[ANPPOM-Lista] Fotógrafo francês traça a ‘geografia noturna’ dos bailes funk no Rio

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Sex Nov 9 15:22:04 BRST 2012


> Acredito que a legitimidade do funk enquanto gênero musical representativo
> das classes associadas só possa ser dada por aqueles que compartilham entre
> si, com toda plenitude, as significações e os valores culturais e
> identitários que o gênero proporciona. Sendo um estrangeiro neste universo,
> talvez nem mesmo o etnógrafo mais criterioso em seu trabalho científico e
> pesquisa de campo, ainda que imergido culturalmente em seus símbolos e
> significações, tenha o direito de conferir tal legitimidade, embora façamos
> isso o tempo todo na academia (e ainda que tal pensamento nos tire a função
> e os propósitos que acreditamos cumprir dentro da universidade).
>

A ideia de discutir a legitimidade de uma cultura musical me parece um caso
de autoritarismo levado ao absurdo. O fato de que isso se faça
rotineiramente em nosso meio revela a incapacidade de conceber o próprio
futuro da Universidade, para não falar do presente. Em outros termos, seu
papel na manutenção da exploração de classe.


> Quanto a possibilidade de o funk ser uma licença dada pela classe
> dominante (uso o termo "classe dominante" por comodidade) para manutenção
> de estruturas sociais desiguais e estratificadas, acredito que as
> ressignificações que o gênero sofre dentro do grupo no qual está inserido
> para atender, entre outras coisas, propósitos coletivos de constituição da
> identidade, possui dimensões que a classe dominante nem sequer imagina.
> Como disse acima, tais significados dificilmente são capturados até mesmo
> por nós pesquisadores, pois mesmo inseridos no universo que pretendemos
> estudar estamos sendo mediados o tempo todo pela linguagem, pela
> subjetividade de nossos informantes, pelos conflitos entre valores
> culturais distintos etc., que dirá a classe dominante.
>

Ressignificação e intertertualidade são de fato palavras chave na
constituição da linguagem musical do funk carioca, e têm diversas origens:
na tradição afro-americana do *signifyin(g)* (Henry Louis Gates, *The
Signifying Monkey*, 1988); na musicalidade potencial do aparato de gravação
e reprodução do som (Pierre Schaeffer, "Introduction à la musique
concrète", 1950); na própria história do hip-hop, do qual o funk carioca é
parte, com suas origens no dub jamaicano. Ela se expressa não apenas na
música, mas também na linguagem, através de expressões como "cria",
"viado", "dar o desenrole", "tô bandida!" etc.

Os estereótipos sexuais da Putaria, de modo análogo, são matrizes para
ressignifcações sucessivas. Por exemplo "A casa das primas", original
machista, dá ensejo a "Casa dos machos", feminista, e finalmente, a uma
versão gay: "A casa das tias".


Sobre a apologia a certas culturas (tidas por marginalizadas), penso que
> ela pode realmente ter o "efeito ambíguo" que você menciona e as
> consequências que descreve, mas o tem principalmente se a posição em que
> estamos é exterior a essas culturas. Digo isso pois, pensando dessa forma,
> poderíamos inverter a lógica e dizer que a cultura funk igualmente nos é
> negada pela mesma classe dominante. Ao negar o livre acesso a outras
> expressões culturais (e é isso, acima de tudo, o que a estratificação
> social proporciona), a classe dominante o nega tanto à parcela
> desfavorecida da população quanto à parcela favorecida. Ao afirmarmos que a
> cultura acadêmica, por exemplo, está sendo negada aos funkeiros, devemos
> afirmar que a cultura funk está igualmente nos sendo negada.
>

Não é a cultura acadêmica que está sendo negada aos funkeiros, mas a
própria educação básica, para não falar nas garantias individuais,
cláusulas pétreas de nossa Constituição de 1988, aquelas mesmas que só
poderiam ser modificadas ou revogadas por uma revolução, cotidiana e
repetidamente desrespeitadas. O funk não está sendo negado a classe alguma:
ele anda por aí, circulando onde não se quer ouvi-lo, a todo o volume.

cp
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