[ANPPOM-Lista] Produtivismo acadêmico está acabando com a saúde dos docentes?

Mauricio Alves Loureiro mauricio.alves.loureiro em gmail.com
Qua Jan 25 20:54:07 BRST 2012


Querido Fernando,

Sem dúvida, seu cargo te coloca numa posição que no mínimo privilegia
a visão geral da pesquisa em música no país e no seu Estado. Não posso
deixar de corroborar sua lucidez nesta questão e de grifar algumas
questões:

Como você disse, assumir “a diferença entre produção artística e
científica” não é apenas essencial para a evolução das artes no meio
acadêmico, mas urgente para quem ainda procura a compará-las. O que
pode parecer para muitos como um problema a ser maquiado, a ponto de
se pensar em “sugestões de como transformar produções artísticas em
científicas”, é na verdade o ponto mais forte das artes. A maquiagem
não cola mais. Já colou, enquanto nossa massa crítica não precisava de
ser crítica. O pecado de maquiar um artista de cientista é tão ruim
quanto o de maquiar um cientista de artista. O primeiro não seria mais
do que um péssimo cientista e o segundo, um péssimo artista, ou seja,
seria uma maquiagem da qualidade. Procurar esse caminho seria o maior
tiro no pé que nossa área poderia se permitir. E é o que tem sido
feito, em alguns casos, em prol de uma disputa por espaço e
financiamento institucional, sempre evocando aquela nossa efêmera
“especificidade”, mas sem procurar bem entender qual é, deixando de
lado, como você disse, “a discussão sobre a construção de um ambiente
de pesquisa consolidado e que reflita nossas características e
vontades”.

Esta sim é a discussão que interessa. O ambiente acadêmico de artes é
bastante complexo e não tenho dúvida que uma discussão séria dessas
passa por políticas que favoreçam o delineamento de ambientes que
possam ser habitados por artistas e cientistas de excelência, mesmo
que sejam puramente artistas ou puramente cientistas. Um ambiente que
promova o diálogo entre aqueles que prefiram buscar adensamento e
aprofundamento em apenas uma especialidade, mas aberto para questões
ou soluções que possam emergir dessa confluência. Aliás, diálogos
entre diferentes níveis de realidade são hoje bastante comuns em
qualquer área de conhecimento. O que complica (e fascina) nas artes é
lidar com as diferenças em linguagens também diferentes.  A
investigação artística não faz sentido se não conta com a presença da
própria arte. Por outro lado, a função da arte na universidade seria
muito restrita se fosse limitada a oferecer formação profissional
acompanhada de produtos artísticos. Isso é melhor feito, em muitos
casos, fora dela, como nos conservatórios europeus, nas casas de
concerto, nas galerias, nos festivais e nas orquestras sinfônicas.

Aproveito aqui para apoiar a Presidente da ANPPOM, que estréia o
exercício do cargo com a brilhante iniciativa de articular
nacionalmente esse debate. Gostaria apenas de sugerir que a discussão
fosse enriquecida por alguma participação internacional, já que o
assunto vem sendo tratado por inúmeras instituições de ponta em todo o
mundo, há alguns anos.

Aproveito ainda para parabenizar a Luciana e sua equipe pela prestação
desta valiosa contribuição para nossa comunidade.

Abraços

Mauricio Loureiro

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Mauricio Alves Loureiro <mauricioloureiro em ufmg.br>
Diretor do IEAT - Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
Tel: 55-31-3409 6652



Em 24 de janeiro de 2012 12:20, Fernando Iazzetta <iazzetta em usp.br>
escreveu:
> Caros colegas,
>
> Já manisfestei em mais de uma ocasião minha preocupação com as discussões
a
> respeito da produção acadêmica na área de música.
>
> Parece-me que a discussão está muito focada na superfície do problema e na
> busca de soluções imediatas. Na maior parte do tempo essas soluções buscam
> simplesmente maquiar o que fazemos para que nossa produção possa parecer
> compatível com a de outras áreas.
>
> Não é raro vermos sugestões de como transformar produções artísticas em
> científicas, de como convencer instrumentistas a publicar um artigo por
ano
> em algum congresso local para garantir seu status de pesquisador, ou de
> tentar justificar nossas deficências com as idiosincrasias da área.
>
> Claro, tudo isso reflete uma situação voltada para a disputa por verbas e
> espaços institucionais que é fundamental no sistema de desenvolvimento
> acadêmico atual. Mas essa postura deixa de lado a discussão sobre a
> construção de um ambiente de pesquisa consolidado e que reflita nossas
> características e vontades.
>
> Como muitos de vocês devem saber, neste momento faço parte dos grupos de
> avaliação de projetos de duas agências importantes para o fomento da
> pesquisa (o CNPq e a Fapesp) representando a área de artes. Essa função,
que
> é tansitória, me ajudou a entender um pouco melhor os problemas
estruturais
> da nossa produção acadêmica. Tenho certo para mim que o problema maior não
> está nas agências de fomento, mas na nossa dificuldade em lidar com nossas
> diferenças e particularidades e na falta de ambiente consolidado de
> pesquisa. Está também na nossa relação frágil com nossas próprias as
> Universidades, as quais têm se amparado de uma maneira generalista nas
> diretrizes da Capes e CNPq para estabelecer as suas próprias condutas em
> relação à produção artistica e à pesquisa em arte.
>
> Não quero entrar em detalhes aqui, mas acho que só vamos solucionar nossas
> deficiências quando pudermos encará-las de frente. E a solução certamente
só
> vira a médio e longo prazo.
>
> A Luciana já apontou que a Anppom terá espaço para debater isso (e ficarei
> feliz se discutir o assunto na ocasião), mas acho que precisamos de um
> trabalho que vá além de uma mesa redonda de 1 hora de duração durante o
> Congresso. Talvez seja o momento de pensarmos num seminário mais
abrangente,
> em que se discuta claramente o papel que a música (e as artes em geral)
têm
> na univesidade e que se assuma a difereça entre produção artística e
> científica, não como um problema, mas como uma particularidade bastante
rica
> da nossa área.
>
> Sem isso, parece que continuaremos a criar uma imagem do que não somos e a
> assumir uma vocação que talvez não tenhamos.
>
> abraços, fernando
>
>
>
> Citando Damián Keller <musicoyargentino em hotmail.com>:
>
>>
>>
>> Caros Silvio e Rogério,
>>
>> Nenhum sistema de avaliação é ideal. Mas o fator de impacto é o que tem
>> mais apoio da comunidade científica internacional. Voltamos ao ponto
>> inicial, vamos tentar convencer a Fapesp e o CNPq de que nós somos
>> diferentes e que merecemos uma fatia maior no orçamento porque a música é
>> uma atividade importante, a pesar de que nenhum índice de produtividade
>> indica isso?
>>
>> Eu tento olhar estas questões do ponto de vista prático. Qual é o nosso
>> objetivo: conseguir que a área de música tenha mais peso financeiro,
>> científico, artístico, institucional? Quais são os caminhos que temos
para
>> atingir esse objetivo?
>>
>> 1. convencer todas as outras áreas de que nós somos diferentes e portanto
>> que precisamos de uma métrica de produtividade <própria>, ou
>> 2. adaptar a forma de contabilizar nossa produção para atender as
demandas
>> da métrica utilizada pelo resto da comunidade científica.
>>
>> Cuidado, não estou falando em mudar <o que fazemos> e sim <como
>> apresentamos> o que fazemos para o resto da comunidade. Acho que o Silvio
>> resumiu de forma exata o ponto principal:
>>
>>> o que vejo de mais contundente nisto que vcs colocam é que deverá, com o
>>> tempo, surgir novos habitos de produção e de referencia. nos hábitos
atuais
>>> escreve-se música, toca-se música, mas sem referir uma pesquisa de
outro.
>>
>>
>> Acredito que as ferramentas para essa mudança já estão aí, o que falta é
>> que nós como comunidade decidamos que queremos colocar a nossa área em pé
de
>> igualdade com o resto da produção científica brasileira.
>>
>> Abraços,Damián
>>
>>
>> Dr. Damián Keller -
>> Núcleo Amazônico de Pesquisa Musical (NAP) - Universidade Federal do Acre
>> - Amazon Center for Music Research - Federal University of Acre -
>> http://ccrma.stanford.edu/~dkeller
>>


-- 
Mauricio Alves Loureiro <mauricioloureiro em ufmg.br>
Diretor do IEAT - Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
Tel: 55-31-3409 6652




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