrar isso em outra mensagem.

É óbvio que não devemos calar, muito pelo contrário! Essa conexão tão  
direta entre não recolher direitos e estar proibido de cantar é  
patropi, produto da mais absoluta incompetência de nossos gestores e,  
como de costume, de nosso silêncio e omissão, cúmplices. Ao cobrar  
pagamentos sem a correspondente relação de obras, abusando das  
analogias, o ECAD quebra a cultura do direito, tornando inevitável o  
desvio e semeando a convicção de sua ineficácia. Com quase uma  
centena de escritórios contratados, e mais de 200 advogados,  
aprimorou-se na truculência jurídica obviamente cega e insensível.

Onde a cultura do direito autoral avançou, como França e Alemanha, há  
depoimentos que apontam famílias procurando voluntariamente os  
escritórios das sociedades para entregar planilhas e recolher  
direitos sobre as músicas tocadas em batizados e festas de  
aniversário, e os volumes de arrecadação de nações com a fração de  
nosso território tornam inequívoca a ubiqüidade desse respeito. É  
interessante notar que, nesses mesmos países, os seios estão à mostra  
nas praias, sex-shops nas esquinas e a liberdade sexual há muito  
chegou às vitrines.

Dentre os 130 países cujas legislações autorais encontram-se em  
inglês no site da OMPI, em todos aqueles em que há coleta e  
distribuição de direitos (em volume significativo), com exceção do  
Brasil, Rússia e outros poucos e pequenos, há um órgão governamental  
controlando as suas sociedades autorais, coibindo abusos na cobrança  
e mediando conflitos muito naturais nessa relação, como quando as  
necessidades especiais - como na educação - prevalecem sobre os  
interesses dos autores, obrigando que se torne simbólica, porém  
sempre existente, a cobrança de direitos. Assim, e pela implementação  
de direitos mais modernos, como o direito de remuneração, não há  
inibição de uso de obra alguma, muito pelo contrário. Outro ponto  
importante é que, de acordo com todos os tribunais, os direitos  
autorais e conexos são considerados remuneração de subsistência,  
verba alimentícia, e não exploração de lucro.

A premissa de que "tudo que dá lucro é ruim" não tem como ser  
comprovada, e se não olharmos para o nosso ciclo de legitimação,  
revertendo a inércia a que nos habituamos frente às grades de  
programação, continuaremos abrindo espaço para o dinheiro rápido que  
vem do sexo. Individualismo e comunidade permanecerão dialogando até  
que a bomba nos aniquile. Precisamos atuar no ventre de nossas  
instituições, de modo a não ver direitos importantíssimos,  
conquistados à duras penas por autores contemporâneos a esses que  
você citou, questionados por simples incapacidade de gestão. Que  
também são comuns no mundo, e há pouco tempo, aí no Canadá, um  
tribunal especializado (aí existe isso) precisou intervir e decretar  
o preço para pagamento de certos direitos. Na Suíça, os preços são  
definidos em lei. Nos EUA, mesmo sem conexos, o Congresso convoca as  
sociedades ameaçando caçá-las caso não respeitem as regras, e por aí  
vai.

Na Convenção de Berna, onde virtualmente todos os países são  
signatários, admitiu-se um prazo mínimo de 50 anos da morte do autor  
para que uma obra seja considerada de "domínio público". Muitos  
países, como o Brasil, ampliaram-no para 70, e talvez seja o caso de  
propor à OMPI, que administra esses tratados, uma revisão no sentido  
de uma diminuição. Embora não acredite, especialmente em função dos  
debates recentes relacionados à proteção das culturas tradicionais,  
incluindo a assinatura de um recente acordo que, apesar da pequena  
adesão, parece ter pacificado alguns pontos.

Na lógica capitalista (onde talvez nos falte um pouco de espírito  
protestante) pagar é tão natural quando comer, beber e fazer sexo.  
Sim, precisamos pagar, mas precisamos mesmo é limitar os poderes de  
quem estabelece os preços e as regras de distribuição, para não  
acabar com um direito que, já habituados a não vê-lo, começamos agora  
a desprezá-lo. Sem perceber, contudo, que estamos assim fazendo o  
jogo dos grandes pagadores que, diferentemente de nossas festas  
familiares, não escapam da fúria dos advogados do órgão. Quando o  
sistema que é necessariamente coletivo, que levou anos para ser  
construído, começar a ruir, será muito mais difícil reerguê-lo.

O problema continua sendo o da nossa omissão, da distância que  
mantemos das sociedades de autores, das arbitrariedades que toleramos  
quando lá entramos, das leis que permitimos que fizessem, isentando- 
se de maiores responsabilidades, etc.

Peço também perdão pela ênfase

Um abraço,

Alexandre



On Jun 14, 2007, at 8:44 AM, Sandra Reis wrote:

> Prezado Alexandre, apenas uma pergunta: com este exemplo que deu,  
> poderíamos perguntar:
>
> Para cantarmos "Parabéns para você", no dia de nosso aniversário,  
> devemos antes pagar pelos direitos autorais? Vamos emudecer o mundo  
> -cale-se  a grande música -  pois sem dinheiro para pagar não é  
> possível fazer nada.
>
> Ainda bem que existem obras do domínio público de gente maravilhosa  
> que faleceu (Bach, Beethoven, Chopin, Shumann, etc.)  e que, mesmo  
> assim, prosseguem a lançar o bem gratuitamente nesta terra onde  
> todos só pensam em dinheiro e sexo.
>
> Acho que temos de repensar bem a questão dos direitos autorais no  
> caso da educação e da cultura ( é o caso do uso do xerox, em  
> Universidades, de obras magnas esgotadas, para aulas e estudos).
>
> Desculpem a ênfase mas isto é muito sério: individualismo versus  
> comunidade (eis o problema).
>
> Cada caso tem de ser cuidadosamente estudado, neste nosso país  
> subdesenvolvido onde a grande maioria está fadada a consumir o lixo  
> que é promovido a altos custos e lucros para os autores, enquanto  
> as grandes obras musicais ficam guardadas nas gavetas porque  
> ninguém pode pagar os direitos autorais.
>
>  Neste momento, talvez os músicos eruditos tenham de se transformar  
> heroicamente em voluntários da cultura. É uma questão de  
> sobrevivência : ou se doa o que existe de melhor ou o que existe de  
> pior vai prevalecer lucrando ( é a lei do "mundo adminsitrado"  
> adorniano)
>
>  Um abraço,
>
> Sandra Loureiro de Freitas Reis
>
> From: Alexandre Negreiros <alexandrenegreiros em yahoo.com.br>
> To: José Luiz Martinez <rudrasena em uol.com.br>
> CC: ANPPOM lista <anppom-l em iar.unicamp.br>
> Subject: Re: [ANPPOM-L] FWD: Isen çã o do direito autoral no uso de  
> obra de arte em eventos sem finslucrativos
> Date: Thu, 14 Jun 2007 02:55:13 -0300
>
>
> Olá José Luiz,
>
> Este é mais um projeto dentre as dezenas que tramitam no Congresso  
> propondo a ampliação das exceções  ou das exclusões ao direito  
> autoral que, como todos os demais, não compreendem o princípio  
> fundamental nesse direito: a de que a obra intelectual tem dono. Já  
> são muitas as decisões no Supremo que reformam outras, de  
> instâncias inferiores, cujos juízes interpretam "usos sem  
> finalidade de lucro" como argumento para isentar, em geral,  
> prefeituras, escolas, igrejas e outros promotores que, se pagam  
> pelos fogos de artifício, pelo aluguel do palco e pelo chopp  
> gelado, e até pelos músicos contratados, não gostam de pagar pelo  
> uso da música. Há trezentos anos e no mundo inteiro, esta é  
> admitida como propriedade privada de seus compositores, obedencendo  
> aos limites impostos para o usufruto de seus direitos patrimoniais,  
> dentre os quais já se inclui a temporalidade (70 após a morte de  
> todos os seus autores) como elemento de "socialização" da carga  
> cultural que possa ter adquirido durante o tempo de sua existência.
>
> Se "Parabéns pra Você" é diariamente cantada em inúmeros lares, ela  
> um dia foi criada por alguém que, provavelmente, não imaginava o  
> sucesso que faria. Inegavelmente, caso estejamos todos no mesmo  
> planeta e em uma sociedade que admita a propriedade privada, e  
> assim sua extensão aos bens imateriais, ele merece receber dinheiro  
> por isso. Salvo sejamos capazes de pensar uma nova (ou resgatar  
> alguma antiga) forma de convivência social que não inclua o  
> dinheiro para concretizar nossas trocas, oficialmente a única forma  
> legitimada de viabilizar comida, diversão e arte. A maré "Creative  
> Commons", à qual o Gil aderiu, tem como mentores os grandes grupos  
> fornecedores de conteúdo para exibição pública, principalmente as  
> operadores de telefonia celular que, somados os valores que pagam  
> anualmente à sociedades autorais pelo mundo, representam grande  
> percentual dos cerca de 6 bilhões de euros (CISAC) que, em 2003,  
> foram pagos às tais sociedades tendo como destino os autores das  
> obras exibidas. O álibi é forte, e remete às nossas origens ibérico- 
> cristãs de solidariedade que, por isso, nos transformaram no  
> trampolim preferencial desse pacote de licenças, cujo objetivo é  
> gerar uma massa de conteúdo "livre" para, um dia, dar um pontapé  
> nas sociedades autorais.
>
> No Brasil esse número se aproxima dos 300 milhões, vem  
> especialmente das TVs e vai especialmente para os grandes editores,  
> que controlam as duas principais sociedades dentre as dez que  
> (ainda) habitam a Assembléia Geral do ECAD, em que apenas 6 têm  
> direito à voto. Suas contradições, ineficiência e gestão  
> irresponsável têm como corolário - premeditado - a ignorância quase  
> completa da classe em relação às suas principais atribuições,  
> desafios e conflitos. Tendo construído um cinturão artístico para  
> legitimá-los nessa administração, alguns gestores conseguiram  
> estruturar, após a lei 9610 de 1998, a arquitetura ideal para  
> operacionalizar uma administração que prioriza as enormes parcelas  
> a que fazem jus os grandes editores que por aqui atuam, a partir de  
> contratos de cessão lifetime, assinados em troca de duas mariolas  
> enquanto as carreiras ainda são incipientes. Gil penou para reaver  
> suas obras e, ciente desses meandros, que mantém o requinte de não  
> ter qualquer fiscalização (seu lobby evitou a recriação de um novo  
> CNDA, já que o original ficara sem eficácia depois da Constituição  
> de 88), torce para que uma "nova ordem" se reconstrua sem os mesmos  
> atores, de preferência.
>
> Direitos são para serem respeitados, e não devemos sucumbir à mesma  
> inversão de valores que confunde aqueles que, ansiosos pelo fim da  
> violência, sugerem diminuir ou acabar, antes, com os direitos  
> humanos, que desconfortavelmente nos obrigam a respeitar a vida, a  
> integridade física e moral dos mesmos delinqüentes que ameaçam  
> subtrair a nossa própria. Esquecem-se de como tais direitos foram  
> conquistados, de quantas vidas foram desperdiçadas até que se  
> admitisse a falibilidade da interpretação institucional, envolta em  
> interesses humanos igualmente falíveis. Garantir direitos humanos  
> ao mais desumano é prestigiar um sistema maior de normas que  
> existe, antes de tudo, para nos proteger contra eventualidades, das  
> quais jamais estaremos livres, de ser, talvez por força de nossas  
> idéias ou pelo simples acaso, confundidos por estarmos no lugar  
> errado, na hora errada, ou por não redobrarmos o cuidado com o que  
> fazemos.
>
> Se esse projeto passar, haverá alguma ADIN da qual, certamente, o  
> ECAD sairá vitorioso, por motivações jurídicas ou pela perspectiva  
> de contratações futuras de seus futuros ex-ministros, para redação  
> de pareceres por módicos 200 mil, como nos relata a ATA da 271ª  
> reunião da Assembléia Geral, de 21/11/2002.  O que nossos  
> Congressistas não entendem é que tudo o que precisamos fazer é  
> controlar o ECAD, pois se houver um órgão que tenha interesse em  
> fazer de fato o dinheiro chegar ao autor, não estaríamos discutindo  
> a pertinência da cobrança. Do jeito que está, temos literalmente a  
> raposa com a chave da frente da sede da fazenda: o galinheiro ela  
> nem dá mais bola...
>
> Abçs
>
> Alex
>
>
> On Jun 14, 2007, at 12:54 AM, José Luiz Martinez wrote:
>
> ---------------------------------------------------------
>
>   Isenção do direito autoral no uso de obra de arte em eventos sem  
> fins lucrativos
>  *13 de Junho de 2007*
>
>  **
>
> Se depender do senador Raimundo Colombo (DEM/SC), o uso de obras  
> teatrais e de músicas em eventos públicos que não tenham fins  
> lucrativos será isento de cobrança. Atualmente, o Escritório  
> Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) - responsável pela  
> arrecadação e distribuição de direitos autorais decorrentes da  
> execução pública de músicas nacionais e estrangeiras - cobra pela  
> utilização.
>
> Geralmente, o valor a ser pago é determinado de acordo com o  
> parâmetro físico ou percentual incidente sobre a receita bruta. O  
> projeto de lei é do senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) e pede a  
> isenção de autorização prévia de autores ou titulares para  
> utilização de obras teatrais, composições musicais e fonogramas em  
> representações.
>
> Relator da matéria, Colombo lembrou as centenas e comunidades  
> formadas em localidades muito afastadas dos grandes centros, o que,  
> conseqüentemente, dificulta a obtenção da autorização prévia dos  
> autores. "Como exigir de uma pequena igreja ou de uma escola  
> primária no coração da Amazônia que obtenha essa autorização para a  
> realizar qualquer evento que não vise à vantagem econômica?", indagou.
>
> O parlamentar catarinense citou como exemplo a Festa do Pinhão, que  
> ocorre todo ano na cidade de Lages (SC) e chega a atrair mais de  
> 300 mil pessoas. "No ano de 2006, o Ecad queria que pagássemos uma  
> taxa de título autoral no valor de R$ 252 mil. Não há sentido em  
> cobrar tal quantia de um evento que não visa fins lucrativos, mas  
> apenas a propagação da cultura local", enfatizou.
>
> De acordo com o democrata, é necessário que se dê atenção à  
> proteção ao direito autoral nos casos em que há interesse econômico  
> envolvido. "Mas se a utilização do bem cultural não tiver objetivo  
> lucrativo, direta ou indiretamente, deve prevalecer a defesa da  
> cultura", acrescentou. A matéria foi discutida nesta terça-feira  
> (12) na Comissão de Educação (CE). Os senadores devem votá-la nas  
> próximas semanas.
>


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