[ANPPOM-Lista] Fotógrafo francês traça a ‘geografia noturna’ dos bailes funk no Rio

Rafael Marin da Silva Garcia rafaelmarin7 em hotmail.com
Sex Nov 9 02:35:46 BRST 2012


Prezado Luciano,

Acredito que a legitimidade do funk enquanto gênero musical representativo das classes associadas só possa ser dada por aqueles que compartilham entre si, com toda plenitude, as significações e os valores culturais e identitários que o gênero proporciona. Sendo um estrangeiro neste universo, talvez nem mesmo o etnógrafo mais criterioso em seu trabalho científico e pesquisa de campo, ainda que imergido culturalmente em seus símbolos e significações, tenha o direito de conferir tal legitimidade, embora façamos isso o tempo todo na academia (e ainda que tal pensamento nos tire a função e os propósitos que acreditamos cumprir dentro da universidade).
Quanto a possibilidade de o funk ser uma licença dada pela classe dominante (uso o termo "classe dominante" por comodidade) para manutenção de estruturas sociais desiguais e estratificadas, acredito que as ressignificações que o gênero sofre dentro do grupo no qual está inserido para atender, entre outras coisas, propósitos coletivos de constituição da identidade, possui dimensões que a classe dominante nem sequer imagina. Como disse acima, tais significados dificilmente são capturados até mesmo por nós pesquisadores, pois mesmo inseridos no universo que pretendemos estudar estamos sendo mediados o tempo todo pela linguagem, pela subjetividade de nossos informantes, pelos conflitos entre valores culturais distintos etc., que dirá a classe dominante. 
Sobre a apologia a certas culturas (tidas por marginalizadas), penso que ela pode realmente ter o "efeito ambíguo" que você menciona e as consequências que descreve, mas o tem principalmente se a posição em que estamos é exterior a essas culturas. Digo isso pois, pensando dessa forma, poderíamos inverter a lógica e dizer que a cultura funk igualmente nos é negada pela mesma classe dominante. Ao negar o livre acesso a outras expressões culturais (e é isso, acima de tudo, o que a estratificação social proporciona), a classe dominante o nega tanto à parcela desfavorecida da população quanto à parcela favorecida. Ao afirmarmos que a cultura acadêmica, por exemplo, está sendo negada aos funkeiros, devemos afirmar que a cultura funk está igualmente nos sendo negada. 
Por fim, numa tentativa de me retificar, gostaria de dizer que ao esclarecer que seu posicionamento intenta desestratificar as aparentes estruturas de poder exercida através da cultura, você deixa mais claro qual era sua real intenção no primeiro comentário. O esclarecimento que você agora nos dá certamente teria evitado a parte desagradável da discussão. Minha expectativa era que a matéria enviada inicialmente por Carlos Pombalini suscitasse discussões sobre o tema, e não comentários com juízos de valor depreciativos e em tom de deboche, como equivocadamente interpretei seu comentário.Peço-lhe, portanto, sinceras desculpas pelo sentimento de ofensa e pelos infelizes termos utilizados.Espero que aceite.Abraço
Rafael Marin

Date: Thu, 8 Nov 2012 07:31:38 -0800
From: lucianocesar78 em yahoo.com.br
To: anppom-l em iar.unicamp.br; cpalombini em gmail.com
Subject: Re: [ANPPOM-Lista] Fotógrafo francês traça a ‘geografia noturna’ dos bailes funk no Rio



Prezados senhores da lista, 

A ligeireza com
que tratei o assunto a que se refere o título desta mensagem facilitou julgamentos – esses sim, ad hominem – a minha pessoa, diretamente. Não reclamo da
divergência de opiniões, mas me senti ofendido e humilhado por ser associado a
uma lente de olhar “curioso”, “preconceituoso”, “elitista” do senso “comum”, “devoto e escravo dos ditames
senhoriais” e por ter minha opinião sendo classificada
como irrelevante, apesar de ter merecido a atenção dos senhores a partir de
julgamentos que atingem a minha pessoa e não a opinião que emito a respeito de
um gênero musical. Mas não recebi nenhum argumento.

Há dois pontos
que levantei em meu comentário que, pela leveza até irresponsável do meu
tratamento, foram ignorados. Primeiro, a questão de se o funk é (entre muitas
coisas diferentes que caracterizam o objeto social) um gênero musical legítimo como
representação das classes populares associadas a ele, ou licença, dada pela
classe dominante, para manutenção de estruturas sociais desiguais e
estratificadas. O segundo ponto é, no caso de se considerar o funk como
manutenção de estruturas estratificadas de poder, se o olhar estrangeiro
laudatório não facilitaria a celebração dessa manutenção dominante. As questões
são claras, e podem ser perfeitamente discutidas sem juízo do interlocutor e a
partir de uma argumentação científica. Pode ser que frequentar e fotografar bailes
realmente qualifique um fotógrafo a se dizer conhecedor “por dentro e de perto”,
como afirma o sr. Rafael Marin. Mas trabalhar em projetos sociais – como é o
meu caso – talvez também ajude a alimentar um olhar mais aproximado sobre a
representatividade que os moradores de comunidades de periferia efetivamente conferem
a esse gênero musical.

Não entendo como
a crítica feita a partir desses dois pontos (estratificação de estruturas de
poder e apologia a uma cultura isolada, uma reforçando a outra) seja a de uma “mentalidade
colonizada”, até porque não aleguei em momento nenhum, comparação com qualquer
manifestação cultural de “elite”. Sequer falei da relação de belo-não belo. Esse
preconceito, provavelmente, está na cabeça de quem leu. A defesa que faço - em
minha vida privada e acadêmica - da política das cotas, por exemplo, leva em
conta exatamente a intenção de desestratificar essas estruturas de poder exercido
através da cultura. A meu ver, a apologia da cultura das classes subjugadas tem
esse efeito ambíguo: por um lado celebra a vida cultural de uma comunidade, mas
por outro, oculta a negação do livre acesso de outras expressões culturais a
uma parcela desfavorecida da população num movimento de dominação implícita. 

Isso não é fruto
de uma pesquisa científica, mas uma opinião (embasada) a que tenho direito, com
toda a probabilidade de ser refutada por convencimento da parte de pesquisadores
comprometidos com a questão. O que eu não gostaria é de me ver enredado em
ofensas pessoais por defender tal opinião, mesmo que tenha que discutir e reconhecer
o erro de meu ponto de vista.

Embaso essa discussão
não só em minha opinião mas, entre outras experiências, na ação pública do escritor,
cantor e artista Ferrez (http://ferrez.blogspot.com.br/p/autor.html), a quem
tive oportunidade de ouvir renegando os bailes funk como representativos da
cultura de periferia (palestra dada ao programa Guri Santa Marcelina em
08/02/2012). Não sei se Ferrez concordaria com minha mensagem, mas com certeza
discutiria a questão em outros termos. Sou levado a pensar que talvez ele
discutisse a questão e não a minha pessoa. E talvez, mesmo que concordasse
comigo do ponto de vista da crítica, apreciaria a qualidade artística das fotos,
como eu também apreciei.

No entanto, o sr Carlos Palombini e o sr. Rafael Marin responderam como se se
quisessem pareceristas de um artigo acadêmico ao que deveria ter sido a
expressão livre de uma opinião. Ou seja, cientificizaram o rechaçamento de
minha pessoa, de minha capacidade de raciocínio (“O restante do raciocínio, se
é correto empregar este termo aqui”), rejeitaram minha experiência possível e
subestimaram minha capacidade de compreender argumentos contrários que,
acredito sinceramente, os senhores são perfeitamente capazes de proferir. Nesses
“pareceres”, um verniz cientificista deslocado trouxe a luz uma leitura rasa
que atribui à minha pessoa posições que absolutamente não defendo, além de me
acusarem de ignorante sem sequer conhecer a experiência que tenho como
professor de projetos sociais. Nenhum dos dois me conhece pessoalmente para
justificar o seu juízo. 

Pergunto aos
senhores onde está o argumento ad hominem
na minha mensagem, já que não mencionei pessoas: o termo “francês ver”, de
minha primeira frase, alegoriza um olhar estrangeiro, tradicionalmente
deslumbrável pelo exótico com que reveste o diferente, às vezes para mostrar a
beleza, mas às vezes para negar a injustiça social imanente ao fenômeno social
que observa. Nas respostas, entretanto, faculdades cognitivas foram
mencionadas. Fui acusado, além de elitista e ignorante, também de falacioso no
“abraço” com que sempre assino minhas mensagens escritas a comunidade acadêmica
de que faço parte, que amo e defendo, mesmo discordando, exercendo minha
liberdade de expressão e confiança de que minhas opiniões possam ser acolhidas,
compreendidas e refutadas sempre que necessário.

Se falei uma
imensa bobagem, peço sinceras desculpas e me disponho a pesquisar melhor os
dados. Como acabo de dizer, manifestei uma opinião e estou realmente aberto a argumentos
que enriqueçam essa opinião, desde que haja discussão dos pontos levantados.
Mas eu, sinceramente, esperava uma reação melhor dos senhores.

 

Grato pela
atenção, 

Um abraço a quem
aceitar.            

Luciano Morais




--- Em ter, 6/11/12, Carlos Palombini <cpalombini em gmail.com> escreveu:

De: Carlos Palombini <cpalombini em gmail.com>
Assunto: Re: [ANPPOM-Lista] Fotógrafo francês traça a ‘geografia noturna’ dos bailes funk no Rio
Para: anppom-l em iar.unicamp.br
Data: Terça-feira, 6 de Novembro de 2012, 14:41

Interessante como os ataques à matéria mostram uma forte propensão ao argumentum ad hominem, isto é, atacam o oponente, e não seus argumentos. Trata-se de uma falácia lógica ou, mais precisamente, de uma irrelevância. O restante do raciocínio, se é correto empregar este termo aqui, é tautológico. Não há qualquer sombra de elaboração teórica ou de experiência reveladora do que quer que não seja preconceito de classe, isto é, ignorância.
 Agradeço a gentileza dos "abraços", que não posso aceitar, por falaciosos.


cp

Mensagem de Rafael Marin:

Ao invés de uma celebração pela etnografia fotográfica que o olhar - de 
perto e de dentro - de Vicent Rosenblatt nos traz (trabalho este que 
deveria levar, em primeiro lugar, a uma discussão acerca das pesquisas etnomusicológicas que têm como campo e objeto de pesquisa os espaços do funk carioca e suas implicações sócio-culturais), o
 que tivemos foi, lamentavelmente, um infeliz comentário que reflete um 
olhar - de fora e de longe - ingênuo (cientificamente falando), preconceituoso
 e elitista de um devoto e escravo dos ditames senhoriais que ainda 
insistem em se proclamar, através de seus porta-vozes, detentores dos 
critérios que distinguem o belo do não-belo, o artístico do 
não-artístico, o estético do não-estético, quando na verdade a única distinção que fazem é entre ciência e senso comum, entre pesquisador e curioso.Rafael Marin


2012/11/6  <lcm em usp.br>

    Cultura pra francês ver. Às "elites" interessa exatamente isso: alienação, ignorância, superficialidade  da classe popular. O funk não é uma insurreição contra nenhuma estrutura social, pelo contrário. Até defendo o o funk como expressão social e cultural de uma classe oprimida, mas a apologia e a esteticização disso me parece a mesma coisa que elogiar a pujança e a beleza das senzalas. 

Abraço, 



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