[ANPPOM-Lista] A palhaçada do Concurso de Tatuí

André Fadel andrefadel em gmail.com
Ter Out 25 00:42:08 BRST 2011


Prezada Profª. Dra. Domenici

Com muita honra recebo sua resposta pública à minha carta manifesto, que
reconheço que talvez não seja muito apropriada nesta lista, mas que pelo
menos deu voz à indignação que muitas vezes esta situação de concurso
acarreta para tantas pessoas - não estou sozinho. Quanto ao pseudo
anonimato, seria no mínimo deselegância da minha parte citar
explicitamente o nome das pessoas envolvidas num texto que desejo que se
torne público. Repare que sequer me refiro a algum dos concursos de Tatuí
que já houve, pois espero que o texto continue com validade para o futuro.
Mesmo assim, sua manifestação foi um colírio para todos os espíritos
exaltados e gostaria que as pessoas tivessem um pingo do equilíbrio
emocional que a senhora apresentou, eu inclusive. Infelizmente, quando me
sinto injustiçado eu grito mesmo, e espero que desse "ai!" (que
doeu) apareçam discussões frutíferas e - mais importante - mudanças na
maneira de se avaliar.

Sua preocupação com a lista é válida, mas eu acredito que crescimentos
brotam de crises. Este assunto eu considerei uma crise séria. Se vier o
debate, já se está no lucro e a lista cumpriu seu papel.

Ao mesmo tempo, fico triste em saber que a presidente da recém-formada
ABRAPEM (vida longa!) tenha adotado este ou aquele critério que tenha me
colocado para o fim da lista dos candidatos avaliados. Isto supõe que eu
esteja longe do que se considera uma apresentação de qualidade.
Respeitosamente, também discordo quanto à interpretação dos candidatos da
peça de confronto, mas creio que isto seria assunto para mensagem
particular, como a senhora mesmo mencionou.

Causa-me angústia não haver gravação de boa qualidade das apresentações,
pois isto permitiria registrar de alguma forma: "*olhem, isto sim merece
primeiro lugar! Já isto não merece, por causa disso, disso e disso e
porque estamos em 2011.*" Confesso que depois deste concurso fiquei
extremamente confuso. Creio que muitas escolas possam estar num caminho
errado, assim como eu mesmo posso estar.

Isto não tem a ver com o fato de alguém ter tido aulas com o professor X ou
Y, até porque cada um é único. Somos todos uma soma de influências que
jamais se repetirá na história do universo. Isto não é bom nem ruim, apenas
"é", intransitivo. A partir do ponto em que eu adoto algo para me amparar,
isto é, um critério para fins de avaliação, comparação ou até mensuração, aí
o fato se torna uma *escolha*. Se é escolha, é transitivo. Escolha de quê?
Por quê? A questão da avaliação é relevante sim, pois sempre existirá. Taí
um bom debate para a ABRAPEM.

Estou extremamente aberto para receber suas anotações e opiniões de forma
particular, se a senhora se dispor.

Particularmente, convivo bem com a diversidade. Mas quando a ideia é
contraditória, preciso que me convençam. Senão eu grito "ai!".


Cordialmente

André
músico (?)



On Mon, Oct 24, 2011 at 7:12 PM, Catarina Domenici <
catarina em catarinadomenici.com> wrote:

> Prezado André,
>
> Inicio respondendo a útima pergunta da tua mensagem “...*mas quem são os
> juízes*”?: eu, Catarina Leite Domenici, fui um dos membros da comissão
> julgadora do VII Concurso Nacional de Piano de Música Brasileira Espartaco
> Rossi de Tatuí. Como membro da comissão julgadora, após ter passado uma
> grande parte dos últimos anos fora do Brasil, posso assegurar que estava em
> uma posição bastante confortável por estar vendo (e ouvindo) pela primeira
> vez TODOS os candidatos dos turnos que julguei. Desta maneira, todos se
> encontravam em perfeita condição de isonomia diante do meu julgamento, que,
> obviamente, foi baseado APENAS na performance que ocorreu naquele momento.
> Afirmo que a comissão organizadora do concurso foi extremamente cuidadosa e
> idônea em não disponibilizar à comissão julgadora as fichas de inscrição,
> assegurando que informações como idade, procedência e, principalmente, o
> nome do(a) professor(a) fossem mantidas em sigilo. Este último item merece
> aqui um parênteses: uma das pianistas mais importantes do Brasil
> (infelizmente já falecida) pediu para não mais ser convidada para integrar o
> júri de um dos concursos de música mais importantes do país por ter se
> cansado de receber vários telefonemas de professores de piano (às vezes no
> meio da noite) que tentavam de alguma maneira influenciar a sua opinião. Do
> lado dos candidatos, temos aqueles que, infelizmente em qualquer concurso,
> se julgam maiores e melhores que os outros apenas por serem alunos de X, Y
> ou Z. Fim do parênteses.
>
> Lamento imensamente que você não tenha tido a iniciativa ou a oportunidade
> de me procurar após o concurso (como fizeram tantos outros candidatos) para
> saber a minha opinião sobre a tua performance (e consequentemente, os meus
> critérios). Quem me conhece sabe que, sempre que solicitada, emito a minha
> opinião com muita honestidade e franqueza e que sempre prezei a
> transparência acima de tudo em todas as relações. Aproveito aqui para me
> colocar à disposição para compartilhar contigo as minhas anotações sobre a
> tua performance, posto que ainda tenho minhas anotações das provas do
> concurso. Farei isso com prazer, de maneira privada, como o fiz com os
> outros candidatos que me procuraram, pois minha ética não me permite expor
> publicamente assuntos que considero de cunho e interesse pessoal. Por outro
> lado, enfatizo que sou inteiramente favorável à discussão pública, séria e
> respeitosa sobre os critérios de avaliação da performance musical de maneira
> geral (não apenas em situações de concurso), conduzida com o cuidado
> necessário entre o estabelecimento de parâmetros para a elaboração de
> critérios objetivos e subjetivos de avaliação, ao mesmo tempo que evitando o
> engessamento de tais critérios, o que resultaria em tirania ideológica e
> estética. Devemos sempre lembrar que o que mantém a arte viva (especialmente
> a performance musical) é justamente a diversidade de opiniões, percepções e
> interpretações. Dada a natureza pública da performance musical, a qual
> sempre nos coloca em contato com pontos de vista muitas vezes divergentes,
> penso ser fundamental que tenhamos maturidade e humildade para conviver com
> essa diversidade em qualquer situação.
>
> Gostaria de manifestar minha profunda tristeza e preocupação em ver o fórum
> de discussões de uma das instituições mais importantes e respeitadas da
> comunidade acadêmica no Brasil (a ANPPOM) ser usado para mensagens que,
> acobertadas pela suposta condição de anonimato (os nomes dos integrantes da
> comissão julgadora são devida e corretamente publicados no programa do
> evento), contém suposições, ofensas e acusações sérias e infundadas. Parece
> que ainda não aprendemos com situações passadas, onde discussões que se
> iniciaram nesta lista, justamente acobertadas pelo pseudo-anonimato,
> escalaram rapidamente para ofensas pessoais que constrangeram, senão toda,
> uma boa parte da comunidade acadêmica. Em meio a tantas condutas destrutivas
> que ainda praguejam o cotidiano de todos, tais como inuendos, perseguições,
> ameaças, assédio moral e até violência física, cabe a nós (e apenas a nós)
> decidir que tipo de ambiente acadêmico desejamos construir à nossa volta.
>
> Por fim, gostaria de salientar que a tua mensagem, ainda que de um modo que
> considero inapropriado para a condução de um debate construtivo, traz à tona
> questões muito relevantes que merecem ser discutidas pela nossa subárea.
> Precisamos, sim, discutir critérios de avaliação da performance musical, bem
> como a necessidade (ou não) dos concursos para intérpretes. Lógicamente que
> ao debater essas questões não podemos nos esquivar de realizar um profundo
> questionamento sobre o que concebemos hoje, em pleno século XXI, por
> interpretação musical e sobre o próprio papel do intérprete, sob pena de
> continuarmos em concordância com paradigmas estabelecidos no século XIX.
> Faço votos que a subárea possa iniciar um debate civilizado, produtivo e
> respeitoso para que possamos avançar no entendimento daquilo que fazemos com
> tanto amor e dedicação.
>
> Cordialmente,
>
> "Srª Benita"
> Profª Drª Catarina Leite Domenici
> Universidade Federal do Rio Grande do Sul
> Programa de Pós-Graduação em Música
> Presidente da Associação Brasileira de Performance Musical (ABRAPEM)
> e, claro, musicista.
>
> PS ao pé do ouvido: André, eu tenho ouvido absoluto e posso te assegurar
> que você não foi o único candidato que "corrigiu" as imperfeições do texto
> impresso da peça de confronto.
>
>
> On Oct 20, 2011, at 10:13 AM, André Fadel wrote:
>
>
>
>
>
> *A palhaçada do Concurso de Piano de Tatuí*
>
>
> (*Para aqueles que quiserem ir direto ao assunto, podem pular para a
> segunda parte*)
>
>
>
> *1. Considerações sobre concursos de instrumento*
>
>
> Todo concurso é polêmico. É uma das piores maneiras de se descobrir e
> premiar instrumentistas porque é um procedimento que foge à natureza da
> arte. Em arte não deveria haver competição. Mas músicos – como todo animal
> mamífero – têm espírito competitivo e querem se destacar para poderem
> sobreviver às intempéries mundanas. Afinal, o mundo é selvagem demais e todo
> esforço é pouco para se alcançar a caça e dominar o fogo.
>
>
> Observando os concursos internacionais mais importantes tem-se a impressão
> de que estes eventos não diferem muito das Olimpíadas: pessoas sacrificam
> boa parte da fase produtiva de suas vidas esperando obter, em lapso de
> minutos, um breve reconhecimento pelos seus esforços. Não devemos esquecer
> que os músicos estão lá por livre e espontânea... necessidade. Para
> abocanharem contratos, prêmios e turnês todos devem se submeter ao crivo de
> um jurado. Concursos lembram a democracia de Churchill, que dizia que esta é
> a pior forma de governo, tirando todas as outras já existentes. A diferença
> é que, se a oportunidade do instrumentista não aparecer por meio do
> concurso, deverá ocorrer por meio de relações sociais e políticas, o que
> complica e muito as coisas para a maioria que não tem sobrenome, seita ou
> outros círculos de amizade.
>
>
> Também existe um lado bom para os competidores, independentemente dos
> resultados. Quando alguém se prepara para um concurso, ocorre um processo de
> grande superação dos próprios limites. Pode-se aprender menos em termos
> quantidade de repertório, mas há coisas que só são conquistadas por
> processos intensos e contínuos. Heinrich Neuhaus comparou uma vez o estudo
> do piano com a fervura da água, pois esta não borbulha se o fogo for
> desligado de tempos em tempos. Além disso, há também o lado emocional. Seja
> com traumas ou láureas, competidores sempre aprendem.
>
>
> Vendo o crescente número de competições no mundo, a prática está longe de
> ser abolida ou substituída. Contudo, algumas iniciativas estão sendo tomadas
> para aumentar sua transparência. Uma delas foi adotada apenas
> recentemente pelo 14º. Concurso Tchaikovsky, cujas etapas foram
> teletransmitidas ao vivo e no qual foi dada aos espectadores a oportunidade
> de opinarem  e se manifestarem sobre os concorrentes. A tecnologia hoje
> permite muitos procedimentos e, quando se trata de concurso musical, a
> gravação deveria ser o mais elementar deles. Outras sugestões são
> apresentadas em um ótimo artigo<http://www.factsandarts.com/articles/behind-the-scenes-at-piano-competitions/>de Michael Johnson.
>
>
> Eu, pessoalmente, não aguento assistir a concursos de piano.
> Normalmente são chatos e muito cansativos. As provas são longas, os
> repertórios variam pouco e a pressão é desumana. Às vezes parece que estão
> tentando enfiar o músico numa lâmina microscópica para a análise de suas
> virtudes e defeitos. Mas o espírito da competição é esse, da mesma forma que
> a natureza seleciona os mais aptos a sobreviverem. Apesar disso, não hesito
> em participar de um ou outro quando as exigências do edital coincidem com o
> repertório que estou estudando. Seja para fins competitivos ou artísticos,
> quando estou ao instrumento procuro esquecer todo o lixo que está em volta e
> imergir na música.
>
>
> Mas o que determina uma virtude nas competições? E o que define o que
> seriam defeitos? Ah, os critérios...
>
>
>
> *2. Sobre Tatuí*
>
>
> No Brasil há poucos concursos de piano e nenhum com grande tradição. Por
> isso, qualquer um que ofereça um prêmio interessante (apresentações,
> dinheiro, instrumentos) merece a atenção de quem estuda. Como no Brasil não
> há reconhecimento duradouro por concursos, pelo menos a conquista de um
> deles recompensa – em parte – o esforço e agrega pontinhos para o currículo
> (às vezes, a alimentação do Currículo Lattes também parece uma Olimpíada!).
> O Concurso de Tatuí oferecia prêmio de R$ 5.000,00 e recital com orquestra.
> O prêmio não chega perto dos U$ 20.000,00 de um concurso do Cazaquistão (o
> país ridicularizado pelo "Borat"), mas não é nada mal para a terra de cegos
> – ou seria "surdos"?
>
>
> Na teoria, pelo que foi exposto antes, concurso pode ser considerado um
> instrumento  democrático por oferecer tratamento isonômico aos
> participantes. Só na teoria. O grande problema reside fundamentalmente no
> poder de validação detido soberanamente pela banca avaliadora. É ela que vai
> brincar de chefe e dar as batatas ao vencedor. Mas sob quais critérios?
>
>
> Uma vez que haja a participação decisória de seres humanos num sistema,
> pode-se questionar todo e qualquer resultado. A neurociência tem uma coleção
> de estudos (Zimbardo, Harris, Milgram) que fragilizam cada vez mais a ideia
> de que humanos tenham o que se entende por objetividade, justiça,
> imparcialidade e até mesmo moralidade. Imagine  acrescentar "musicalidade"
> nessa lista. Exigir tudo isto de uma banca de concurso pode ser demais.
>
>
> Portanto, é evidente que todo resultado de concurso será polêmico. Mas
> existem critérios que podem ser discutidos e adotados no julgamento de
> candidatos, no sentido de tentar aproximar o poder de validação de uma banca
> de algo que seja mais ou menos consenso entre quem entende do assunto. Não
> acho que o "voto popular" seja o caminho, mas isto não deixaria de ser útil
> para indicar o que pode ser viável comercialmente, por exemplo.
>
>
> Há corporativismo no meio dos concursos de música? Lógico que há. Há
> corrupção? Sim. Há decisões marcantes? Também. O exemplo mais célebre de que
> eu me lembro foi no Concurso Chopin de 1980, quando Ivo Pogorelich foi
> desclassificado pelo júri e Martha Argerich se retirou da banca,
> inconformada. Mas foi alguma coisa assim que houve no Concurso de Tatuí?
> Não.
>
>
> O que houve foi uma demonstração de como a inépcia de uma banca avaliadora
> pode prejudicar a credibilidade de um concurso, devido a ausência de
> critérios objetivos que deveriam nortear o que se busca em termos de música
> numa ocasião como esta.
>
>
> Arrisco o primeiro critério possível que poderia orientar uma banca,
> partindo do princípio da isonomia: fidelidade às ideias contidas
> na partitura. Pode haver uma sensação ilusória de objetividade neste
> quesito? Sim, não tenho dúvidas, mas não deixa de ser um critério mais
> objetivo do que  tentar medir algo que não pode ser medido (p.e., conceitos
> como “brasilidade”). A notação musical continua sendo referência mundial
> para a interpretação de uma obra, mas também seria ingenuidade deixar de
> notar que há sim um universo além da partitura. Se assim não fosse, qualquer
> computador poderia ser considerado o melhor intérprete possível. No entanto,
> parece-me que ignorar a clareza (e, por que não, a limpeza) de uma
> apresentação equivale a deixar de notar que há um rinoceronte branco na
> sala.
>
>
> Já outro critério é um pouco mais complicado, mas não pode deixar de ser
> mencionado: respeito ao estilo do compositor. Para isso, seria necessário
> exigir conhecimento histórico e capacidade auditiva em reconhecê-lo. Não vou
> entrar na seara de a referida banca ser capacitada para isto ou não.
>
>
> O que prevalece realmente é aquilo que dizia o pianista François Fréderic
> Guy: os jurados são as pessoas que "sabem". “*Eles têm um tipo de código
> musical e se você não estiver conectado a este código, você não tem chance
> *”. É este código que estou questionando. Porque suspeito que o código da
> banca de Tatuí sequer foi musical.
>
>
> A prova exigia uma peça de confronto – aos que não sabem, é uma peça que
> todos os candidatos devem interpretar – e uma obra de livre escolha, ambas
> brasileiras. Vale dizer que a edição da peça de confronto era lamentável. Eu
> fui o único candidato que "corrigiu" todas as muitas notas erradas da
> edição. Aliás, a incompetência editorial musical do Brasil mereceria outro
> texto. Também fui o único que respeitou o andamento indicado, e, se bem me
> lembro, devo ter esbarrado em uma notinha. Sou grato aos meus mestres por
> terem me ensinado a analisar uma obra musical e também por poder ouvi-la e
> reproduzi-la em suas nuances.
>
>
> Quanto à obra de livre escolha, há alguns meses tive a
> preciosa oportunidade de tocá-la ao filho do compositor que me deu ideias,
> questionou algumas e validou outras que eu já tinha. Quanto à apresentação
> na prova do concurso, faço antes um comentário: quem me conhece sabe que o
> maior crítico de mim sou eu mesmo. Dificilmente saio satisfeito de uma
> apresentação, por melhor que seja o *feedback*. Excepcionalmente, neste
> concurso saí do palco *muito* contente mesmo sabendo que poderia ter feito
> melhor, mas acreditando que tinha estabelecido a barra num nível bem alto.
> Também fiz questão de assistir a todas as provas (faltei apenas a uma delas
> porque uma jornalista pediu que eu desse uma entrevista, ironicamente sobre
> a importância dos concursos). Houve candidatos brilhantes e outros nem tanto
> que não preciso detalhar aqui, mas apenas menciono que, dos candidatos que
> estavam em sintonia com o *meu* código musical, a maioria não levou nenhum
> prêmio.
>
>
> O anúncio da premiação foi muito estranho: todos os candidatos levaram um
> “puxão de orelha” porque, segundo a teoria da avaliadora (vou dar o nome
> fictício de Sra. “Adolfa”), todos os pianistas deveriam frequentar rodas de
> samba para poderem tocar música brasileira. Mesmo depois de eu ter admitido
> que não frequento rodas de choro, samba ou fandango, ainda assim foi uma
> grande surpresa saber que as minhas notas foram as mais baixas do concurso.
>
>
> Pela lógica, eu preciso ser luterano para poder tocar a música de Bach,
> místico para tocar Scriabin e homossexual para tocar Poulenc.
>
>
> Por mais inadequado que fosse, estava curiosíssimo em saber o que é que eu
> tinha feito de errado. Questionada, a presidente da banca Adolfa respondeu
> que faltou "ginga", que a "agógica" não foi respeitada e que os
> deslocamentos rítmicos não foram realizados. Em resposta, gostaria que a
> Adolfa ouvisse novamente a prova. Há testemunhas, mas não preciso delas. O
> que parece que falta aqui se chama honestidade intelectual. Diante da
> omissão de opinião dos que dividiram a mesa, Sra. “Benita” e Sr. “Blondi”,
> suponho que tenham concordado com tudo o que foi dito.
>
>
> Tenho curiosidade em saber como seria a avaliação, por essa ilustre equipe,
> da interpretação do *Rudepoema* de Marc-André Hamelin, já que o mesmo não
> deve ter ensaiado na vida um passo de samba. Ou alguém acha que o Nelson
> Freire fica dançando no banheiro para tocar o *Choros n. 5* ou a *Toccata*de Guarnieri? Colocação igualmente absurda seria dizer que pianistas
> brasileiros não sabem tocar Prokofiev ou Medtner. Por que há essa mística
> tão grande em torno de “música brasileira”? Só o nosso povo tem este hábito
> ridículo.
>
>
> Pela interpretação teleológica da expressão, se eu toco música de um
> compositor brasileiro, eu faço música brasileira. A julgar pela
> interpretação das peças tupiniquins pelos candidatos estrangeiros no
> Concurso Cidade de Florianópolis em 2010, os “gringos” não devem nada em
> termos de musicalidade. Já em termos de “brasilidade”, deixo os argumentos
> para a Sra. Adolfa.
>
>
> Por mais que alguns me considerem um "eurocêntrico" (eu não ligo, às vezes
> acho um elogio), eu considero imensamente todas as manifestações artísticas
> não importa de onde venham. Quando se trata de preferência pessoal, é
> pessoal e fim de papo. Mas esse argumento não vale quando se tem a
> responsabilidade de ser jurado de concurso. Antes de ter opinião pessoal, é
> necessário provar que pelo menos o julgador tenha ouvidos.
>
>
> Em 1999, Matt Stone e Trey Parker, criadores de *South Park*, concorreram
> ao Oscar pela melhor trilha sonora, mas o prêmio acabou indo para Phil
> Collins. Não tiveram dúvida: no episódio televisivo seguinte massacraram e
> ridicularizaram o cantor, inclusive com a estatueta enfiada lá mesmo. “*Estávamos
> TÃO preparados para perder, mas não desse jeito! Não para o Phil Collins*”,
> disseram. Fizeram errado, Stone & Parker. Eu também estava preparado para
> perder, mas não desse jeito. Só que vocês deveriam ter enfiado a estatueta
> nos que elegeram o Phil Collins, não no coitado.
>
>
> Termino com Griboyedov: “...*mas quem são os juízes*”?
>
>
>
> *André Fadel*
>
> músico
>
>
>
>
>
> ________________________________________________
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> ________________________________________________
>
>
>
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