[ANPPOM-Lista] Digest Anppom-L, volume 100, assunto 36

Daniel Lemos dal_lemos em yahoo.com.br
Sex Nov 1 14:54:25 BRST 2013



Caros,

Gostaria de fazer algumas considerações para encerrar este assunto por agora, pelo menos da minha parte.

Sou a favor da manutenção de uma manifestação cultural pelo Estado. Agora, se esta manifestação tende a se "acomodar", ficando estagnada em termos de diálogo com o contexto atual - que muda a velocidades cada vez mais rápidas - a "culpa" não é do Estado em mantê-la, e sim, de como é o funcionalismo público do Estado brasileiro. Logicamente, este é um problema que não recorre somente à Música, mas um exemplo claro dela foi mencionado pelo prof. Hugo ao falar do que está acontecendo com a Música Erudita. Se os conservatórios brasileiros estão atrasados em relação aos demais conservatórios do exterior (em termos de ideologias pedagógicas e práticas sociais), isso se dá pelas consequências, em longo, prazo, de como é a carreira de funcionalismo público. Não há estímulo à inovação, capacitação e pesquisa por novas metodologias de ensino.

A melhor definição de como deve ser a gestão cultural, na minha concepção, foi dita por uma Mestre de Tambor de Crioula, em um vídeo feito para a TV Futura ou o IPHAN (estou procurando ele aqui para compartilhar com vocês). Foi a afirmação mais genial que já ouvi sobre o assunto. Vou tentar resumir o que ela passou:

Na nossa Cultura, não podemos nos fechar tanto a ponto de impedir a descoberta de coisas novas. Mas também não podemos nos abrir tanto a ponto de descaracterizar a nossa própria identidade. O trabalho do artista exige muita responsabilidade, pois deve manter sua cultura equilibrando estes dois pontos.

Por isso, acredito que as políticas culturais devem, sim, permitir que o artista tenha total autonomia em seu trabalho, evitando que haja intervenções das mídias empresariais, políticas educacionais ou sociais - estas devem ficar restritas a seu devido campo, fornecendo autonomia às políticas da Cultura. Assim, assumem-se as responsabilidades do artista, da mesma forma que cada profissão lida com suas responsabilidades em particular. Na política em vigência atual, o artista é um dos menos beneficiados. Além disso, associar o trabalho dele à "utilidade pública" - quantidade de pessoas atingidas e público interessado - cria um círculo vicioso que já beneficia quem é naturalmente beneficiado pelas mídias massivas. Deve-se partir da concepção que todo artista, independende de sua proposta, deverá possuir seu público. E para formá-lo, ele precisa de espaço para trabalhar. É aqui que deve entrar o apoio das políticas culturais.

Os conceitos de "popular", "erudito" e "folclórico" certamente sempre serão alvo de debates acalorados na academia. Suas definições estão diretamente ligadas aos pontos de vista de quem argumenta (assim como certo e errado: "certo" é o que você concorda). Agora, o que eu preciso alertar aqui é como o governo e as empresas se aproveitam dessa incerteza para instituir políticas culturais de acordo com seus interesses próprios, ignorando as necessidades do artista - que, para mim, deveriam ser o foco. Como não há conclusões por parte do meio acadêmico acerca dos conceitos, o governo e as empresas podem aprovar o que quiserem e dizer que se trata de "cultura". O caso do MinC de oferecer apoio à Alta Costura ilustra perfeitamente esta questão.

Finalizando, acredito ser uma discussão de suma importância. Os Conselhos e Colegiados Setoriais de Cultura estão aí para abarcar este tipo de discussão. Seria muito interessante que a academia já se articulasse para desenvolver propostas interessantes para a área. As discussões podem ser cansativas, complicadas... e peço desculpas por afirmações que se mostraram inconvenientes, não foi a minha intenção. Tenho lidado ultimamente com muitas questões de Políticas Públicas de Cultura, e as humilhações a que estão sujeitos os artistas hoje me tiram do sério (os alunos do curso aqui que o digam. Cada semana é uma história diferente...) Entretanto, acredito que a discussão é muito importante, e espero esclarecermos melhor o que seriam políticas culturais interessantes para a realidade brasileira.

Daniel








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