[ANPPOM-Lista] Pertinente - sobre o velho assunto do produtivismo

Thiago Colombo de Freitas thiagocolombo em hotmail.com
Ter Ago 6 09:39:12 BRT 2013



Bom dia, colegas!
Compartilho texto do Prof. Veiga-Neto, que acompanha link para artigo do Prof. Sergio Martins em O Globo.Parece-me pertinente a diversas discussões sobre o campo acadêmico que temos tido.
Abs,

Texto de Alfredo Veiga-Neto

Pela atualidade e relevância, repasso o texto do Sérgio Martins, mais abaixo. Trata-se de uma discussão muito importante e oportuna para a vida acadêmica, sistemas de avaliação, concursos, seleções, quantitativismo X qualitativismo, curriculomanias etc.
Mas, além de toda a discussão que aquele texto levanta, eu gostaria de ir um pouquinho mais “embaixo” ou, talvez melhor, eu gostaria de examinar a moldura em que se dão os “fenômenos” que são objeto de sua crítica. Quero contribuir modestamente para, como disse Foucault, “tornarmos difíceis os gestos fáceis demais”: acho que vale a pena pensarmos para além do produtivismo e da burocracia/buRRocracia (o que não significa que ambos não estejam em ação, como pertinentemente assinala o Sérgio Martins). Tomo, então, a liberdade de escrever o que segue e enviar esta mensagem para vocês.
Tenho insistido que as atuais fúrias avaliatórias são manifestações do imperativo da competição – o grande tópos do neoliberalismo, como o consumo foi (e ainda é) o grande tópos do liberalismo. As lições de Foucault, no Nascimento da biopolítica, estão mais vivas do que nunca. É nesse quadro da racionalidades neoliberais que se pode perguntar: por que estamos vivendo, nas universidades, esse clima de avaliações permanentes? por que tanto quantitativismo? para que serve tudo isso? Simplificando, penso que tal estado de coisas serve a dois maiores objetivos:
1. Em termos gerais, o quantitativismo e as fúrias avaliatórias na nossa vida acadêmica estão “a serviço” do endividamento humano (nos termos de Maurizio Lazaratto). Conforme brilhantemente ele demonstrou (La fabrique de l’homme endetté) e na esteira de Foucault e de Deleuze, o neoliberalismo precisa (para seu efetivo funcionamento) de indivíduos (sempre e cada vez mais) endividados. Lembro que essa é uma questão que vai além da própria Economia. O endividamento é condição necessária para o neoliberalismo na medida em que é ele, o endividamento, que mantém os indivíduos incluídos na – e atrelados/presos à – lógica do capital, graças à “vontade de competir” (com os outros e consigo mesmo). Sendo assim, o neoliberalismo se dá como uma forma-de-vida (e não como uma ideologia). Ele não se coloca entre nós e uma uma suposta realidade externa a nós; ele não se coloca acima de nós. Ele funciona “dentro” de cada um de nós, indivíduos cujas subjetividades têm entranhado, em si mesmas, um certo tipo de racionalidade (fundada numa suposta liberdade de escolha, autorrealização, empreendedorismo, competição etc.).
2. Em termos brasileiros (mas não só brasileiros), eu pergunto: essas fúrias não servem também como despiste, como encobrimento, como ação diversionária à avalanche da corrupção endêmica e oficial que se abate impunemente sobre todos nós? Neste caso, lembremos também as crescentes e draconianas medidas de controle sobre a vida acadêmica; lembremos a formulariofilia e a relatoriofilia – agora transformadas em formulariomania e relatoriomania. Ambas são apenas as pontas do iceberg imenso dos “controlatos” deleuzianos dessa nossa sociedade contemporânea... Tudo isso, combinado com a presentificação, é que faz com que, por exemplo, cada um de nós volta e meia esteja perigosamente em dívida com o SCDP (http://www.governoeletronico.gov.br/acoes-e-projetos/compras-eletronicas/sistema-de-concessao-de-diarias-e-passagens-2013-scdp). O SCDP é muito interessante; tem lá os seus aspectos positivos, mas também negativos. Mas não esqueçamos que “tudo é perigoso”. E como seria bom se ele também controlasse as sistemáticas mordomias das viagens em jatinhos oficiais e outros que tais!!!
Por fim, lembremos o quanto nós mesmos – ou, pelo menos, quantos de nós mesmos... – não aderimos a tudo isso e até nos tornamos papiromaníacos, formulariómanos relatoriómanos? É cada vez mais urgente compreendermos que muito disso tudo é produzido não só com o nosso silêncio como, também, é produzido e/ou colocado em circulação por nós mesmos. Não dá mais para ficar na confortável dicotomia do “eles lá e eu aqui”... A governamentalidade neoliberal não está fora de nós... Bem mais complicado do que isso, ela se colocou em nós, dentro de nós, Homo neoliberalis...
Comentando sobre os fascismos da nossa vida acadêmica cotidiana e provocado pela “Introdução à vida não fascista”, de Foucault, em um outro lugar eu escrevi:
“Esses técnicos do desejo, militantes do Estado, em geral ‘caídos de amores pelo poder’ e em boa parte escolhidos por nós mesmos, parecem ‘martelar nossos espíritos e nossas condutas cotidianas’. Mas será que não partilhamos, com eles, ‘o fascismo que nos faz amar o poder, desejar essa coisa que nos domina e esplora’? Será que, como eles, também não ativamos esse poder ubuesco, esse poder que maximiza seus efeitos justa­mente ‘a partir da desqualificação daquele que o produz’?”
Alfredo Veiga-Neto
Link para matéria:
http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2013/08/02/homo-lattes-505601.asp
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Thiago Colombo de Freitas

Universidade Federal de Pelotas

Centro de Artes

http://thiagocolombo.blogspot.com.br/

 		 	   		  
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