[ANPPOM-L] Qual a música que queremos em nossas Universidades?

Hugo Leonardo Ribeiro hugolribeiro em yahoo.com.br
Seg Out 8 09:18:18 BRT 2007


Apesar de "lutar" contra qualquer forma de elitismo musical disfarçado sob o
pseudônimo de "dom" ou "talento" (John Blacking vem logo à mente), acredito
que nossos exames de conhecimento específico estão realmente
descontextualizados. Há muitos mais saberes musicais que poderiam ser
aproveitados na academia. Mas as provas específicas de música são muito
limitadas em sua capacidade de avaliar a musicalidade de uma pessoa.

Lembro também das palavras de Lucas Robatto, quando afirmava que Widmer fez
uma experiência quando pegava pessoas "comuns" e as transformava em grandes
compositores de música contemporânea, cujo exemplo mais claro e
incontestável foi Agnaldo Ribeiro. Pelo que parece, para Widmer, o acúmulo
de conhecimento sobre as regras e teorias tonais iriam "atrapalhar" a
criatividade latente (Schaffer) que existe dentro de nós, principalmente no
que se referia à liberdade de experimentar novos sons, novas combinações
harmônicas e timbrísticas.

Uma breve comparação auditiva entre as obras de dois compositores que foram
alunos na UFBA, em períodos distintos, Agnaldo Ribeiro (livre, sem amarras
tonais) e Wellington Gomes (cujo conhecimento tonal prévio está
indiscutivelmente presente em sua obra), nos revela essa diferença de
pensamento composicional. Não há mérito ou demérito. Há diferentes formas de
pensar e sentir música.

Recentemente tive uma experiência semelhante durante minha pesquisa para a
tese de doutorado. Deparei com dois músicos com qualidades e saberes
diferentes. Cada qual poderia ser considerado um excelente músico dentro do
estilo que tocavam. Ambos eram guitarristas de Metal. Mas um toca Heavy
Metal, com todo um conhecimento tonal que implica tocar esse estilo. O outro
toca Death Metal, com toda anarquia atonal que o estilo exige. Mas, digamos,
se ambos quisessem fazer um curso superior em Composição, o primeiro sairia
na vantagem, pois já traria uma bagagem de vivência prática e teórica a
respeito de um tipo de música que será a base da avaliação, ou seja, a
música tonal, seja em termos teóricos, gramaticais ou perceptivos. O segundo
guitarrista teria que se esforçar em aprender as regras do sistema tonal,
para poder ser admitido, e todo seu conhecimento musical, sua experiência e
prática não seriam levados em consideração. O paradoxo está no fato que, o
primeiro vivencia uma música "antiga", cheia de regras, de preconceitos
harmônicos (consonâncias e dissonâncias), enquanto que o segundo vivencia
uma música muito mais moderna, contextualizada com o caos urbano, sem
preconceitos, sem amarras teóricas, e com muito mais liberdade sonora
(inclusive no uso de texturas densas como um ruido branco, ou claras como um
dedilhado com a guitarra "clean").

Inclusive esse guitarrista de Death Metal chegou a me procurar para ter
aulas particulares sobre escalas e harmonias, como ele próprio disse. Nos
desencontramos antes que pudesse dar a resposta. Mas confesso que fiquei com
medo de que, ao ensiná-lo regras tonais, acabasse por reprimir de alguma
forma suas idéias atonais que eu tanto admirava.

E concordo plenamente com o Antunes quando ele nos provoca para repensarmos
nossos exames de "aptidão musical". Como podemos esperar compositores,
intérpretes e público de música contemporânea se ainda exigimos que, para
entrar na Universidade, eles passem anos de suas vidas estudando a música de
três séculos atrás? Como criticar as orquestras por tocarem tanto Mozart e
Beethoven, se é esse o repertório que elegemos como "cavalos de batalha",
como diria o pajé Manuel Veiga?

Vou parar por aqui pois acho que já estou me repetindo, e creio que vocês já
entenderam o que eu queria dizer, ou melhor, provocar.

Hugo RIbeiro


Em 08/10/07, Rubens Ricciardi <rrrr em usp.br> escreveu:
>
> meus caros,
>
> então "talento" não existe??? é tudo "crença"???
>
> pois viva o mediano! viva o politicamente correto! - aí sim se está salvo
> e
> seguro na própria mesquinhez...
>
> Rubens Ricciardi
>
>
> ----- Original Message -----
> From: "eduardo luedy" <eluedy em yahoo.com>
> To: <antunes em unb.br>; "Yo Argentino" <musicoyargentino em hotmail.com>;
> <anppom-l em iar.unicamp.br>
> Sent: Friday, October 05, 2007 8:10 PM
> Subject: Re: [ANPPOM-L] insinuação do Antunes
>
>
> Prezados colegas da anppom,
>
> Este debate está muito interessante.
> Concordo em quase tudo que foi dito pelo Jorge
> Antunes. Também lamento que a crença no "talento", no
> "dom inato" ainda se façam tão presentes em nosso meio
> acadêmico.............. Abraços a todos,
>
> Eduardo Luedy
>
> ________________________________________________
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