[ANPPOM-L] brasileiro vc norte-americano (era Choro)

carlos palombini palombini em terra.com.br
Qui Mar 15 13:26:24 BRT 2007


A relação entre gêneros brasileiros e norte-americanos é interessante, 
entre outras coisas porque a música (negra) norte-americana também tem 
raízes (desculpem a palavra) na cultura iorubá. No caso do choro, é 
clara a analogia entre a famosa foto de 1922 dos (7) Batutas 
(reproduzida em _Brasil Rito e Ritmo_, Rio de Janeiro, Aprazível 
Edições, pp 55 e 56) e fotos de grupos de Dixieland (desculpem, não 
consigo achar a referência). Isto não prova a influência musical, mas 
indica que, na época, era possível estabelecer uma analogia. Parece que 
as histórias da música popular brasileira desejem ignorar o que vem dos 
Estados Unidos por anti-brasileiro. Acho que, desde Paul Gilroy, isto 
não seja possível. Na apresentação de um trabalho sobre choro, um aluno 
se enche de orgulho para dizer que o choro nasceu antes do jazz. Ao 
mesmo tempo, encontram-se erros crassos em literaturas que não podem 
deixar de ignorar a música norte-americana, como a literatura sobre funk 
carioca. Por exemplo: Que o funk nasceu no Bronx! (O hip-hop, do qual o 
funk carioca descende, nasceu no Bronx, mas não o funk de James Brown, 
Jorge Clinton etc e evidentemente o funk carioca tampouco, a não ser no 
sentido figurado). Que a disco music é branca! (Pode ser no Brasil, onde 
chegou tarde, mas também o rock chegou ao Brasil nas vozes de Nora Ney e 
Cauby Peixoto [juro!], que podem nem ser tão brancos assim, mas fazem 
parte de um universo com um etos muito distinto do do r&b). Que a house 
é um tipo de funk! (Escrito por Hermano Vianna, não consigo explicar 
isso, ainda que a house possa ser bem funkeada). Este anti-americanismo 
encontra-se até entre praticantes brasileiro do hip-hop. Outro dia, num 
café, uma amiga minha perguntou a um deles se ele era rapper ou MC. Ele 
disse que rapper era coisa de americano, que ele era poeta!

Liliana Bollos escreveu:
>
> Caro Sandroni, a propósito de seu email sobre improvisação no choro, 
> acabei lendo o trabalho de Clifford Korman, que lhe foi sugerido, 
> também pela minha área de interesse. Realmente há poucos trabalhos 
> sobre improvisação em geral, há muitos trabalhos historiográficos, mas 
> sem análise musical, tornam-se vagos.
>
> Sobre o que li hoje, antes de haver influência do jazz, o choro vem 
> das danças de salão da época de D.João, que já li em muitos livros, 
> sobretudo da polca européia, depois amaxixada. O próprio ragtime 
> americano tb. influenciou-se da mesma fonte, assim como da forma de 3 
> partes AABBACCA.
>
> O que acho que devemos separar bem é "qual é o jazz a que o choro se 
> relaciona!". Não dá para falar em jazz - bebop e cool jazz, que são 
> esses nomes que aqui o pessoal sempre fala. Quando se fala em bossa 
> nova, tudo bem, mas com o choro, é bem no começo. O ragtime era uma 
> música escrita como os tangos brasileiros de Ernesto Nazareth. A 
> improvisação no choro apareceu com as rodas, principalmente anos 20. 
> Já ouvi gravação com Pixinguinha (8 Batutas) improvisando ao mesmo 
> tempo que outro sopro solava a melodia, acho que era “Um a zero”. 
> Outro exemplo é do Jacob do Bandolim (Choro assanhado).
>
> As improvisações eram sempre em cima da harmonia, do acorde, baseado 
> na melodia, que foi a base do começo da improvisação. No jazz, década 
> de 1920 foi a dixieland, apesar que ser chamada de jazz de branco, é 
> que se impôs de um lado e do outro o New Orleans com improvisações 
> coletivas, melódicas, variações da melodia, principalmente o 
> clarinete. Só mais tarde, anos 40, com o bebop de Charlie Parker, 
> Dizzy Gillespie, T. Monk e Bud Powell, é que a improvisação se tornou 
> mais solta da melodia, com padrões harmônicos baseados em determinadas 
> escalas previamente estabelecidas, estudadas, assimiladas.
>
> A base da improvisação do choro, assim como no início dos standards de 
> jazz (até o swing, anos 30) é a melodia (com variações). O choro não 
> fez uso da escala de blues, que foi outra base importante para a 
> evolução da harmonia no jazz.
>
> Termino com 2 exemplos bem brasileiros: Há uma peça incrivelmente bela 
> de Nazareth intitulada “Improviso”, formalmente escrita. Também li 
> (não sei onde) que o flautista Joaquim da Silva Callado tocou um 
> “desafio” com um flautista famoso de sua época em que fizeram muitas 
> variações, e o Callado venceu o outro. E isso foi bem antes da grande 
> influência do jazz sobre nós, que foi na década de 30 – época de ouro. 
> Peço que desculpe, caso este email não for bem recebido.
>
> Um abraço,
>
> Liliana Bollos
>




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