[ANPPOM-Lista] O "Ciência sem Fronteiras": Editorial O Estado de S.Paulo

Daniel Lemos dal_lemos em yahoo.com.br
Seg Jan 28 06:57:47 BRST 2013


Caros colegas,

Parabenizo-os pelo manifesto, e dou pleno apoio. Irei ajudar a encaminhá-lo pela internet. Espero que possa ecoar o suficiente para mostrar esta verdadeira aberração que é o programa "Ciências sem fronteiras", que nada mais faz além de aumentar o desequilíbrio o que se observa no cotidiano acadêmico: áreas de exatas e biomédicas ganhando maiores recursos por serem "ciências legitimadas" pelo capitalismo.

A quem receber, por favor ajude a encaminhá-lo.

Daniel Lemos CerqueiraCoordenador do Curso de MúsicaCoordenador do PIBID de Artes
Membro da Comissão Permanente de VestibularUniversidade Federal do Maranhão (UFMA)
http://musica.ufma.br


Manifesto da
comunidade acadêmica ligada às Artes e Humanidades; Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-graduação em Música; etc.

 

Nós, abaixo
assinados artistas, estudantes e professores universitários manifestamos nosso
desagravo e crítica para com as ideias publicadas no editorial publicado neste
jornal, apresentando as posições do Tribunal Federal do Ceará e do Sr. Ministro
Aloizio Mercadante a respeito das iniciativas para o avanço da ciência. O
editorial acaba tratando também das respectivas discordâncias e atitudes
forçadas de demais áreas que, sendo também ciência, lutam pela viabilidade de
suas pesquisas: os 20 cursos de ciências humanas e sociais (incluindo letras,
sociologia, artes, publicidade e comunicação) que procuraram amparo nos
recursos do programa Ciência Sem Fronteiras. O nome do programa se apresenta
hoje em contradição, já que lida com fronteiras conceituais muito claras. O discurso
que questiona essas fronteiras foi silenciado de maneira violenta e
imponderada, razão pela qual julgamos necessária uma manifestação.

Embora o
conceito de ciência seja amplo e multifacetado, o editorial apresenta uma visão
limitada que poderá ser responsável pela continuação do extraordinário
desequilíbrio no desenvolvimento intelectual de uma sociedade gigantesca como é
a brasileira. Desenvolvimento desequilibrado não é desenvolvimento, como temos
podido experimentar durante séculos de história no Brasil. Nossa discordância
representa a indignação para com a visão restritiva por parte de pessoas que
comandam as ações oficiais do Estado Brasileiro e o apoio da imprensa para com tal
ignorância.

O primeiro
aspecto a ser observado é o equilíbrio de ações de financiamento e estratégias
abrangentes que equalizem os recursos públicos. Nesse sentido, não é verdade
que “... nas humanidades, o Brasil já tem uma expressão bastante grande", como
alega o Ministro Mercadante. Essa avaliação prescinde de consulta aos
acadêmicos das diversas áreas e acaba justificando um investimento muito maior em
pesquisa das engenharias, cuja prioridade não é consenso fora dos interesses
(corporativos, por que não, neste caso?) dessas áreas específicas. A afirmação em
questão, além de desautorizar a opinião dos especialistas ligados às
humanidades, também acaba desautorizando a autonomia acadêmica, ao permitir que
uma decisão de fomento sofra intervenção de um tribunal de justiça. Tal
avaliação cabe aos próprios acadêmicos e profissionais das áreas e os
responsáveis diretos pela administração dos recursos. Além disto, não foi
citada como área de “ciências humanas” outras disciplinas de Filosofia,
Geografia, História, Sociologia ou Linguística, Letras e Artes. Há uma redução
como área de prioridade em Ciências Humanas a Administração de Empresas.
Trata-se de um campo de interesse direto da iniciativa privada, cujo aplauso
parece ser o maior critério para aprovar políticas de financiamento. Porém, administrar
se refere a lucro e a funcionalidade de estratégias de auto-gestão monetária. O
próprio conceito de “conhecimento” em Administração é definido em termos de
utilidade para a viabilidade pecuniária das iniciativas empresariais. Dar por
resolvida a questão por ser o programa elogiado “pela iniciativa privada” sem
uma consideração dos interesses desse setor é aceitar um corporativismo no
mínimo equivalente ao que acusa o autor do editorial do Estado de São Paulo. É
desconsiderar valor e propósito do pensamento que inclua, supere e critique os
modelos de gestão de capital, que podem ou não ter a ver com cultura e
conhecimento. As pressões das diversas comunidades acadêmicas são tão legítimas
quanto as de qualquer outra instância da sociedade.

Optar por um
lado, nesse caso, confirma o velho senso comum que afirma não interessar ao
governo ter cidadãos pensantes e críticos, mas operadores servis e ignorantes
dóceis às manobras políticas e – estas sim – corporativistas dos setores com
mais poder dentro da difícil relação governo-setores privados.

É sabido que um
país desenvolvido é um país com forte atividade cultural e amplo debate de
intelectuais nos diversos setores sociais. Físicos como Heisenberg e Einstein
tocavam, respectivamente, órgão e violino e é bastante questionável pensar se
teriam sido tão geniais em suas áreas se não tivessem tido acesso ao patrimônio
cultural e intelectual disponível em seu tempo. O que possibilitou esse acesso
foi uma estrutura de interesse coletivo e equilibrado, distribuído entre
orquestras, músicos, pintores, escritores, filósofos, professores, arquitetos,
ao lado dos engenheiros, administradores, agentes ferroviários, marceneiros,
metalúrgicos, garis e todos os demais setores, visando um crescimento em
conjunto. As descobertas desses físicos foram usadas para fomentar a guerra e a
morte em massa justamente por militares e estrategistas que compreendiam pouco
do que significa a herança cultural e humana. No entanto, é esse desequilíbrio
que o governo pretende sustentar, com o aval da grande imprensa representada
por este jornal.

            O
governo não “acertou ao lançar um programa que reduz a distância entre as
universidades brasileiras e as estrangeiras mais conceituadas nas áreas de
conhecimento estratégicas para o desenvolvimento do País”, ele simplesmente
privilegiou um setor. Não repudiamos esse apoio. Urge, no entanto, repensar
essa postura para com as outras áreas do conhecimento produtivo: artes,
filosofia, história, comunicação, ciências sociais são tão ou mais importantes
para o desenvolvimento intelectual de uma nação quanto matemática ou
engenharia. E esse desenvolvimento intelectual é o que realmente nos
distinguiria de escravos, máquinas ou animais.

            Lamentamos
a atitude de desclassificar as vozes em desacordo como “pressões corporativistas”.
Ora, qual é a diferença entre desacordo democrático, argumentação participativa
e interesse corporativo? Não poderíamos acusar os setores de engenharia e
“ciências”, que estão sendo cada vez mais beneficiados, como corporativos? O
que faz com que eles sejam tratados como prioritários e os outros como chorões
e interesseiros? A resposta tem que ser dada ao esclarecer a ênfase que o
governo pretende estabelecer e ao tipo de desenvolvimento a ser privilegiado.

Acreditamos ser
necessário que o fomento seja equilibrado na direção das demais ciências
humanas e das artes. Acusar essa posição de corporativismo é defender uma política
manca, míope e restritiva sobre o que significa desenvolvimento, é expor a
própria ignorância, é compactuar com o obscurantismo que nos mantem distantes
dos demais países desenvolvidos TAMBÉM em áreas como cultura, escolarização.
Acreditamos que essas distâncias sejam tão grandes, ou até maiores, do que as
existentes nas áreas privilegiadas pela declaração unilateral deste editorial.

 

Comunidade, ANPPOM, professores, estudantes
de artes, filosofia e a quem mais possa interessar.
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