[ANPPOM-L] o Tratado (era o DJ e o compositor)

carlos palombini palombini em terra.com.br
Sáb Out 20 15:34:55 BRST 2007



Alexandre Bräutigam escreveu:
> Caro Palombini e membros da lista,
>
> Então me parece que na verdade a semântica separa duas classes que, na 
> prática, estariam em alguns momentos, amalgamadas. Ainda mais quando o 
> DJ, além de escolher e ordenar as sequências das músicas ao vivo, 
> também produz as próprias. É o caso do Tiesto e do Infected Mushroom 
> (o primeiro sem formação musical tradicional, diferente da dupla que 
> compõe o IM).
> Na introdução de 'Converting Vegetarians' (IM) seria incipiente o uso 
> apenas de uma análise baseada nos conhecimentos adquiridos em aulas 
> formais de harmonia tonal ou contraponto (seja ele florido ou não). 
> Muito mais útil seria a tipomorfologia schaefferiana - não como um 
> sistema pronto e acabado, mas como algo que apresenta ferramentas mais 
> adequadas para tal.
> Apesar disso, muitos alunos de composição dos cursos de graduação de 
> nossas universidades saem dele sem ao menos saber quem foi Pierre 
> Schaeffer. Falo isso por experiência própria, conversando com colegas 
> de mestrado em música. Na UFRJ os cursos que apontam para esse lado 
> são matérias eletivas e portanto nem todos os alunos recebem este 
> conhecimento. Se formam especialistas em harmonia e contraponto, mas 
> desconhecem o Traité de Schaeffer. É isso que queremos para as 
> faculdades de música?
>
Olá, Alexandre e demais interessados

O Tratado é importante sim, mas ele não foi digerido. Michel Chion, que 
é certamente a pessoa que melhor conhece o Tratado, expressou isto muito 
bem em sua contribuição para a obra de Jocelyne Tournet-Lammer _Sur les 
traces de Pierre Schaeffer: archives 1942-1995_: "intégré et dépassé", 
isto é, "aproveitado e ultrapassado", só que em marcha a ré. Chion cita 
várias instâncias desta falsa ultrapassagem. Eu me limito a citar uma: a 
espectro-morfologia de Smalley. Isto porque transformar a 
tipo-morfologia e o solfejo inconcluso do objeto sonoro de Schaeffer em 
disciplina, parelha à harmonia e ao contraponto, ou em substituição a 
estes, não é entendê-lo. Entender o Tratado, me parece, é desmontar a 
maquinaria pensante da obra e remontá-la, de um outro jeito, tentando 
resolver o paradoxo de uma escuta reduzida  contente de si (na comunhão 
com os sons enquanto sons, por analogia à comunhão com os objetos 
enquanto objetos de Ponge) e a necessidade de gerar obras, ainda que num 
futuro incerto.

Um sistema de análise se infere de um corpus de obras, que passam a ser 
analisáveis nos termos do referido sistema. (Estou sendo muito 
ortodoxo?) No que diz respeito à música eletroacústica (vertente 
erudita) não me parece que um sistema satisfatório exista. E talvez seja 
melhor assim. Não sei se ocorreria a alguém fazer análise schenkeriana 
das _Variações para uma porta e um suspiro_ de Pierre Henry (sem deixar 
de levar em conta que quem mostrasse a relevância da Teoria dos 
Conjuntos para a compreensão de _Concret PH_ de Iannis Xenakis teria 
feito um belo trabalho). Em outras palavras, levar em conta o Tratado, 
como você intuiu, não seria aplicar a tipo-morfologia à análise do 
Infected Mushroom, mas discernir que características sonoras se 
manifestam como valores musicais nos trabalhos do IM e mostrar como 
estes valores se expressam e interagem. Ultrapassar o Tratado seria 
reconhecer que a importância do IM talvez resida alhures.

A maioria dos alunos da Escola de Música da UFMG já ouviu falar no 
Tratado: detenho a exclusividade de uma disciplina obrigatória, 
portanto, todos têm que me suportar por pelo menos um semestre 
(coitados!). Anteontem, um aluno (paulistano) estreou na Mostra de 
Composições da Escola um funk (carioca) cujo break é uma mistura de 
excertos do Cinco Estudos de Ruídos. Chama-se "Funk do Palomba". Se vc 
quiser, mando um mp3 pra vc analisar.

Carlos

-- 
carlos palombini (dr p)
professor adjunto de musicologia
universidade federal de minas gerais
<cpalombini em gmail.com>

"O io m'ingnano, o rara è nel nostro secolo quella persona lodata generalmente, le cui lodi non sieno cominciate dalla sua propria bocca." (Giacomo Leopardi, Pensieri XXIV, 1845)

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