[ANPPOM-Lista] Nilo Batista denuncia a censura inconstitucional: A criminalização do funk

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Qua Nov 6 17:00:52 BRST 2013


Hugo,

2013/11/6 Hugo Leonardo Ribeiro <hugoleo75 em gmail.com>

O que percebo de longe é que o funk está sempre se atualizando e, quando a
> mídia massiva resolver falar algo sobre ele, é porquê já está consolidado
> há muito tempo (nesses casos o Palombini pode sempre falar com mais
> propriedade que eu).
>

Acontece sim. Por exemplo, no caso de Thiago dos Santos (Praga), de quem
falava. Ele criou os dois maiores sucessos do MC Smith, "Visão de cria" e
"Vida bandida", que são a meu ver duas obras primas e, além disso, nas
interpretações superlativas do Smith, em sua fase megaestelar, ganharam
milhões de acessos no Youtube. A mais antiga dessas interpretações, a de
"Visão de cria", deve datar de 2008. Descobri Thiago dos Santos este ano
quando alguns amigos no Facebook postaram sobre uma matéria de duas páginas
que havia saído sobre o "Poeta da Vila Cruzeiro" num dos tabloides
populares no sábado. Na quinta-feira, vou à Roda de Funk e encontro
Gelouko. Gelouko está com ele e me apresenta. Marcamos uma entrevista. De
repente, eu fiquei conhecendo o autor de dois de meus proibidões
preferidos! A carreira dele já durava anos quando apareceu na mídia
subcultural. Agora, há muita coisa no funk que explode repentinamente em
bailes de favela e no Youtube e vai parar na "grande" mídia. Foi o caso do
MC Vitinho e os Avassaladores, com aquele "Sou foda". Dizem que hoje ele
vive dos direitos autorais que recebe pela versão sertaneja da música. Ou
do "Ai, Leleke, Leke, Leke", que saiu da favela pra grande mídia dançado
pelo Neymar no vestiário e no campo. Ou da última febre de que tenho
notícia, aquele Passinho do Pombo, que apareceu na Eliana. Mas essas
pessoas somem.

Acredito que o funk carioca é o típico caso da indústria musical
> tradicional (em alguns casos, essa tal de indústria da cultura, pelo que eu
> acho que o RRR quer dizer) querendo se aproveitar de um público e sucesso
> que não depende dela para existir. Por isso acredito que pesquisas
> envolvendo a cultura do funk carioca tem muito a nos dizer.
>

A grande mídia cede espaço a esses artistas como concessões. Porque no
fundo, o funk não é digerível. Ele causa mal estar. E, na TV, tende a
tornar-se obsceno. Como a MC Byana, cantando "Vem, ousadia, vem, ousadia, /
Festinha, festinha!" ao invés de "Vem, putaria, vem, putaria / Orgia,
orgia!". O mercado do funk, em seu território, compete com o da grande
mídia, que só o engole travestido. Por isso, há que proibi-lo, do mesmo
modo como se botam pra correr as economias locais nas comunidades
"pacificadas".


> O funk carioca é um exemplo claro de uma prática marginal que sobrevive às
> próprias custas, sem nenhum apoio estatal (muito pelo contrário, como
> mostra a reportagem), que desenvolveu toda uma rede de divulgação de sua
> produção e mantém constantes apresentações musicais sempre lotadas.
>

Sim, mas seus espaços são progressivamente interditados, embora continuem
alimentando os caixas de muitas delegacias fora do circuito das UPPs,
através de arregos ou propinas.


> Acho que muitas práticas musicas acadêmicas engessadas teriam muito a
> aprender com isso, principalmente por causa de sua sobrevivência subsidiada.
>

É verdade. Muita gente não entende que não é inteligente citar "indústria
cultural" em alemão sem ser capaz de explicar o que Adorno quer dizer com
isso. Ou que a música que não tem público pode tanto ser excelente quanto
horrível.


> Por fim, o que me deixa curioso é o processo de surgimento de novos
> compositores, seu processo de criação, e, por fim, a aceitação e
> legitimação por parte dos especialistas, como parece ser o "Roda de Funk".
>

A legitimação, como acho que já disse, é uma questão de saber separar "quem
é de verdade" e "quem é de mentira". E "quem é de verdade sabe quem é de
mentira".


> E, se isso não é uma "inegável expressão da cultura popular", eu não
> saberia o que essa expressão significa.
>

Nilo Batista não é de mentira!

Abraço,
Carlos
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