[ANPPOM-L] "música popular ocidental" e sistema tonal temperado
carlos palombini
palombini em terra.com.br
Sex Nov 9 22:14:25 BRST 2007
> nossa comunidade se encontra de acordo perante o fato da música
> popular ocidental se utilizar do sitema tonal temperado.
No trabalho de um DJ techno como Anderson Noise, dificilmente se pode
dizer que o sistema tonal, temperado ou não, seja utilizado. Ouça, por
exemplo _Anderson Noise Live em SkolBeats:04_ (ST2 Records, 2004) e me diga
qual o papel do sistema tonal ali. Ou olhe aqui:
<www.youtube.com/watch?v=E29_X_k75Bg> (bem menos radical do que o álbum
ou ele ao vivo).
Muito mais relevante do que o que quer que possa ter sobrado deste
sistema é o próprio valor tátil do som e o estado de consciência em que
se é colocado pela intensidade brutal (ao vivo) em toda a extensão do
campo das alturas (complexas, não temperadas, cardinais), estado este
cujo resquício imediato é um zumbido e, menos imediatamente, a surdez.
Anderson Noise não é um caso isolado e chegou ao techno --- que pouco
tem a ver com o da Detroit dos anos 80 --- através do rock pesado.
Menos radical, em comparação com Noise, são alguns álbuns produzidos por
Trevor Horn, com canções que poderiam ser lindas se interpretadas por
uma voz e um piano, mas que existem como megahits nos efeitos
surpreendentes que Horn extrai dos estúdios da época (e que hoje talvez
soem quase tão datados como o baixo de Alberti, os acordes quebrados das
baladas de Chopin, a melodia em oitavas de Liszt, os sons da Escola de
Colônia ou o piano tocado diretamente nas cordas de Bruno Kiefer ou
Eunice Katunda). Uma analogia pode ser feita com alguns minimalismos,
nos quais a repetição interminável de encadeamentos simples esvazia
estes de qualquer direcionalidade, como um mantra, abrindo as portas da
percepção para outros valores sonoro-musicais. Algo que Darius Milhaud
já intuía em 1919: "Il y a beaucoup à apprendre de ces rhythmes
mouvementés de ces mélodies que l'on recommence toute la nuit et dont la
grandeur vient de la monotonie." (Ele estava falando do carnaval
carioca.) Ouça, por exemplo, "Killer", do álbum _Seal_ de Seal (ZTT
Records: 1991); há uma versão meio parecida com a do álbum aqui:
<www.youtube.com/watch?v=8_lvGfGwLNA>.
(É verdade que muitos, inclusive eu, preferem a versão original do
ex-punk Adamski, ainda uma criança e já o primeiro superastro da house
ácida:
<www.youtube.com/watch?v=7XBcT41ImSI>.)
Ouça "No more 'I Love You's" do primeiro álbum solo de Annie Lennox,
também produzida por Horn:
<www.youtube.com/watch?v=HRrDZTqdRJQ> (belo clip!).
E me diga o que seriam estas canções sem os recursos dos mega-estúdios
dos anos 80/90 como explorados por Horn (ou, no caso da versão original
de Adamski, os recursos de síntese e gravação doméstica da segunda
metade dos anos 80).
Ouça também a versão do single de 12" de "Relax - New York Mix", de
Frakie Goes to Hollywood (1984), produzido por Horn, no qual você tem
quatro minutos e trinta e cinco segundos de preparação --- i.e. quatro
minutos e trinta e cinco segundos para Horn exibir um encadeamento, não
de acordes, mas de fórmulas de expectativa --- antes de entrar o vocal.
E é "o vocal" mesmo, e não "a melodia". Este mix não está no youtube,
mas se vc quiser ter uma idéia do que vem depois dos quatro minutos e
trinta e cinco segundos, dê uma olhada no vídeo proibido:
<www.youtube.com/watch?v=FUMcGZTxMIc>.
(Quem tiver objeções à zoofilia e ao nu frontal de indivíduos obesos,
calvos e de meia-idade, pode olhar a versão Top of the Pops:
<www.youtube.com/watch?v=_5v9ZVoGC2I>.)
Carlos
--
carlos palombini (dr p)
professor adjunto de musicologia
universidade federal de minas gerais
<cpalombini em gmail.com>
"Art is long, and time is fleeting,
And our hearts, though strong and brave,
As muffled drums are beating
Funeral marches to the grave."
(Longfellow, 1839)
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