[ANPPOM-Lista] Continuando a discussão - Música erudita, academia e sociedade

Carlos Sandroni carlos.sandroni em gmail.com
Qua Jun 5 11:09:26 BRT 2013


[Mudei o "assunto" a pedido do Daniel]

Prezado Luciano (e demais colegas),

Obrigado por seu email. Fico contente de conhecer suas idéias de maneira um
pouco mais detalhado do que é possível numa rápida intervenção de
mesa-redonda.

É verdade que a ANPPOM é um espaço privilegiado para se pensar sobre a
posição da chamada "música erudita" na sociedade brasileira. Mas acho que
ainda temos feito isso numa escala muito modesta. Tenho a impressão de que
quem mais tem refletido sobre isso são nossas/nossos colegas da área de
Educação Musical.

Já entendi que você não pensa assim, mas a tua fala rápida lá em João
Pessoa sugeriu algo que talvez não seja um fantasma, ou seja, a idéia de
que "já que o espaço da música erudita se reduz ao mínimo na sociedade, é
preciso reforçar seu espaço na academia, com as proporções invertidas, como
compensação"; ou ainda, "fazer dos departamentos de Música a trincheira da
música canônica (aliás, "erudita" ou não, "européia" ou não) negada pela
mídia de massa". Gostaria de estar reagindo contra moinhos de vento, mas me
parece que idéias assim afloram nestas intervenções meio irrefletidas que
fazemos em debates de congressos e em emails em tom emocional. Como o do
Mario Marochi, cheio de maiúsculas e pontos de exclamação (parece que a
gente está ouvindo gritos). Dá pra notar que, como disse o Anthony Seeger
numa conversa recente com meus alunos aqui em Recife, a música mexe mesmo
com valores e convicções muito importantes para cada um de nós! Isso pode
ser uma excelente base para o fazer musical (que certamente também vai
muito além disso). Mas para a reflexão sobre o papel da música e da
educação musical na sociedade, me parece obrigatório ter algum
distanciamento em relação a estas convicções pessoais.

Acontece que, fantasmáticas ou não, estas falas correspondem a uma
realidade bastante concreta que procurei retratar em meu email anterior.
Muitos, possivelmente a maioria, dos departamentos de música das
universidades brasileiras funcionam, na prática, valorizando acima de tudo
os compositores, repertórios, formações instrumentais e ideologias musicais
cristalizadas na Europa de 1750 a 1900 aproximadamente.

Mas nós da ANPPOM estamos entre os melhor situados no Brasil de hoje para
refletir sobre esta situação e, transformando-a, propor novas posições para
estas práticas e repertórios. Acredito que eles ganhariam em descer do seu
pedestal cada vez mais periclitante, para dialogar com a sociedade e com as
musicalidades efervescentes de um país imenso como o nosso, e de um tempo
de incertezas e mudanças como o que vivemos. Não enquanto uma "verdade
musical" que vem se anunciar esperando a adesão dos que ainda não sabem (o
que só vai gerar decepções como a do André Mehmari). Mas como um conjunto
valioso de recursos e possibilidades de expansão de horizontes sonoros, ao
lado de outros. Um conjunto de possibilidades de construção,
necessariamente dialógica se não quiser ser frustada, de vivências e
expressões musicais. Com certeza é muito mais complicado do que isso, mas
estou apenas escrevendo um email.

E aproveito para dizer ao Daniel também: para fazer isso, precisamos, não
direi de "teorias sociais", mas ao menos precisamos ler os musicólogos (não
direi etnomusicólogos) que já estão nestas trilhas de reflexão, uma
reflexão num "patamar mais elevado" do que é possível aqui, mas que é
afinal o patamar que nos cabe enquanto professores de universidades
públicas brasileiras. Musicólogos insuspeitos de preconceito contra a
Europa, como Nattiez, Nicholas Cook, Lawrence Kramer e tantos outros,
dariam gargalhadas (ou chorariam) com essa conversa sobre "música
universal" que ainda teima em aparecer em um ou outro email desavisado.
Certamente também há contribuições brasileiras nestes debates, nas nossas
publicações acadêmicas e nos anais de nossos congressos.

Saudações,
Sandroni




2013/6/3 luciano cesar <lucianocesar78 em yahoo.com.br>

> Referente a este parágrafo específico do Prof. Sandroni:
>
>
> "O email me lembrou o estudante que falou após uma mesa da qual participei
> na ANPPOM de João Pessoa ano passado, e que também me tirou do sério. Ele
> disse algo como: "A ANPPOM é o lugar da música erudita na academia", ou
> algo parecido. Fiquei chocado, mas após alguns segundos de pasmo consegui
> responder: "Você está errado. A ANPPOM é muito mais do que isso. Ela é de
> todas as músicas".
>
>    O estudante em questão sou eu.
>
>    A sua resposta realmente foi bonita, tanto aqui como na ocasião. Mas eu
> quero aproveitar a oportunidade para ressaltar que minha observação naquele
> contexto não pedia que se fechasse as portas da pós-graduação para a música
> outra que não esta, pelo contrário. Tinha como propósito reforçar que a,
> assim chamada, "música erudita" (que seria melhor identificada como esse
> repertório histórico, canônico, tão pacificamente apresentado no seu email,
> e que pode e deve ceder espaço em nossas universidades para estudo e
> pesquisa das outras músicas) encontra cada vez menos espaço na cultura
> geral e que a universidade parece ser cada vez mais um dos poucos lugares
> onde se pode submetê-la a uma consideração mais detida e profunda. Desde
> ajudar a tirar dela o rótulo de "música de elite" até fomentar uma escuta
> que independa do instrumento que se toca ou do repertório que se aborda
> para que se coloque ao lado dessa música outra, esses parecem ser papéis
> cada vez mais restritos aos cursos universitários e programas de
> pós-graduação.
>
>     Foi a isso que minha observação veio. Concordo que a Anppom é o lugar
> de todas as músicas, embora ache mais adequado dizer que é o lugar de todas
> as pesquisas em música. Mas ela é, também, cada vez mais um dos poucos
> lugares em que se pode saber ou pensar alguma coisa desse repertório
> canônico. Na esfera pública, aliás, esse repertório tem cada vez menos
> "canonicidade", isso para o bem e para o mal.
>    Gostaria de ter deixado isso claro na ocasião antes que eu ficasse na
> sua lembrança como um etnocêntrico ou sabe-se lá o que mais foi pensado
> (com razão, porque o comentário realmente levaria a isto). Peço sinceras
> desculpas. Espero que esta seja uma oportunidade de reparar o dito
> precipitado.
>
> Luciano Cesar Morais e Silva
> Doutorando em musica.
>
>
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