[ANPPOM-L] choro - improvisação - jazz

Liliana Bollos lilianabollos em uol.com.br
Sex Mar 16 09:30:11 BRT 2007


Quanto às questões do Silvio, que Hermilson tão bem nos elucidou, aí vão as
minhas idéias:
Eu não acredito que Chiquinha Gonzaga tenha muita relação com o jazz,
tampouco Nazareth. Ambos trabalhavam em salas de cinema, saraus, havendo,
talvez, oportunidade de "experimentar", improvisar, além do fato da troca de
influências que já àquela altura (Nazareth morreu na década de 30) era bem
possível. O que está por trás, acredito, é a tradição européia (estudo
formal) + influências populares da rua (ritmos), ou seja, a forma como esses
artistas lidaram com suas experiências.
"Maple leaf rag" de Scott Joplin, de 1899, é considerada a primeira
composição do jazz editada. Ele tem uma outra música escrita anteriormente
(acho que 1897), mas não foi editada. Ok, é ragtime, está escrito, é
pré-história do jazz, como Hermilson disse. Mas alegam que o próprio Joplin
tocava sempre diferente da partitura, criando uma abertura para improvisar.
"St. Louis Blues" foi editada em 1914, muitos a consideram como o 1. jazz.
No livro "História social do jazz" (Hobsbawn, Paz e Terra) há discografia e
bibliografia consultadas, num mar de livros sobre jazz, em que cada autor
conta sua própria verdade, já é alguma coisa. Grata pela atenção,
Liliana

----- Original Message -----
From: "Hermilson Garcia do Nascimento" <nascimento em fafcs.ufu.br>
To: "silvio" <silvio.ferraz em terra.com.br>
Cc: <anppom-l em iar.unicamp.br>
Sent: Friday, March 16, 2007 2:54 AM
Subject: [ANPPOM-L] Re: brasileiro vc norte-americano (era Choro)


Caro Silvio,

Ótimas perguntas! São inteiramente pertinentes ao assunto da improvisação no
choro, embora transbordem o tema em direção a outros pontos igualmente
instigantes dessa polarização ianquetupiniquim.

Alguns devaneios sobre improvisação e contraponto, lá e cá:

O Jazz de New Orleans costuma ser considerado como a primeira manifestação
do gênero, e o ragtime uma espécie de pré-história dessa música. Não se
improvisava no ragtime, seu vínculo com o que viria a ser jazz é
essencialmente rítmico (ragged time). Em New Orleans, como você bem
sinaliza, estabeleceu-se uma prática de improvisação contrapontística, nos
termos da orquestra típica: trompete com a melodia, trombone com notas de
apoio harmônico e clarinete 'ponteando' entre os dois. Convém notar que o
contraponto não desapareceu do jazz quando a livre improvisação coletiva foi
preterida, em demanda da improvisação solista (é nesse momento que desponta,
em Chicago, Louis Armstrong). Pouco tempo depois disso é a vez do 'walking
bass' reafirmar o uso de contraponto improvisado, linhas que se constroem na
regularidade da semínima, como alicerce rítmico-harmônico do gênero. Os
trios de Jimmy Giufree sem seção rítmica, e os quartetos sem piano de Gerry
Mulligan, um deles com o tão comentado Chet Baker, são outros exemplos de
contraponto, mais ou menos improvisado em cada caso.

Mas todos improvisam no jazz standard, ou seja, não só o(s) solista(s) mas
também os acompanhadores. O pianista de um combo bebop não segue esquemas
pré-definidos para a harmonia, tratando instantaneamente a disposição do
acorde na vertical e a conseqüente condução de vozes para o próximo, tocando
acentos rítmicos, reações a todo tipo de impulso que vem do 'em curso'.
O desenvolvimento da improvisação melódica sintática no jazz, entretanto,
parece ter seguido um rumo diferente da improvisação melódica no choro, que
gravita mais em torno da melodia, ou recorre à variação. No jazz standard o
que se busca é um texto alternativo ao original, que ganha relevância na
medida em que possibilita ao ouvinte reconhecer a 'estrada', ao passo que
segue o aventureiro por caminhos às vezes impensados. No regional também se
improvisa, mas se um centro de cavaco começa a ficar muito saliente, ou a
baixaria começa a subir demais, aí turma olha feio: "muito jazzístico".
Alguns chorões antigos se gabavam de não improvisarem, no sentido
'jazzístico', argumentando que não fariam uma melodia 'mais bonita' que a
original. Nem precisa explicar que eles não entenderam o espírito da coisa,
que não perceberam beleza no instantâneo, irreversível, muitas vezes
defeituoso, vivo. Alguns jazzistas novos seguem desenfreadamente em direção
a esse novo sem se preocuparem com o tema, que quando conhecido, serve-lhes
como código compartilhado com a audiência.

Nem tão lá nem tão cá, parece que recentemente o choro e o jazz tem-se
aproximado mais.

Quanto ao blues, a polca, às harmonias do primeiro jazz e do choro tradiça,
o sentido da notação musical no jazz e na música popular como um todo,
alguma 'invasão' jazzística anterior ao cakewalk de Debussy... aí fica pra
uma próxima.

Espero não ter chateado ninguém com essas coisas todas.

abraços,

hermilson



silvio escreveu:

> legal este debate sobre choro e origens e jazz
> e aproveito a barca pra conhecer um pouco mais desta história q parece
> instigante,
> tenho uma série de perguntas:
>
> - qual a data das primeiras partituras de jazz?
> - quais as primeiras aparições do jazz na música européia, é em debussy
> mesmo ou tem coisa antes?
> - me lembro de uma bonita palestra do bernstein com orquestra e tudo em
> que fazia nascer um blues de um coro cantando gloriagloriaaleluia, a coisa
> vem por aí mesmo? a harmonia dos corais protestantes e a pentatônica
> encavalada?
> - os primeiros jazz eram em contraponto livro como o new-orleans, q não é
> uma região de trad. norte-americana mas francesa?
> - ernesto nazreth conhecia jazz, e chiquinha gonzaga?
> - as diferenças da harmonia do choro e da harmonia do primeiro jazz, são
> facilmente reconhecíveis ou é igual?
> - qual a relação do jazz com a polca, com a mazurca, com as valsas?
>
> imagino q sejam perguntas de out-sider, mas realmente é interessante saber
> um pouco mais sobre esta tradição..
>
> abraços
> silvio
>
> ANPPOM




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