[ANPPOM-Lista] Fotógrafo francês traça a ‘geografia noturna’ dos bailes funk no Rio

Pedro Filho pedrofilhoamorim em gmail.com
Sex Nov 9 18:32:33 BRST 2012


Gente...

confesso que não tinha visto a matéria nem o site do Vincent Rosenblatt
depois que li o primeiro email do Palombini. Mas depois de tanta polêmica -
e algumas declarações abismáveis - resolvi dar uma olhada. Só serviu pra me
apavorar com a ortodoxia, o puritanismo e a falta de tato com qualquer
alteridade (o "outro", pois a gente sabe que prá maioria dos assinantes
dessa lista o Funk é um "outro" quase alienígena). O pior é que, de fato:
as fotos são belíssimas, a matéria é simples e inócua (quero dizer, não me
soa como ofensiva a ninguém).

As reações exageradas falam por si.

Para além disso, as acusações de Eurocentrismo e sei lá o quê, neste caso
específico, me soam bastante ingênuas. Qual é o critério para se deixar
colonizar? A matriz antropofágica brasileira não garantiria anticorpos?
E no mais, a visão/ação/intromissão até de um estrangeiro no Brasil vão ser
agora reivindicadas? O que fez o moço Rosenblatt pra não ser tão bem aceito
como um Pierre Verger, ou, mais no nosso metier, Koellreutter, ou um Smetak?

Imagino mil petições de princípio, sobretudo de princípios hierárquicos de
mérito, por eu ter com parado o Rosenblatt com lendas da cultura brasileira
(SIC!). Reitero o acima dito: as reações exageradas falam por si.

Eu não vi nada demais (no mau sentido), só um belo trabalho.

Abraços a todos!

Em 9 de novembro de 2012 02:35, Rafael Marin da Silva Garcia <
rafaelmarin7 em hotmail.com> escreveu:

>  Prezado Luciano,
>
> Acredito que a legitimidade do funk enquanto gênero musical representativo
> das classes associadas só possa ser dada por aqueles que compartilham entre
> si, com toda plenitude, as significações e os valores culturais e
> identitários que o gênero proporciona. Sendo um estrangeiro neste universo,
> talvez nem mesmo o etnógrafo mais criterioso em seu trabalho científico e
> pesquisa de campo, ainda que imergido culturalmente em seus símbolos e
> significações, tenha o direito de conferir tal legitimidade, embora façamos
> isso o tempo todo na academia (e ainda que tal pensamento nos tire a função
> e os propósitos que acreditamos cumprir dentro da universidade).
>
> Quanto a possibilidade de o funk ser uma licença dada pela classe
> dominante (uso o termo "classe dominante" por comodidade) para manutenção
> de estruturas sociais desiguais e estratificadas, acredito que as
> ressignificações que o gênero sofre dentro do grupo no qual está inserido
> para atender, entre outras coisas, propósitos coletivos de constituição da
> identidade, possui dimensões que a classe dominante nem sequer imagina.
> Como disse acima, tais significados dificilmente são capturados até mesmo
> por nós pesquisadores, pois mesmo inseridos no universo que pretendemos
> estudar estamos sendo mediados o tempo todo pela linguagem, pela
> subjetividade de nossos informantes, pelos conflitos entre valores
> culturais distintos etc., que dirá a classe dominante.
>
> Sobre a apologia a certas culturas (tidas por marginalizadas), penso que
> ela pode realmente ter o "efeito ambíguo" que você menciona e as
> consequências que descreve, mas o tem principalmente se a posição em que
> estamos é exterior a essas culturas. Digo isso pois, pensando dessa forma,
> poderíamos inverter a lógica e dizer que a cultura funk igualmente nos é
> negada pela mesma classe dominante. Ao negar o livre acesso a outras
> expressões culturais (e é isso, acima de tudo, o que a estratificação
> social proporciona), a classe dominante o nega tanto à parcela
> desfavorecida da população quanto à parcela favorecida. Ao afirmarmos que a
> cultura acadêmica, por exemplo, está sendo negada aos funkeiros, devemos
> afirmar que a cultura funk está igualmente nos sendo negada.
>
> Por fim, numa tentativa de me retificar, gostaria de dizer que ao esclarecer
> que seu posicionamento intenta desestratificar as aparentes estruturas de
> poder exercida através da cultura, você deixa mais claro qual era sua real
> intenção no primeiro comentário. O esclarecimento que você agora nos dá
> certamente teria evitado a parte desagradável da discussão. Minha
> expectativa era que a matéria enviada inicialmente por Carlos Pombalini
> suscitasse discussões sobre o tema, e não comentários com juízos de valor
> depreciativos e em tom de deboche, como equivocadamente interpretei seu
> comentário.
> Peço-lhe, portanto, sinceras desculpas pelo sentimento de ofensa e pelos
> infelizes termos utilizados.
> Espero que aceite.
> Abraço
>
> Rafael Marin
>
>
> ------------------------------
> Date: Thu, 8 Nov 2012 07:31:38 -0800
> From: lucianocesar78 em yahoo.com.br
> To: anppom-l em iar.unicamp.br; cpalombini em gmail.com
> Subject: Re: [ANPPOM-Lista] Fotógrafo francês traça a ‘geografia noturna’
> dos bailes funk no Rio
>
>
> Prezados senhores da lista,
>
>
> A ligeireza com que tratei o assunto a que se refere o título desta
> mensagem facilitou julgamentos – esses sim, *ad hominem – *a minha
> pessoa, diretamente. Não reclamo da divergência de opiniões, mas me senti
> ofendido e humilhado por ser associado a uma lente de olhar “curioso”,
> “preconceituoso”, “elitista” do senso “comum”, “devoto e escravo dos
> ditames senhoriais” e por ter minha opinião sendo classificada como
> irrelevante, apesar de ter merecido a atenção dos senhores a partir de
> julgamentos que atingem a minha pessoa e não a opinião que emito a respeito
> de um gênero musical. Mas não recebi nenhum argumento.
>
> Há dois pontos que levantei em meu comentário que, pela leveza até
> irresponsável do meu tratamento, foram ignorados. Primeiro, a questão de se
> o funk é (entre muitas coisas diferentes que caracterizam o objeto social)
> um gênero musical legítimo como representação das classes populares
> associadas a ele, ou licença, dada pela classe dominante, para manutenção
> de estruturas sociais desiguais e estratificadas. O segundo ponto é, no
> caso de se considerar o funk como manutenção de estruturas estratificadas
> de poder, se o olhar estrangeiro laudatório não facilitaria a celebração
> dessa manutenção dominante. As questões são claras, e podem ser
> perfeitamente discutidas sem juízo do interlocutor e a partir de uma
> argumentação científica. Pode ser que frequentar e fotografar bailes
> realmente qualifique um fotógrafo a se dizer conhecedor “por dentro e de
> perto”, como afirma o sr. Rafael Marin. Mas trabalhar em projetos sociais –
> como é o meu caso – talvez também ajude a alimentar um olhar mais
> aproximado sobre a representatividade que os moradores de comunidades de
> periferia efetivamente conferem a esse gênero musical.
>
> Não entendo como a crítica feita a partir desses dois pontos
> (estratificação de estruturas de poder e apologia a uma cultura isolada,
> uma reforçando a outra) seja a de uma “mentalidade colonizada”, até porque
> não aleguei em momento nenhum, comparação com qualquer manifestação
> cultural de “elite”. Sequer falei da relação de belo-não belo. Esse
> preconceito, provavelmente, está na cabeça de quem leu. A defesa que faço -
> em minha vida privada e acadêmica - da política das cotas, por exemplo,
> leva em conta exatamente a intenção de desestratificar essas estruturas de
> poder exercido através da cultura. A meu ver, a apologia da cultura das
> classes subjugadas tem esse efeito ambíguo: por um lado celebra a vida
> cultural de uma comunidade, mas por outro, oculta a negação do livre acesso
> de outras expressões culturais a uma parcela desfavorecida da população num
> movimento de dominação implícita.
>
> Isso não é fruto de uma pesquisa científica, mas uma opinião (embasada) a
> que tenho direito, com toda a probabilidade de ser refutada por
> convencimento da parte de pesquisadores comprometidos com a questão. O que
> eu não gostaria é de me ver enredado em ofensas pessoais por defender tal
> opinião, mesmo que tenha que discutir e reconhecer o erro de meu ponto de
> vista.
>
> Embaso essa discussão não só em minha opinião mas, entre outras
> experiências, na ação pública do escritor, cantor e artista Ferrez (
> http://ferrez.blogspot.com.br/p/autor.html), a quem tive oportunidade de
> ouvir renegando os bailes funk como representativos da cultura de periferia
> (palestra dada ao programa Guri Santa Marcelina em 08/02/2012). Não sei se
> Ferrez concordaria com minha mensagem, mas com certeza discutiria a questão
> em outros termos. Sou levado a pensar que talvez ele discutisse a questão e
> não a minha pessoa. E talvez, mesmo que concordasse comigo do ponto de
> vista da crítica, apreciaria a qualidade artística das fotos, como eu
> também apreciei.
>
> No entanto, o sr Carlos Palombini e o sr. Rafael Marin responderam como se
> se quisessem pareceristas de um artigo acadêmico ao que deveria ter sido a
> expressão livre de uma opinião. Ou seja, cientificizaram o rechaçamento de
> minha pessoa, de minha capacidade de raciocínio (“O restante do raciocínio,
> se é correto empregar este termo aqui”), rejeitaram minha experiência
> possível e subestimaram minha capacidade de compreender argumentos
> contrários que, acredito sinceramente, os senhores são perfeitamente
> capazes de proferir. Nesses “pareceres”, um verniz cientificista deslocado
> trouxe a luz uma leitura rasa que atribui à minha pessoa posições que
> absolutamente não defendo, além de me acusarem de ignorante sem sequer
> conhecer a experiência que tenho como professor de projetos sociais. Nenhum
> dos dois me conhece pessoalmente para justificar o seu juízo.
>
> Pergunto aos senhores onde está o argumento *ad hominem *na minha
> mensagem, já que não mencionei pessoas: o termo “francês ver”, de minha
> primeira frase, alegoriza um olhar estrangeiro, tradicionalmente
> deslumbrável pelo exótico com que reveste o diferente, às vezes para
> mostrar a beleza, mas às vezes para negar a injustiça social imanente ao
> fenômeno social que observa. Nas respostas, entretanto, faculdades
> cognitivas foram mencionadas. Fui acusado, além de elitista e ignorante,
> também de falacioso no “abraço” com que sempre assino minhas mensagens
> escritas a comunidade acadêmica de que faço parte, que amo e defendo, mesmo
> discordando, exercendo minha liberdade de expressão e confiança de que
> minhas opiniões possam ser acolhidas, compreendidas e refutadas sempre que
> necessário.
>
> Se falei uma imensa bobagem, peço sinceras desculpas e me disponho a
> pesquisar melhor os dados. Como acabo de dizer, manifestei uma opinião e
> estou realmente aberto a argumentos que enriqueçam essa opinião, desde que
> haja discussão dos pontos levantados. Mas eu, sinceramente, esperava uma
> reação melhor dos senhores.
>
>
>
> Grato pela atenção,
>
> Um abraço a quem aceitar.
>              Luciano Morais
>
>
>
>
> --- Em *ter, 6/11/12, Carlos Palombini <cpalombini em gmail.com>* escreveu:
>
>
> De: Carlos Palombini <cpalombini em gmail.com>
> Assunto: Re: [ANPPOM-Lista] Fotógrafo francês traça a ‘geografia noturna’
> dos bailes funk no Rio
> Para: anppom-l em iar.unicamp.br
> Data: Terça-feira, 6 de Novembro de 2012, 14:41
>
> Interessante como os ataques à matéria mostram uma forte propensão ao *argumentum
> ad hominem*, isto é, atacam o oponente, e não seus argumentos. Trata-se
> de uma falácia lógica ou, mais precisamente, de uma irrelevância. O
> restante do raciocínio, se é correto empregar este termo aqui, é
> tautológico. Não há qualquer sombra de elaboração teórica ou de experiência
> reveladora do que quer que não seja preconceito de classe, isto é,
> ignorância. Agradeço a gentileza dos "abraços", que não posso aceitar, por
> falaciosos.
>
> cp
>
> Mensagem de Rafael Marin:
>
> Ao invés de uma celebração pela etnografia fotográfica que o olhar - de
> perto e de dentro - de Vicent Rosenblatt nos traz (trabalho este que
> deveria levar, em primeiro lugar, a uma discussão acerca das pesquisas
> etnomusicológicas que têm como campo e objeto de pesquisa os espaços do
> funk carioca e suas implicações sócio-culturais), o que tivemos foi,
> lamentavelmente, um infeliz comentário que reflete um olhar - de fora e de
> longe - ingênuo (cientificamente falando), preconceituoso e elitista de
> um devoto e escravo dos ditames senhoriais que ainda insistem em se
> proclamar, através de seus porta-vozes, detentores dos critérios que
> distinguem o belo do não-belo, o artístico do não-artístico, o estético do
> não-estético, quando na verdade a única distinção que fazem é entre
> ciência e senso comum, entre pesquisador e curioso.
> Rafael Marin
>
>
>
> 2012/11/6 <lcm em usp.br <http:///mc/compose?to=lcm%40usp.br>>
>
>     Cultura pra francês ver. Às "elites" interessa exatamente isso:
> alienação, ignorância, superficialidade da classe popular. O funk não é uma
> insurreição contra nenhuma estrutura social, pelo contrário. Até defendo o
> o funk como expressão social e cultural de uma classe oprimida, mas a
> apologia e a esteticização disso me parece a mesma coisa que elogiar a
> pujança e a beleza das senzalas.
> Abraço,
>
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