[ANPPOM-Lista] os novos favelados: PhDs na favela

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Dom Abr 7 21:13:39 BRT 2013


Artigo muito bom para professores visitantes na UFRJ, UERJ, UFF, Uni-Rio
etc. que querem morar sem pagar muito caro em bairros com serviços de Zona
Sul, doméstica que mora ao lado, e pesquisa de campo na sala.

Os novos favelados: Ph.D’s na favela

[image: rocinha1]<http://www.anf.org.br/wp-content/uploads/2013/04/rocinha1.jpg>

*Paulo Baía**
* Giovanna Barreto**

Nos últimos cinco anos todo o território da região metropolitana do Rio de
Janeiro vem passando por um acelerado processo de valorização simbólica,
material e geopolítica. Ao contrário do que se possa pensar, esse movimento
não é consequência dos grandes eventos dos próximos anos 2014 e 2016,
cotidianamente estampados no jornal. Mas é, sobretudo, a sua causa.

Essa supervalorização está contida em um processo de mundialização do
capital financeiro especulativo associado a uma política nacional que
estimulou o crédito e o consumo para todas as faixas da população
brasileira. Estamos imersos – quase náufragos – em uma sociedade de valores
invertidos, onde a palavra cidadania, nascida do latim civitas – que quer
dizer cidade – perdeu sua significância de direitos e deveres de todo e
qualquer cidadão por seu novo significado: o poder de poder consumir. Dessa
nova estrutura social emerge um novo tipo de dinâmica populacional que é
retratada no censo demográfico de 2010 pelo IBGE como um processo
migratório de natureza diferenciado. O grande Rio deixa de ser um dos
principais polos de atração das populações da região norte e nordeste e
passa a ser polo de atração de muitos grupos da classe média internacional
e da classe média das cidades do interior do estado do Rio de Janeiro e de
outros estados. O Rio de Janeiro, “cidade maravilhosa” e patrimônio
Cultural da Humanidade, mas que, contraditoriamente, de fato a poucos
pertence se transformou em polo de atração para ricos e classe média
abastada. E, ao contrário do que se possa pensar, esse novo tipo de
ocupação não se restringe a áreas hoje ocupadas pela nossa moderna nobreza
social, mas se dá em todas as suas paisagens, incluindo as favelas. Através
de uma política estrategicamente formulada que associa segurança pública,
ordem pública e controle territorial, a ideia das favelas como um lugar de
perigo é substituída por territórios pacificados militarmente, onde a
lógica da pacificação militar exerce um controle social direto sobre os
moradores tradicionais da favela.

Os moradores tradicionais passam a viver vários tipos de pressões; neste
artigo vamos detalhar apenas dois. Em primeiro lugar, os moradores são
estimulados ao consumo através de crédito facilitado, ao mesmo tempo em que
recebem algum tipo de renda através de ações afirmativas do governo (como,
por exemplo, o programa Bolsa Família). Essa renda gera possibilidade de
consumo. Em segundo lugar, uma pressão mais violenta e mais cruel, já que
no lugar das suas moradias o custo de vida tem um aumento muito superior a
suas capacidades de geração de renda: nos espaços pacificados militarmente
ou mesmo nas favelas não pacificadas, mas sob o controle militar das
milícias ou de facções criminosas, o custo de eletricidade, de comida, de
bens e serviços aumentou muito. Este aumento faz com que o morador amplie a
sua capacidade de endividamento, chegando a um ponto em que se torna
prisioneiro das cadeias de credores formais (bancos, financeiras) ou
informais (vendedores de porta, agiota, amigos). Contudo, esses moradores
tradicionais da favela têm um bem que se valorizou muito, que é a sua
própria casa. Mesmo em condições muito precárias, há um valor imobiliário
real agregado associado ao valor da especulação imobiliária que existe, em
larga escala, também nas favelas. O que temos observado é que a chamada
nova classe média surge nas favelas e fora das favelas e faz um processo de
migração de uma favela para outra, comprando casas de pessoas muito
endividadas que vendem os seus barracos por valores entre 15 a 40 mil
reais, dependendo da localidade, e vão se localizar na periferia das
periferias. A este processo os urbanistas e os cientistas sociais e
demógrafos que opõe resistência ao modelo chamam de expulsão branca. Os
movimentos sociais nas favelas, contrários a este movimento, usam a
denominação remoção branca, enquanto que os dirigentes políticos, as elites
empresariais e os seus tecnocratas chamam este processo de renovação
populacional. O fato é que estamos assistindo a um processo de “limpeza”,
“higienização” das favelas dos favelados que estão sendo substituídos por
moradores das novas classes médias e das velhas classes médias. Quando
falamos em classe média, não ficamos prisioneiros do simplismo dos
economistas, que somente avaliam os padrões de consumo. Remetemos as novas
e as velhas classes médias à aquisição não apenas da capacidade de consumo,
mas, sobretudo à aquisição de novos valores societais vinculados à ascensão
social, ao consumo e ao prestígio. Como exemplo, citamos dois professores
doutores, titulares da UFRJ, com propriedades no bairro de Ipanema, na Zona
Sul do Rio de Janeiro, que compraram e reformaram casas na favela do
Vidigal, e lá estão morando. Isso representa para eles uma diminuição muito
grande dos seus custos sociais e financeiros, ao mesmo tempo em que moram
em uma região pacificada militarmente, o que para eles não afeta suas
subjetividades. Além da diminuição de custos, tiveram oportunidade de
alugar os seus apartamentos supervalorizados em Ipanema por valores
superiores a 5 mil reais, para famílias de executivos estrangeiros que
estão trabalhando na cidade do Rio de Janeiro. Longe de pensar que dois
doutores morando no Vidigal possam contribuir para o aumento da consciência
cívica e educação dos antigos moradores favelados do morro, esses dois
novos moradores representam a um só tempo um símbolo e um sinal da remoção
branca e da “limpeza” populacional silenciosa promovida pela dinâmica do
mercado capitalista.

 Os governos não falam mais hoje em remoção de favelas, a não ser
pontualmente em regiões da Zona Oeste em função de obras de infraestrutura,
mas há um estímulo do mercado para que as novas e as velhas classes médias
ocupem as favelas como consumidores e como moradores, o que já começamos a
enxergar em quase todas as favelas da Zona Sul do Rio de Janeiro, da Tijuca
e do Complexo do Alemão. A dinâmica é a dinâmica capitalista de valorizar a
propriedade e a liberdade de compra. Esses valores são assegurados por um
território pacificado militarmente. Contudo, não somos de todo pessimistas.
Os valores de mercado também foram introjetados nas subjetividades dos
antigos favelados, que ainda sem clareza, mas com maior consciência,
tornam-se empreendedores de si mesmo. A expressão “vou me virar” para ter
algum ganho na vida passa a ter outro significado de natureza sociológica
quando é agregado à ideia de empreendedorismo. Este, por sua vez, é
facilitado por várias atividades hoje presentes nestes territórios, através
de agências empresariais como SESI, SENAI, SENAC e SEBRAE ou órgãos
governamentais específicos de capacitação para o empreendedorismo e de
crédito. Os movimentos sociais deixam de ter um caráter de reivindicação
por direitos de cidadania e passam a ter como eixo demandar serviços de
capacitação para empreender e assim tornarem-se geradores de sua própria
renda e consumidores dentro do mercado global do grande Rio, associados a
valores típicos de uma classe média sofisticada. Podemos citar como exemplo
o projeto Favela Orgânica, em que centenas de favelados são capacitados a
reciclar o seu lixo alimentar para melhorar a qualidade de vida e gerar
possibilidades de negócio. A isso está atrelada a ideia de
sustentabilidade, que não exclui a desigualdade social e sua hierarquização
perversa, mas introduz de maneira muito consistente o espírito do
capitalismo de acumular capital e gerar renda e lucros para quem participa
dele. Esses são os novos valores civilizatórios emergentes nas favelas do
Rio de Janeiro, sustentados por um discurso quase único de todas as mídias,
exceção feita às mídias alternativas em que os favelados falam por si mesmo
– como este jornal ou esta agência.

Na maioria das favelas pacificadas vemos o surgimento de hospedarias, casas
de show e restaurantes num circuito que cada vez mais atrai o público rico
brasileiro e estrangeiro, em busca da diversão de boa qualidade.

Nunca a expressão de Lícia do Prado Valladares “passa-se uma casa” esteve
tão presente como hoje, entretanto de forma muito diferente da de quando
Lícia escreveu sua tese de doutorado.

*-Os autores são militantes sociais, Sociólogos e professores.
http://www.anf.org.br/os-novos-favelados-ph-ds-na-favela/

carlos palombini
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